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sexta-feira, 14 de junho de 2013

'NENHUM'

Felipe Vidal (JAMS), Talita Oliveira (SARA) e Higor Campagnaro (GRIT), em "Nenhum", de Edward Bond. Direção Renato Carrera. (Foto Divulgação)




CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"Nenhum", do inglês Edward Bond, em cartaz do Espaço Rogério Cardoso, Casa de Cultura Laura Alvim/RJ, levanta várias questões sobre os novos caminhos do teatro. Destacamos em primeiro lugar a linguagem inovadora, que propõe colocar a ficção científica em um patamar de "Teatro de Câmara". Há uma maneira convulsiva de desenvolver a ação, levando-nos a identificar algum parentesco com o teatro simbolista, não sendo essa, ao que parece, a proposta, apesar do mistério que ronda a encenação. 


     A realidade espelhada em 2077 (proposta do texto) nos aproxima de acontecimentos presentes, revivendo, de maneira alarmante, noticiários e documentários que irão, fatalmente, desaguar neste futuro remoto. Vejam bem: segundo a BBC de Londres, estamos nos encaminhando para uma mudança drástica em nosso planeta, no que se refere à água e sua dependência: e a irradiação de partículas desconhecidas (ocasionadas pela energia atômica)  sobre ela. Tal realidade futura causa pânico, e medo.        


      Pois essa estranha peça, "Nenhum", conduzida com a necessária tensão por Renato Carrera, desenha um futuro onde impera o mal-estar de viver neste planeta.  Acertados alguns detalhes, como a inverossimilhança da carga afligida ao "visitante" Grit, ou seja, o desequilíbrio entre a chegada do personagem e a não correspondência do "pesado fardo" que carrega (o material que traz consigo, a mochila sem consistência), faz a cena perder a força.  


       A maneira pela qual a narrativa vai se construindo, nos faz entender que estamos na presença de um teatro pós-moderno, por mais que essa classificação seja perturbante. Porém,  cremos que ainda não foi dito tudo: a peça nos apresenta uma era pós-fascista, na qual a repressão, e o modelo em busca da perfeição, chegam a um limite detalhista. E fanático. Felipe Vital, no papel de Jams, interpreta bem esse fanatismo.  


     Os atores, em geral, possuem a energia da entrega total, o que acrescenta força a esse fanatismo operante. Assim, vemos Sara (Talita Oliveira) em sua entrega para fugir a um mundo não mais possível, quebrando todas as regras. Contrariando Leibniz, o seu mundo (o de Sara), é o pior dos mundos possíveis. Essa condição do pessimismo atingiu todos os personagens: Jams (Felipe Vidal) é o homem que acredita, mas teme. Sua visão do humano é distorcida.  


     Grit (Higor Campagnaro) se debate com exterioridades, embora a força do ator não possa ser negada. Talvez, se alguma luz fosse jogada sobre o que representa o seu personagem, ficasse restabelecida uma coerência: Grit seria uma força externa que vem quebrar o precário equilíbrio do mundo interior? Não é só no "mundo possível" de Leibniz que a coerência existe. Fica a pergunta: há um simbolismo neste personagem tão simbólico? Atenção: nesta peça o público complementa a ação, e a sua leitura é livre. Pelo menos foi o que inferimos deste espetáculo.


     "Nenhum" é desafiante e abre portas para o desespero da vida. Edward Bond lembra Sarah Kane (ou será Sarah Kane que lembra Edward Bond?). O fato é que uma nova dramaturgia, a do pessimismo desesperado, está chegando: é o além-Beckett. E a causa desse desafio é o "novo mundo" que se abre para nós, o da pós-barbárie. Não deixa de ser um exercício estimulante, o buscar a coerência em todas as coisas. Beckett ainda possuía o humor sombrio. Hoje nem isso. E o exemplo é "Anéantis", de Sarah Krane, que não nos deixa tempo para divagações. Trata-se de um outro aspecto deste novo tempo que vem aí. Surpreendentes acontecimentos desafiam nossa época.


    Na ficha técnica de "Nenhum", o cenário de Aurora dos Campos joga com o ambiente claustrofóbico da ação; a iluminação de Tomás Ribas a complementa, e a direção musical de Felipe Vidal acrescenta (o claustrofóbico). Estamos na presença de um espetáculo amarrado em seus mínimos detalhes. Os figurinos, marcando fortemente as características dos personagens, são de Flávio Souza. "Nenhum" traz o desafio de uma nova dramaturgia. Talvez não tão nova assim, mas com alguns decibéis acima do suportável pela alma humana. Vale conferir.  Um espetáculo da Companhia Complexo Duplo. Tradução de "Nenhum", Felipe Vidal.         


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