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sábado, 13 de julho de 2013

"MARAVILHOSO"

"Maravilhoso", texto Diogo Liberano. Em cena Márcio Machado (Diaz) e Paulo Verlings (Henrique). (Foto Divulgação)




CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

... E voltamos a falar sobre os dramaturgos brasileiros e a maneira pela qual os críticos  selecionam suas impressões, principalmente nestes tempos de blogs sem patrões. Falamos o que a alma nos pede. Assim aconteceu com as três últimas peças a que assisti. A primeira, e de que me ocupo agora, é um painel magnífico sobre a alma brasileira; a segunda, "Palhaços",  é de uma poesia delicada; e há uma terceira, a que vi depois dessas duas e que não me saiu do pensamento, "Os Sapos", sobre o relacionamento humano. Hoje o olhar se detém  sobre  "Maravilhoso", de Diogo Liberano, em cartaz no Teatro Gláucio Gill.
      O texto surgiu de uma proposta do ator Paulo Verlings, do Teatro Independente, feita a Diogo Liberano, do Teatro Inominável, para este escrever algo que se inspirasse no "Fausto",  de Göethe, e no carnaval carioca. Trata-se de um tema no mínimo desafiante, levando em conta que o carnaval carioca já nos deu peças e filmes marcantes, e um bom exemplo é "Orfeu da Conceição", inspirado no mito do Orfeu, escrito por Vinícius de Moraes, com músicas  de Antonio Carlos  Jobim. "Maravilhoso" não se propôs a ser um espetáculo baseado em músicas, mas em ações simultâneas que se deslocam entre o bem e o mal - e tudo misturado - como é a vida.
     Inez Viana (do grupo OmondÉ), saiu-se bem dessa difícil missão de manejar (ela é a  diretora), esse intrincado painel da alma carioca que é "Maravilhoso". No início da peça, Felipe Abib, que interpreta Miguel - não sei se o narrador, porém a força neutra que costura a narrativa - (não tão neutra assim, pois ele representa também o quarto poder, o jornalismo, e o faz muito realisticamente). Esse personagem, essencial, inicia os trabalhos  entoando uma "écogla ao contrário", se assim podemos chamar seu canto, onde a natureza, em vez de bela,  é maldita, e  onde, "... o dia deu em chuvoso/ e a gota que no asfalto bate/ respinga mijo/ ao invés de orvalho...", lembrando a dedicatória de Göethe, porém localizando a "cidade guimba ... inferno cenográfico onde a sujeira impera" (Diogo Liberano).   
     E estamos prontos para aceitar o que virá depois. O fato é que o texto de Liberano nos remete a uma ética nada triunfalista. Ao contrário, ela é o próprio inferno, e o teatro, com a  sua proximidade instantânea, nos carrega de supetão para a história. Não podemos negar que estamos na presença de algo vigoroso, e o cenário de Luiz Henrique Sá é decisivo para a essa sensação. Recortado em vários palcos, trabalhados como uma cidade em eterna construção, ora um carro alegórico, ora uma favela, tal estrutura torna possível a ação simultânea,  em vários blocos, vários "versos". Aliás, essa é também a proposta de Göethe em seu "Fausto".     
       A ambientação também flui, através da luz de Paulo César Medeiros. Evoco estes dois artistas, porque eles fazem parte epidérmica da epopéia que vamos assistir. Há um crime, um suicídio, uma tragédia: os bons morrem cedo. Há também a louvação do Mal Absoluto: ele é sedutor, ele sofre, o Diabo construído pelo personagem Diaz, o bicheiro diretor de escola de samba (interpretado com precisão por Márcio Machado, em mais um excelente desempenho). Há o jogo da corrupção, e Diaz oferece dinheiro a Miguel, o jornalista, pelas fitas gravadas com o depoimento de Henrique, o Maravilhoso (em excelente interpretação de Paulo Verlings), e o jornalista aceita a troca. Este episódio de corrupção "demoníaca" - que o autor parece não querer enfrentar - se passa quase em bastidores. É proposital, seu tom velado?
     Paulo Verlings, que sugeriu o tema da peça, soube aproveitar bem a concretização de seu personagem Henrique (Fausto), a entrega do ator é total, visceral. Aliás, o que encanta nestes novos atores e diretores é a força de suas realizações. A direção de Inez Viana é tranquila, ao ponto de passar facilidade em seu trabalho, desde as marcas em que os atores exploram o cenário multifacetado, até o desenvolvimento de suas ações. Talvez essa seja a maneira de Inez trabalhar, onde o difícil pode parecer fácil. 
     Entre os atores, Debora Lamm interpreta Estrela, a filha de um rico patrocinador da escola de samba. A atriz mostra, nesta interpretação, a sua personalidade, uma mistura de malícia e ingenuidade, algo muito especial, que conquista a plateia. O desafio de Debora, agora, é mostrar algo além dessa marca; Carolina Pismel, interpretando Wanda, a "Margarida" da história, tem seu "espaço para a tragédia", mostrando-se patética, angelical e, ao mesmo tempo, uma mulher aberta aos desafios. Seu rosto, muito expressivo, comanda um corpo disciplinado; Felipe Abib interpreta o jornalista Miguel, e o anunciante da tragédia, o narrador.                 
     Nos figurinos, Flávio Souza, como sempre inspirado, principalmente na composição fantasiosa do figurino de Lamm e, em certos momentos, no de Pismel. Souza não precisa se preocupar com os figurinos dos homens, sendo teatro contemporâneo,  embora Mefisto (Diaz) dê o tom irônico, ao ser caracterizado com as cores do personagem ingênuo. O branco de seu personagem é impecável. Já o Henrique, de Paulo Verlings, é caracterizado com o apelo sexual de transparências e rendas.  
      O Som Cênico é de Daniel Belquer; Fotos de Divulgação, Paula Kossatz e Sérgio Magalhães; Produção de Dani Carvalho; Idealização e Direção de Produção, Paulo Verlings.  É bom ver bom teatro.

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