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terça-feira, 20 de agosto de 2013

"VERMELHO AMARGO"

                                                                      
Cena de "Vermelho Amargo", direção Diogo Liberano. (Foto de Anna Clara Carvalho)



CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Um "Oratório" ou uma "Instalação"?

Bartolomeu Campos de Queirós era assim mesmo, um menino que gostava de contar histórias, alternar as falas e a estética das falas. Mas, a mais emocionante de todas elas, acaba de nos revelar em "Vermelho Amargo", uma visita à infância. Agora a sua história está no teatro Eva Herz, contada poeticamente nos fins de semana, lá naquela Cinelândia da Livraria Cultura, bem no coração da rua Senador Dantas. Bartolomeu adoraria a ideia.

     Primeiro vamos descobrir quem são estes atores Daniel Carvalho Faria e Davi de Carvalho, que convidaram Diogo Liberano (nosso conhecido dos belíssimos "Sinfonia Sonho" e "Maravilhoso"), para trabalhar um texto tão volátil, difícil de conduzir enquanto arte teatral. Sim, fala-se da morte, da recordação, das lembranças da infância que machucam e enternecem. Mas fala-se também da alegria de ser criança.

    Com Diogo Liberano na direção, e como ator - seu papel é ser uma espécie de "consciência guia" para os atores em cena. "Sigam-me!" - diz ele, insólito criador de surpresas. Mas insólito em que sentido?

     Explicamos: o espetáculo se divide em duas partes: a primeira pode ser considerada um "oratório da família", de uma vida narrada, de seus amores, desamores... Davi de Carvalho e Diogo Liberano nos contam essa história, como se um jogral fosse, cada um conta um pedaço, acompanhados pela música de Felipe Storino (trilha sonora) e o canto de Gabriela Geluda, em um compasso de música sacra. Do outro lado da cena, Daniel Carvalho Faria dá o contraponto sentimental, carregando em cores sombrias a infância revivida, repetindo o texto que lhe foi lançado. É nessa introspecção do ator, nessa sua verdade de criança, que Daniel consegue burilar o sentimento que Campos de Queirós quer transmitir.

    A segunda parte é mais lúdica: é o grande momento do insólito! A cenografia de Bia Junqueira se transforma, e o tapete vermelho do início é o que você quiser. A cenografia de Bia é uma verdadeira "instalação" de artes plásticas, dando ao espaço do teatro Eva Herz mobilidade e poesia. É neste espaço que o diretor brinca, atua e se diverte, divertindo também a plateia e os atores. O tapete vermelho do início, esse campo indefinido aonde se dá a narrativa heróica daquela infância quase epopeia (da fome, da sede, do desamparo) transforma-se em barco, vento, neve, abrigo, refúgio! Estamos na presença de uma instalação de artes plásticas, afinal!! Sim, naquela água/ neve eles mergulham, remam... viajam... e se transformam em pássaros, em anjos! A cena final é muito bonita, visualmente. E a iluminação de Daniela Sanchez brinca com os efeitos de cena. É quando a poesia se fortalece. Tudo com a colaboração de Vera Holtz (neste terreno também? Não sabia de sua veia poética. Há muito o que aprender entre os atores).

     Mas vamos ao espetáculo. Ele rememora quintais, comidas, brincadeiras de infância, um pai contrariado, uma mãe morta, uma madrasta econômica. Sonhos? Quase nenhum. Mas ninguém pode impedir a uma criança de ser feliz! (Talvez nem mesmo aos meninos dos romances de Charles Dickens se pode impedir a felicidade!) Queirós e seus irmãos - uma autobiografia poética - tinham a companhia de seus iguais: do pátio encantado, da roça, do interior mineiro... É aí que Campos de Queirós encanta (e desconfio que a mão de Holtz andou aí). A narrativa de Bartolomeu é fragmentada, impulsiva, desenfreada e bela. Quem a escuta, a segue.

     Os três atores, Daniel, Davi e Diogo (sim, Liberano também atua), narram com vivacidade e envolvimento a primeira parte. O que chamamos a "segunda parte", é quando o cenário de Bia Junqueira se desdobra, mostrando o seu poder de imaginação: tenda, barca, anjo, luar... passeios, brincadeiras, tudo se reflete naquele espaço/ pluma, espaço/ neve. É quando texto e ação se encontram, é quando o espetáculo atinge a sua plenitude. 

     Não se trata de um espetáculo fácil de assistir. Ele se dirige, muito especialmente, às almas que comungam - como o autor e seus criadores -  da beleza da língua, e da expressão poética. É uma festa. Bartolomeu Campos de Queirós, esse nosso companheiro nas contações de história, esse mineiro que amava o Rio de Janeiro deixa, neste espetáculo regido por Diogo Liberano, a sua melhor despedida. Sua alma simples e poética está toda ali, revelada. Ah! Esses poetas mineiros! Ah! essa Minas Gerais de tantos poetas! (deixemos seus horríveis políticos de lado!)

     Para quem não assistiu, ainda há tempo. Preparem-se para percorrer os labirintos da poesia na adaptação de Dominique Arantes e Diogo Liberano. Figurinos de Julia Marini. Direção de Movimento, Caroline Helena. Preparação Vocal, Verônica Machado. Realização: companhia aberta Travessia Produções.




2 comentários:

  1. Belo comentário. Conduzindo ao conteúdo do trabalho dramatúrgico.

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  2. Olá Ida! Estreio espetáculo e gostaria muito de convidá-la. Poderia me enviar seu endereço de email? lucianafontenelle@gmail.com. Fico no aguardo.

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