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domingo, 15 de abril de 2012

ANTES QUE VOCÊ ME TOQUE

Ao alto: Saulo Rodrigues, Cristina Lago e Igor Angelkorte.
À esquerda baixa: Claudia Mele
CRÍTICA
"BOATE" 2A2
COPACABANA
      - RJ -

IDA VICENZIA


Nunca pensei que fosse escrever sobre uma peça que falasse em swing, porém, guerreira da década de 70 que sou, saí da Boate 2A2, em Copacabana, com a encenação me  acompanhando, e hoje de manhã, dia 15, um domingo, "Antes que você me toque" venceu. O jovem diretor, Ivan Sugahara, de maneira bem-humorada e sensível, está querendo que a gente entenda, de uma vez por todas, como o sexo pode ser uma experiência viva, "descomplicada" (?) e bela de se viver. Único senão: às vezes as cenas ficam um pouco repetitivas, dando uma sensação de enfaro, sentimento esse que é um perigo, em se tratando de sexo.
     Pois bem, cada um tem sua visão pessoal e intransferível da repressão sexual em que vivemos. Imaginem se todo mundo resolvesse, como queria a minha geração, fazer amor e não a guerra! Em primeiro lugar, estaríamos livres da indústria do armamento. No programa, Claudia Mele (que desenvolve a dramaturgia com Sugahara), diz que também a indústria do sexo é poderosa. Eis um poder que é bom se falar sobre: o sexo natural, sem culpa e sem cobrança. Parece-nos que é isso o que o diretor e seu grupo querem, ao alertar sobre os prazeres e desencantos do sexo. Em todo caso, os encontros que acontecem no cenário do 2A2 em nada se assemelham às novelas pornô da Rede Globo.
     No início do espetáculo, o desenvolvimento do texto e a ação beiram à genialidade, sem a crueldade de Sade ou a depravada decadência de Bukovski: estamos na presença de um tratamento novo para o assunto. Na cena, dois jovens se encontram na noite, e se atraem. Para nossa surpresa, as palavras que trocam não se revestem do óbvio, como costuma acontecer nestes encontros, mas são a tradução do que se passa no organismo de quem se submete à pressão sexual: veias, glândulas, órgãos, tudo junto elaborando e desenvolvendo a conexão. E os atores a relatando. Perfeito. Didático, quase. E poético - como, aliás, é poético o final do espetáculo. E, entre a primeira e a última cena temos várias combinações do que podem ser os encontros amorosos, da infância à juventude. Os dois autores só esqueceram como pode ser o encontro sexual dos velhos. Talvez o diretor não o tenha feito por motivos óbvios: como a extrema juventude dos atores poderia reproduzir a sexualidade senil, sem transformá-la em comédia?
     Por falar em comédia, temos na cena do swing uma das mais teatrais do espetáculo. A juventude e a maneira pela qual a sexualidade é abordada livra-nos do que, em geral, costuma ser essa linguagem do sexo: decadente e devassa, obedecendo a receita de Nelson Rodrigues. Todos os tipos de sexualidade são tratados de maneira natural. E não é uma brincadeira de criança, a imagem da atividade sexual é simplesmente humana. Afinal, sexo é vida, embora a nossa sociedade ainda viva, a esse respeito, o cruel pesadelo de Tânatos.        
     No elenco Claudia Mele, Cristina Lago, Igor Angelkorte e Saulo Rodrigues desenvolvem, com arrojado desembaraço, as complicadas situações exigidas pelos seus personagens. Os quatro compõe, com equilíbrio perfeito, as mais variadas situações que a imaginação sexual possa criar. São atores seguros de seu desempenho, o que, no caso, talvez não seja tão fácil assim. A cenografia de Nello Marrese e os figurinos de Tarsila Takahashi se complementam, na ação. Destaque às correntes, como sugestões do inconsciente. Iluminação de Renato Machado. Ivan Sugahara dá vida à ação também com a trilha sonora por ele elaborada. Observamos que o pintor realista Gustave Courbet faz parte dessa história. Menino ainda, o diretor assistiu a exposição do pintor francês e guardou para si a imagem do quadro "A Origem do Mundo". Trinta anos depois, ele pode externalizar o seu encanto.

2 comentários:

  1. Que beleza! Uma peça que, a princípio, eu não veria, mas que, pela ótica da esplêndida Ida, se torna um "must".

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