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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

"CALANGO DEU!"

Suzana Nascimento e seu bandolim, em "Calango Deu!"
(foto Sergio Santoian)

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro)
(Especial)

 É um prazer conhecer Dona Zaninha. Ela agora está em cartaz no Teatro Café Pequeno. Até o dia 9 de dezembro, com “Calango Deu!”. Não percam tempo, vai ter até sessão extra no próximo domingo, pois o teatro “não dá conta”! Pois é, a gente sai de lá até falando “mineirêz”! Não se sabe quantas vezes o sino toca, chamando pro espetáculo. Não sei o que Molière  pensaria dessas batidas, acho que iria gostar. Mas que é bem diferente das “batidas” dele, ah, lá isso é!
     Suzana Nascimento, mineira de Juiz de Fora, formada pela Casa das Artes de Laranjeiras, é uma incansável “show-woman”. Não se pode fazer essa crítica dentro do espírito da “Dona Zaninha”, senão o tal de “show-woman” vai pro espaço. O que estou querendo dizer é que Suzana Nascimento canta, conta histórias, toca instrumentos e se movimenta pelo cenário sem nunca perder o fio da meada. É surpreendente.
      Em cena, ela chega a fazer a proeza de entrar em contato com alguém na plateia (a interação palco/plateia é absoluta), e retomar esse contato quase no final do espetáculo, sem perder o fio da meada. É que o público entrou, de tal maneira, na vida louca do planeta Minas, que já não se admira de mais nada. É claro que a atriz tem a orientá-la a tessitura dos detalhes, criados pela sensibilidade do diretor Isaac Bernat. E tem, também, a inspiração dos “amigos” Guimarães (principalmente esse Guimarães Rosa!), Barros, Drummond e Queirós (Bartolomeu Campos de, recentemente falecido). E ainda: Dona Zaninha é instigada por Francisco Gregório Filho, o mestre dos contadores de histórias.
     Mas voltemos ao Guimarães. Suzana Nascimento consegue a proeza de inventar uma versão caseira do espírito do jagunço criador de palavras, de Rosa. A prosódia encanta. E as definições? “A infelicidade é um caso de prefixo”, ou as histórias da sapiência milenar oriental “quando um velho morre, uma biblioteca se incendeia” (trazido, certamente, por Bernat), louvando a “contação de histórias”? O próprio diretor, segundo o programa, é um seguidor das histórias africanas.
     E vocês querem coisa mais deliciosa (e maldosa, dentro do espírito caipira), do que a resposta da “noiva” a seus pretendentes? (quem quiser saber da história, que vá ouvir o causo!), ou a construção da vingança do “Podela”? E a história dos ovos “pôche”? (prá ôce”), e a referência às “ervas finas”? As receitas... E por aí vai, até a música final, tirada por Zaninha das cordas do bandolim. Essa música toca as cordas do nosso coração. Deixo a surpresa para quem a for ouvir, mas conto quem a ensinou: Pedro Amorim, o excelente preparador musical.
     Prossigo com a ficha técnica afinada: Aurelio de Simoni, na iluminação, faz a luz dançar, ampliando o espaço e iluminando os pequenos palcos. Sim, porque o cenário de Desirée Bastos vai se desdobrando em pequenos palcos, abrindo cenas, conforme Dona Zaninha necessita de espaço. Ah! esse “Zaninha” é o apelido de infância de Suzana Nascimento. Imaginamos que “Calango Deu!” é a peça de sua vida, de seu coração, porque leva à cena a experiência familiar, a árvore genealógica da atriz. Ela está toda lá, no palco! É tudo tão autobiográfico, que a emoção nos ronda, a nós, a plateia. E isso é fascinante. 
     Mas voltemos às pequenas cenas: Desirée imaginou oratórios que guardam álbuns de família, em vez de santos; armários com panelas; portas e cercados - de tal maneira que os espaços vão se construindo, à medida que Zaninha vai contando as suas histórias. Esse espetáculo é uma homenagem aos contadores de histórias. Muito bem imaginado. Como também o figurino criado por Desirée, em tons pastéis, delicado, porém com a capacidade de se adaptar às cenas. A direção de movimento é de Marcelle Sampaio.
     Raquel Alvarenga fez um projeto gráfico primoroso. No programa há o roteiro dos caminhos de Zaninha. Não há como as pessoas se perderem. Suspeito até que atriz e diretor se socorreram dele! São tantas as ações, que é necessária a memória prodigiosa dos artistas para não se perder naquele labirinto. O café mineiro também tem seu papel na ação. E o público se rejubila, e passa no “boca a boca” essa história de Dona Zaninha fazer café em cena, e oferecer ao público, como se estivesse em sua casa. E está! A edição de som é de André Poyart; e Chico Werneck gravou na sanfona o Trenzinho do Caipira, de Villa Lobos, tocado no início. Tem uma hora que a atriz/personagem embarca nesse trem, e dá uma explicação hilária (e poética) do porquê do mineiro gostar tanto de trem.
     Pra finalizar, o programa, bem escrito, explica o que é o Calango: “é um gênero poético-musical típico do interior, cantado em rimas improvisadas ou decoradas, carregadas de humor. Em Minas tem calango pra mais de metro, cantado e dançado”. Não percam essa Zaninha! É bom, ver bom teatro.                          
          

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito obrigada pela linda crítica, Ida!!
    Muito bom te receber aqui na casa de Dona Zaninha!!!

    Gostaria ainda de informar aos leitores do blog que a sessão extra será no DOMINGO as 17h e não na quinta.

    Quem puder vir tomar um cafezinho conosco e escutar umas boas histórias, será muito bem vindo!!

    Bjo grande

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  3. Ida, como eu gostaria de ver tudo que você vê. E mais ainda, com o seu olhar ... Deve ser uma delícia essa apresentação. Aliás, você menciona o Francisco Gregório. Fiz um workshop com ele. Amei. Beijos.

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