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domingo, 3 de fevereiro de 2013

"CUCARACHA"

Júlia Marini e Carolina Pismel em "CUCARACHA"
(foto Divulgação)





   CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

À propósito de “Cucaracha”

     Que inferno! Há um dramaturgo entre nós: Jô Bilac. Para tomar parte no cerimonial tortuoso de uma mente que se despede, em “Cucaracha”, o autor mergulha no imaginário. Não é fácil levantar um texto a partir de uma situação tão frágil quanto o encontro de uma paciente, e de uma enfermeira, em um quarto de hospital. Harold Pinter já nos ensinou que um quarto pode conter o mundo. Entretanto, é preciso ter muita certeza de onde se quer chegar, para povoar este quarto.  Jô Bilac, através de um texto repleto de filigranas, parece ter alcançado esse estágio elevado de pesquisa de linguagem que leva à renovação. Dessa vez Bilac desenvolve uma situação delicada entre duas mulheres, iniciada com desenhos do cotidiano de um hospital. A paciente em coma, e sua enfermeira. Na verdade, uma situação de impacto. Os primeiros movimentos das atrizes Carolina Pismel e Júlia Marini levam o público a uma sensação de estranhamento. Desconcertado,  ele tenta reagir através do riso, mas acaba mergulhando na viagem sem volta do autor. 

     Tivemos o primeiro contato com Jô Bilac através da peça “Cachorro!”, também dirigida por Vinicius Arneiro, há cinco anos. Daquela vez não foi difícil identificar a “influência” - algo que sempre procuramos, quando encontramos um trabalho inovador. Localizamos a adaptação de um conto de Nelson Rodrigues. Agora Jô Bilac domina o seu fazer teatral e nos apresenta, em "Cucaracha", uma linguagem que se constrói através de ampliações, alucinações e sonhos. Material delicado para levantar um texto. Reconhecemos que Bilac encontrou seu próprio caminho, mas fica a pergunta: como é que ele percorre, assim, a estrada da amplificação dos sonhos, já percorrida por Baudelaire?  A resposta é óbvia: pura intuição. Estamos na presença de um dramaturgo/poeta.

     Percebemos, agora, uma voz própria desenhando a ação. Quando a paciente Vilma, interpretada por Júlia Marrini, ecoa, na solidão do quarto de hospital, os últimos pensamentos de seu cérebro que começa a se desconectar, percebemos os dois planos – o do real, e o da consciência. O texto apregoa “um fiapo inconfiável” da paciente, “a realidade”.    

     Porém, quando a enfermeira Mirrage, interpretada por Carolina Pismel, envolve-se cada vez mais com aquele quarto e com aquela paciente, percebemos a sua crescente angústia, que irá explodir no sonho, na fantasia. O autor se apropria da alma de seus personagens.  

    Nesta peça, o trabalho das atrizes é sustentado por delicado desenho. Trata-se de um mecanismo precioso que se destaca com a precisão de um relojeiro. As duas atrizes sustentam, à perfeição, os minutos que nos oferecem.

     O texto fala em um cérebro que “ainda” funciona, apesar  de “certo esquecimento... certa confusão”... (uma homenagem a Alaíde, de "Vestido de Noiva"?). As interpretações de Júlia Marini e de Carolina Pismel muito colaboram para essa sensação de caos, de poesia. Trata-se de um mundo paralelo. Há, na última visita da enfermeira à sua paciente, cenas oníricas que levam as duas personagens a sonhar com o infinito. Seus cérebros imaginam, poeticamente, a Terra à distância e a explosão final, onde a vida acaba. O Destino se cumpre. Uma explosão à qual nem as “cucarachas” (as “baratas”), escapam. O final dos tempos.

     O autor cria um reino, em seu imaginário.  Seu  trabalho está muito bem complementado pela ficha técnica. O cenário e a iluminação se debruçam  sobre o verdadeiro universo que pode ser uma porta e uma janela. Dentro do quarto, a cama de hospital.    

lIuminação: Paulo César Medeiros; Cenografia: Aurora de Campos;  Figurinos: Thanara Schönardie; Música e Som Cênico: Daniel Belquer; “Voz do Alto Falante” que comunica “o quarto” com a vida do hospital: Paulo Verlings.  

    

    

 

 

 
 

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