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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

"A MORINGA QUEBRADA"

Luciana Fávero (D. Marta Rola) e Claudio Tovar (Juiz Adão) em "A Moringa Quebrada"
(Foto de Antonio Garcia)

IDA VICENZIA FLORES - CRITICA DE TEATRO
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     A peça de Heinrich von Kleist, "A Moringa Quebrada",  estreou no Espaço NET, sala Paulo Pontes, com direção de Gustavo Paso. Em destaque: a volta aos palcos de Claudio Tovar. A farsa de von Kleist sobre as leis, vista por uma comunidade de camponeses alemães do século XIX, é transposta para os palcos brasileiros através de uma encenação no sertão nordestino (adaptação de Gustavo Paso), com tradução de Marcelo Backes.
     O Nordeste, seus costumes e a maneira de processá-los, poderia ser um recurso marcante (ambiciona o tom de farsa de Ariano Suassuna), não fosse o descompasso entre os atores: há, entre eles, profissionais de renome dando apoio a um grupo semi-amador. Calma! Essa observação justifica-se pela impostação de voz de alguns atores da Cia Teatro Epigenia, desconcentrando o público especializado e com isso diminuindo a probabilidade de acerto de ideia tão profícua. Embora a montagem se inspire na Literatura de Cordel, nada desculpa a falha vocal dos  atores que interpretam o Escrivão Luz (Thiago Detofol); Robério Cacimba (Felipe Miguel) e Margarida (Talita Vaz), papéis fundamentais no decorrer da trama. Aliás, em se tratando dessa adaptação da obra de Kleist (já vi outras), todos os papéis tornam-se fundamentais. Os atores Samir Murad (Conselheiro Magno), Luciana Fávero (D. Marta Rola); Barbara Werlang (Eva Rola); Antonio Barboza (Vito Cacimba), e principalmente Mônica Vilela (Sra. Roupapreta), salvam a montagem com suas  atuações. E, principalmente, Claudio Tovar, em magnífica interpretação do Juiz Adão (diga-se que a adaptação dos "ditos e maneirismos do Nordeste", feito por Gustavo Paso alimentou as falas desse ator). O lascivo Juiz alcança sutilezas que despertam um sorriso cúmplice em quem o assiste, principalmente nos momentos em que percebe que é o alvo das suspeitas do Conselheiro Magno (Samir Murad corresponde ao solicitado, em um papel cheio de nuances).
     O alucinado "Adão" tenta corromper a fiel "Eva", através de expedientes espúrios. A descoberta de sua "vilaneza" é o ponto alto do espetáculo. Não conseguimos desviar os olhos de Claudio Tovar, quando está em cena (e sempre o está). Tanto a sua expressão corporal, quanto a vocal, são impecáveis. O olhar, a desfaçatez e o espanto do Juiz Adão fazem reviver o grande personagem criado por Kleist. Esse papel já deu prêmio a atores nacionais, como o gaúcho Claudio Heeman, em 1961. O mundo é dos Claudios! E, segundo a lenda, dos diabos! Não há nada mais fascinante do que relembrar o papel do "pé de cabra" nas brenhas nordestinas. Neste sentido é marcante a participação de Mônica Vilela, como a Sra. Roupapreta, a caçadora de diabos!
     A versão brasileira de Heinrich von Kleist, criada por Gustavo Paso, nos leva a um Brasil arcaico, não muito longe da Alemanha recém saída da Idade Média, ilustrada pelo dramaturgo. O enfoque dado pelo diretor busca uma aproximação com o Brasil atual (corrupção, etc), mas fica somente no seu simulacro de um país "exótico". Ainda bem, simulacro, pois o que precisamos agora é justamente nos livrar da imagem do "exótico" que carregamos, e também a do país de corruptos.
     O local fictício da ação é em "Upa Cavalo" - um "sub-reino da Monarquia Parlamentarista dos Estados Federativos do Brasil" e, se tal local não existe, fica-se sempre livre de qualquer semelhança com os acontecimentos nacionais, embora o teatro seja uma lente de aumento nada ingênua. Mas que acontecimentos são esses, afinal? Um juiz corrupto, que não se importa com sua função e vive em um local onde não há nem Deus nem Lei, e tudo acontece conforme a sua gana e o seu descaso. Será essa a imagem do Brasil que queremos?
     Ficha técnica: Direção: Gustavo Paso; Assistência de Direção: Suzana Castelo; Adaptação: Marcelo Backes; Pesquisa popular, de ditos e maneirismo do Nordeste: Gustavo Passo; Cenário: Gustavo Paso e Teca Fischinski; Figurinos: Teca Fichinski (um caótico deliberado); Preparação Vocal: Dody (sua atuação pode ser aprimorada); Pesquisa Corporal Édio Nunes. Trilha Sonora (a desejar), de Luciana Fávero e Felipe Miguel; Letra de "Eu Quero" (com encenação final de despedida, em tom animado, cativante, trazendo à vida, inesperadamente, a filosofia de von Kleist!), de Gustavo Paso e Luciana Fávero. Assessoria de Imprensa, Ney Motta.                

2 comentários:

  1. Muito obrigado pelo seu retorno tão rápido. É sempre importante a visão do crítico, principalmente a sua, que respeito tanto!
    Muito obrigado, vamos rever os pontos de dicção, que em alguns pontos já estavam sendo identificados.
    No mais, estou investindo em gente nova... a nova formação da CiaTeatro Epigenia.
    bjs
    Gustavo Paso

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  2. Gostei de sentir que o Gustavo Paso viu em sua crítica o olhar amoroso de quem respeita e ama o teatro. Vou esperar um pouquinho e me programar para ver. Beijos.

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