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quinta-feira, 28 de março de 2013

"SARAU DAS PUTAS"

Foto divulgação: "Sarau das Putas", com o diretor Ivan Sugahara (ao centro). À sua direita, a cortesã francesa Marcelle La Pompe. Teatro Poeira, Rio de Janeiro.(foto divulgação


CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Falar em prostituição, hoje em dia, pode estar tão ultrapassado quanto falar em choques elétricos nos manicômios, embora os autores de “Sarau das Putas”, Ivan Sugahara, Renata Mizshai e Vitor Barbarisi não pensem assim. Há várias maneiras de abordar o assunto. Texto e direção do espetáculo pensaram em abordá-lo como denúncia e ...  um certo romantismo à La Marguerite  Gautier! Tanto assim que foram buscar uma personagem francesa, do séc. XIX, para ilustrar o tema. Puro acerto. A prostituição, em nossos dias, não tem todo esse glamour. Porém, reconhecemos que possui um certo apelo financeiro, que continua a agir sobre as mentes e corações ocidentais.
Depois que as mulheres descobriram que o prazer substitui o choque elétrico, o número de histéricas diminuiu nos manicômios. Isso é verdade. Podemos até lamentar (os que gostam de arte), que, uma vez enterrado o Romantismo das hemoptises, passou o tempo heróico, e a prostituição se generalizou.  Agora é o gozo pelo gozo, e só não o prova quem não quer.
Acontece que Mizhai, Sugahara e Barbarisi colocaram o “patrocínio”, tão em moda entre nós, para justificar a prostituição. Patrocina-se  a faculdade, a doença na família e, principalmente, patrocina-se o prazer! Talvez a palavra “prostituição” esteja ultrapassada. Ou somos todos prostitutos? O fato é que essa palavra adquiriu os mais variados sentidos. E está muito em moda: a prostituição da alma, infelizmente, é praticada pela sociedade e se chama corrupção.
Porém este tema, pelo menos entre os/as intelectuais, sempre atraiu a imaginação e foi  contemplado com  uma aura do romantismo jamais ultrapassada. E essa aura está presente neste “Sarau das Putas”, pelo menos em seu início, no primeiro ato. Os autores resolveram contratar os serviços de  uma cortesã francesa do século XIX para animar a festa! Há, no ar, a sensação do elogio ao gozo. Fica para o segundo ato a tarefa de colocar as coisas em seu devido lugar.  No início, o espetáculo corre o risco de parecer uma ode à prostituição, com aquelas belas moças e seus belos figurinos (uma pesquisa caprichada de Tarsila Takahashi), e músicas muito bem  selecionadas  para a ocasião.
Os autores parecem acordar, no segundo ato, quando a platéia já desanimava de ver a realidade em cena. Pelo que nos foi dado perceber, as felizes, engraçadas e, de certa forma, refinadas  prostituas do primeiro ato não têm nada contra o confinamento das orientais nos haréns dos sultões, pois esse é o cotidiano que elas parecem viver, com algumas exceções, e muito prazer.
O texto é feito de depoimentos, e eles deixam entrever um ideal de  periquete com  “amor  estável” esperando-as em casa.  Algo meio no estilo Bruna Surfistinha, a prostituta que contou sua vida em livro.  Saugahara deixa-nos entrever, no primeiro ato, a sexualidade livre na qual  já apostava ao encenar  “Antes que você me toque” . Talvez sua compaixão e amor pelas mulheres o leve a tal preocupação, o que é louvável. Mas o que sabemos é que, por mais rebeldes e interessantes que  as prostitutas queiram parecer, elas carregam o ônus de uma vida sem brilho. E não são donas do próprio nariz, pois dependem de seus clientes. Ora, pensando bem, todos os negócios dependem dos clientes! Não há como escapar da proposta do espetáculo: um novo olhar sobre a prostituição. Devemos, então, procurar  esse olhar na visão sem preconceito das sociólogas?
As interpretações das treze atrizes são nada menos do que brilhantes, principalmente a cortesã francesa Marcelle La Pompe, interpretada por Laila Garin. As treze artistas que formam o elenco (essencialmente feminino, com algumas intervenções masculinas, de platéia), demonstram grande profissionalismo e talento. É de louvar a exposição a que todas elas se submetem. As treze são: Laura Limp (a bela Ella), que dá aflição na platéia com a sua presença física (e não direi o porquê). Ao passar rapidamente por todas as personagens não há desvalia, pois o elenco está muito bem equilibrado entre o talento e a segurança das atrizes. Livia Paiva (Fabricia); Nara Parolini (Ana Foguete, grande carisma); Gisela de Castro (Gabriela); Juliana Terra (Salete); Carolina Ferman (Rainha Gita), Rita Fisher (uma Rebecca Rabit impressionante!); Rose Lima, total carisma (Amanda); Tatyane Mayer (Lolla); Nathália Mello (Salomé); Renata Guida (Karina) e Carol Garcia (Celeste). Algumas com presença de garotonas de Ipanema, tornando quase inverossímil a sua opção, outras passando o desespero e o prazer de quem vive no fio da navalha, “Sarau das Putas” é uma declaração de amor às mulheres; uma ode ao gozo, e uma advertência social.                 
Uma observação importante sobre a cenografia de Diego Molina: o interior é criado com  grandes reposteiros vermelhos suspensos no ar; tapetes orientais e móveis de gosto duvidoso, compondo o clima peculiar desses ambientes. A trilha sonora de Ivan Sugahara e Vitor Barbarisi é também um ponto alto do espetáculo, com as “periquettes” cantando, e algumas vezes dançando,  suas músicas temas. Destaque para o funk de Valesca Poposuda “Grelo” e “Boladona”: uma contravenção!  A preparação vocal é de Ricardo Góes. Há, no espetáculo, as iluminações intermitentes de Ana Luzia M. de Simoni alternando seu foco entre palco e  platéia...  Interessante observar que, no programa, os nomes do elenco e produção aparecem em “criação coletiva”. Essa maneira de trabalhar o coletivo transparece no espetáculo. Além disso, há, em Sugahara,. uma mistura oriente/ocidente, unida a uma desafiadora identidade ocidental, adquirida em sua formação na Amércia do Norte, que parece querer desmistificar tabus que ainda imperam cntro nós, como a abordagem da sexualidade, do ponto de vista feminino. Vale à pena dar uma conferida neste Sarau!      
                                                      

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