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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

"O HOMEM TRAVESSEIRO"

Miguel Thiré, Ricardo Blat, Bruce Gomlewsky, Tonico Pereira em "O Homem Travesseiro" (foto Guga Melgar)




CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Sempre que alguém se lembra de montar o dramaturgo irlandês Martin McDonagh, no Brasil, tem como resultado um ótimo espetáculo, teatro puro, e, talvez por isso mesmo, enfrenta uma luta sem trégua para vê-lo reconhecido. Acontece que "O Homem Travesseiro", texto que vamos comentar agora, é dramaturgia bem trabalhada, tensa, e guarda, para seus intérpretes, a marca e o mistério do talento. São tantas as oportunidades de reconhecer essa marca, distribuída entre os atores, no presente espetáculo, que nos daremos ao luxo de, antes de começar a crítica, falar um pouco do "aquecimento" que nos levou ao texto de McDonagh. Trata-se de um espetáculo que está colado ao do diretor Bruce Gomlewsky, e que acontece aos sábados e domingos, no mesmo teatro Laura Alvim, algumas horas antes de McDonagh começar. Trata-se de um espetáculo infanto-juvenil, "Histórias do Medo", dirigido a um público que mais tarde descobrirá, se tiver sorte, Martin McDonagh. As histórias da contadora Priscila Camargo, com direção de Aracy Cardoso, são, provavelmente, saídas da pena dos irmãos Grimm, e têm como alvo as criancinhas, e muito em comum com as histórias de McDonagh. Elas também vivem no mundo da Literatura.  
     As modificações que Priscila consegue de seus pequenos ouvintes é um caso a parte. Porém, as reações dessas criancinhas são muito semelhantes às do irmão do escritor/personagem de McDonagh, o Michal, interpretado por Ricardo Blat. Perdão, mas o que posso dizer agora é que, dessa fábrica de Priscila saem os futuros apaixonados por histórias de ficção, histórias como as que ilustram a peça do dramaturgo irlandês, abstraindo, talvez, a obsessão de McDonagh pela figura materna. No final do século XX foi montado, no Brasil, "A Rainha da Beleza de Leenane" (região na qual o autor passou a infância), e é impressionante a presença materna, a obsessão que ronda, para sempre, a dramaturgia do irlandês, proporcionando-lhe impacto e prêmios: inclusive dois Tony, e um Laurence Olivier. Ele se diz influenciado por David Mamet.  Aí voltamos ao mistério do talento.   
     São quatro atores: Bruce Gomlewsky, no papel do escritor; Ricardo Blat, o irmão (cujo surgimento abre uma ruptura na história, esclarecendo-a); Miguel Thiré: o talentoso ator está irreconhecível como Ariel, o "aprendiz de detetive"; e Tonico Pereira, o delegado, dublé de escritor, que nos dá uma inesquecível aula de como se organiza uma história para contar. Aliás, preparar histórias e contá-las faz parte deste texto desafiador. No fundo, trata-se de uma homenagem do autor aos escritores, à sua sensibilidade e maneira de ver o mundo, transmitidas principalmente no embate entre Tupolski (Tonico Pereira) e Katurian (Bruce Gomlewsky). Uma homenagem meio torta, digamos, porém uma bela homenagem à literatura.      
     Quer o autor que o caso se passe em um país onde os métodos truculentos fazem parte de seu dia a dia. A história pode ser sufocante, entretanto, há vários momentos de  respiração. E citamos o caso de Tonico Pereira (só para falar em algum deles), um momento em que a música pára - a música imaginária, de horror, que os nossos ouvidos escutam, ao ritmo da fala dos atores - para ouvir "o solo do menino tolo e o trem que ameaça a sua vida". A maneira que o ator vai narrando a sua história, que parece ser inventada naquele momento, dá a dimensão da transfiguração do talento. O episódio vai se concretizando, e é Literatura. Fiquemos com este exemplo. Eles são muitos, e os mais variados conteúdos se alternam, dando espaço e expressão ao elenco. A imaginação de quem nos lê, e assiste ao espetáculo, complementa e dá a dimensão certa ao que acontece em cena.
     Direção sensível de Bruce Gomlewisky; Cenário Marcos Flaksman; Luz, de Luis Paulo Nenen e Thiago Mantovani; Figurinos, Rita Murtinho; Música Original, Borut Krzisnik. Há, no elenco, a sustentação dos papéis dos pais, feita por Ricardo Ventura e Glauce Gima, que também interpreta "Menina Jesus" - uma das histórias contadas. Julia Limp Lima é a "A Menina Muda" e Gabriel Abreu interpreta Katurian criança. Aconselho com veemência o comparecimento do público para assistir a esta peça. Trata-se de uma experiência emocionante.


4 comentários:

  1. Ida, é possível alguém que leia suas críticas não ser sua fã? Obrigada por me proporcionar sempre esse prazer. Vou seguir seu conselho. Beijos.

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  2. Boa noite Ida.

    Acabei de assistir o espetáculo Homem Travesseiro no Festival de Curitiba e fiquei muito impressionado com a história e a atuação dos atores.

    Porém, detalhe, assisti a peça na versão do grupo do Rio de Janeiro. Neste ano o Festival disponibilizou ambas as versões existentes no Brasil, a paulista e a carioca.

    A que assistimos é a carioca. Você viu a dos paulistas?

    Abraços

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  3. Paulo,

    não assisti a dos paulistas. Que bom que você gostou da carioca. Bruce ganhou o prêmio de melhor diretor da Associação de Produtores de Teatro do RJ. Gostaria de ter assistido a versão paulista.
    Abraços

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    1. Que bacana IDA!

      Parabéns pelo blog e plas críticas pertinentes.

      Abraços

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