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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"A TECELÃ"

A TECELÃ, com Carolina Garica


CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional dos Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
“O PÓS-ILUSIONISMO”
     Julgar os espetáculos do ponto de vista feminino tornou-se um hábito, um estilo... e um  desafio! Dessa vez estamos, com a bela A TECELÃ, enfrentando o oposto do que costuma acontecer nos espetáculos ilusionistas: sim, dessa vez a mulher não vai ser cerrada ao meio! Trata-se de um pós-ilusionismo?
    Isso é o que veremos. O grupo gaúcho Caixa do Elefante “teatro de iluminação para todas as idades”, nos surpreende, agora, em sua apresentação na temporada de 2013, no Rio de Janeiro. Eles contam uma história, baseada no belo conto de Marina Colasanti*, e essa história fica lavrada em nossa alma. Marina! Uma luz irreal inunda a pequena caixa do Teatro III, do Centro Cultural do Banco do Brasil, e essa luz nos prepara para emoções sofisticadas. A platéia assiste a tudo como se ouvisse uma partitura musical. Silêncio profundo. Na primeira cena, a imagem fluída de duas mulheres aparece no meio do palco.  Instantaneamente desaparece. Ilusão?
     E a cena se inicia. A atriz bailarina, Carolina Garcia, se materializa, apresentando o seu trabalho de tecelã. Com golpes certeiros de ilusionista, e destreza de marionete, Carolina vai tecendo seus sonhos e destino. Dessa vez o príncipe, por ela mesma inventado, não domina a sua história. Teatro de beleza e sutilezas, embalado pela música de Nico Nicolaievski especialmente criada para a ocasião.
     A narrativa aponta para a solução ideal: independência. São tantos os símbolos, tantas as possibilidades. A cena marcante se dá quando a tecelã desfaz seu sonho, e sua imagem surge, diminuta e desiludida, para ser imediatamente reconstruída, através da solidariedade de sua igual. É um mundo novo que se abre. A força do espetáculo está nesta mistura de razão e emoção que transborda das mãos da tecelã.
     Paulo Balardim dirige o espetáculo e é o responsável pela  dramaturgia e a cenografia. História e ambientação simples; os sonhos ilusionista se desenvolvem em um palco negro, contrastando com o colorido dos figurinos. Margarida Rache e Rita Spier os criam, e Rita também está encarregada dos bonecos e da cenotécnica, com Alice Ribeiro. Há, também a pesquisa em tecelagem, com assistência de Patrícia Preiss.
     A luz é um fator importante, na cena ilusionista: faz voar objetos, desloca rapidamente as cenas! Ela é composta por Bathista Freire e Daniel Fetter, sendo complementada pelos vídeos da Beterraba Filmes. 
     Porém, sem a mão mágica de Eric Chartiot, assessor do espetáculo para questões “do ilusionismo”, as cenas, obviamente, não transmitiriam tal impacto. É quase certo que, na platéia, o público já tenha brincado com mágicas e ilusionismo; ou tenha querido brincar. Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, o grupo gaúcho deu um “laboratório de sensibilização para jovens e adultos, que queriam se expressar através do teatro de animação”, ministrado por Mario de Ballentti, um dos diretores artísticos da Companhia, e pela atriz Carolina Garcia. Perdemos. Deve ter sido um sucesso absoluto. Imaginamos.
     “A Tecelã” é um espetáculo imperdível. A atenção do público não se afasta, nem por um segundo, daqueles 50 minutos de encantamento. É tudo tão ... diferente!  Para os europeus é uma linguagem cotidiana. Talvez. O Caixa do Elefante apresenta-se, neste 2013,  nos festivais de Avignon e de Edimburg. Desejamos sucesso!  
·       - Conto de Marina Colasanti: “A moça tecelã”

sábado, 23 de fevereiro de 2013

"A ARTE DA COMÉDIA"

Elenco de "A ARTE DA COMÉDIA", autor, Eduardo de Filippo.
(foto Paula Kossatz)

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)  

     “A Arte da Comédia”, de Eduardo De Filippo, cartaz do Teatro Maison de France, Rio de Janeiro, apresenta todos os ingredientes de uma “comédia bem feita”. A “Trupe Fabulosa”, composta pelos atores Sérgio Módena, Erika Ribas e Gustavo Wabner resolveu, em boa hora, nos lembrar quais são os componentes desse tipo de comédia, e os colocou em cena. Filippo nos lembra que a comédia clássica se desenvolve passo a passo. O primeiro deles é o compartilhamento: os atores (alguns) sabem o que está acontecendo em cena e compartilham desse conhecimento com a plateia, nascendo assim o jogo. A maneira pela qual a história se desenvolve nos faz pensar que se trata de um Molière, com tempero italiano! Há outras citações, como a de Pirandello (negada pelo autor). 
    O segundo passo a localizar é onde se passa a ação. No caso, uma aldeia da região napolitana, onde o menor acontecimento tem reflexo magnífico no todo, exuberante, de seus habitantes. Em situações novas como a mudança do prefeito, o reflexo é obviamente ampliado. O terceiro passo se resume em sustentar o quid pro quo (o famoso qüiproquó), o engano de se tomar o sim pelo não. A plateia se delicia com a confusão, e os atores também! E as surpresas começam a pipocar, aqui e ali.
     Primeira surpresa: o elenco. Quem sabia que Alcemar Vieira era tão bom comediante? Comédia em pé, vejam só! Revejo meus conceitos.  Vieira é o médico da aldeia? ou um ator enlouquecido assumindo a  personalidade “vibrante” do médico? Eis que a confusão se estabelece na cabeça do prefeito De Caro (interpretado por Thelmo Fernandes). As visitas feitas a ele pelos moradores da região somam-se, e todos os visitantes apresentam reivindicações, enlouquecendo e deixando em dúvida o prefeito. O segundo personagem é o padre, interpretado por Celso Andre (outra surpresa). O pároco, ou cura, como quiserem, está à beira de um ataque de nervos por causa de uma paroquiana. Sua atuação também é tão “vibrante”, que leva o prefeito a ter certeza da “tramoia” do ator – ou seja, a companhia que Campese (o ator) dirige, foi bater à sua porta, tal como o prometido. No final da cena do padre há uma intervenção do bebê nos braços do sacristão (Saulo Segreto). Verdade, ou mentira?
     Há mais visitantes. A professora da aldeia, uma doida varrida paranoica  que enlouquece o prefeito.  Erika Riba, no papel da professora, atinge o limite do que se convencionou chamar de “o comportamento napolitano”. Há, na cena, o casal de testemunhas, interpretado por Ricardo Souzedo e Poena Vianna. E, coroando os acontecimentos, o surgimento do farmacêutico, o Senhor Pica (Sérgio Somene), um gigantesco urso que estrebucha no chão do gabinete do prefeito, morrendo envenenado. Nada é real, nada é fantasia. Enquanto esta rede de enganos vai sendo tecida, o secretário do prefeito (interpretado por André Dias), “pequena autoridade autoritária”,  estimula o prefeito a segui-lo, nesse jogo de situações mal resolvidas. Quem se sai bem em seus propósitos é o “sofista, enfadonho, fanático” ator, assim qualificado nas  palavras do prefeito!   
     Voltemos ao primeiro encontro do prefeito e do ator: De Caro e Campese desenham acontecimentos futuros, acompanhados pelo secretário do prefeito e pelo recém contratado “auxiliar de gabinete”  (Alexandre Pinheiro). Há também a presença da “mamma” italiana da província, a "mantenedora", interpretada pela atriz Teresa Tostes, a mulher dos quitutes, que se penaliza da fraqueza física do “ator”, prometendo-lhe farta refeição: e ele, sua mulher, sua filha e seu neto...
     A adesão (extremamente simpática, e suspeita, por sinal) do prefeito De Caro declarando a sua paixão pelo teatro é imediatamente posta a nu, através da aversão que demonstra pela vida miserável do artista. A peça é marcada por esse encontro, no qual a sutileza do ator/empresário Campese (Blat) é marcante. O prefeito (excelente Thelmo Fernandes) declara a sua paixão pelo teatro, ao mesmo tempo em que exterioriza o seu desprezo pela “vida do ator”. A imagem do prefeito reflete o pensamento alimentado pela burguesia, pelo “desprezível” cotidiano do ator.  
     Os diálogos (brilhantes) vão desvendando o eterno saltimbanco. Malgré lui, a serviço dos poderosos. (Campese até que é um exemplar independente). Ricardo Blat, imperdível, em sua maneira sutil - e cerebral! - de criar rotas de fuga. O confronto entre Ricardo Blat e Thelmo Fernandes é delicioso e nos faz sorrir, pela inteligência da cena. Ponto também para o diretor, Sérgio Módena. O final da entrevista dos dois, no início da peça (1º Ato), é tomado pelo “Eureka!” – da luz de Tomás Ribas - enfatizando as artimanhas do ator. O “imbroglio” vai começar!                         
     Como bom leitor de almas, Campese, o ator, encontra a maneira de alterar a visão do prefeito, fazendo-o viver a suspeita do poder da máscara. Ao sair de cena, em leve ameaça, o ator promete trazer seu elenco disfarçado em cada um dos visitantes que o prefeito receber em seu novo gabinete. A dúvida está lançada. Depois dessa ameaça o inferno tem início, para De Caro, o prefeito. Assim começa o embate entre realidade e fantasia.
     “A Arte da Comédia”, de Eduardo De Filippo, é inspirado na experiência de vida do autor. Ricardo Blat vive, em cena, os embates do verdadeiro amante do teatro que é Filippo. A percepção desse ator brasileiro sobre seu personagem é rebuscada e inteligente. Um primor de acabamento cênico. E o teatro brasileiro está de parabéns por ter apresentado o autor napolitano com tanta propriedade. Já o conhecíamos de anteriores montagens, no século XX, com a histórica apresentação de “Filumena Marturano”, interpretada por Yara Amaral, e “Sábado, Domingo e Segunda”, do mesmo autor. 
     Ficha técnica elogiável: Tradução: Márcio Aurélio; Direção: Sérgio Módena; Cenário: Aurora de Campos; Figurino: Antonio Menezes; Luz: Tomás Ribas; Trilha sonora original: Fernando Lauria; Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco.
É bom ver bom teatro!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

"TAMBÉM QUERIA TE DIZER..."'

Emílio Orciollo Netto em "Também Queria te Dizer" - cartas masculinas.
(Foto Divulgação)

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro (AICT)
(Especial)

 COLOCANDO OS PONTOS NOS IS

Reitero, para as pessoas que lêem esta minha coluna sobre crítica de teatro, que o meu interesse é observar e analisar, com cuidado e carinho, aquilo que vi. Não estou visando interesses particulares, nem meus, nem dos artistas a quem assisto, mas ao bem geral do espetáculo. Tenho observado que as minhas ponderações (quase sempre) agem sobre os artistas de maneira positiva. Posso ver essa resposta nos e.mails que recebo. Costumo assistir, fortuitamente, aos espetáculos por mim criticados e percebo, com alegria, que os desacertos foram sanados... Só então tenho a sensação de dever cumprido. Aceito que sou uma crítica “sui generis”, pois chego a perder o sono quando devo apontar algum defeito, nas peças a que assisto. Assim é a vida. “And so it goes”, como diz Kurt Vonnegut Jr.         

CRÍTICA (de) “TAMBÉM QUERIA DE DIZER...” – cartas masculinas.

Emílio Orciollo Netto está em cartaz no pequeno espaço acolhedor do Midrash Centro Cultural. Trata-se de um espetáculo muito simples, uma boa maneira de o ator mostrar a sua versatilidade. Emílio encena o texto de Martha Medeiros muito bem conduzido, em seu primeiro monólogo, pelo argentino Victor Garcia Peralta, o construtor de sucessos que dispensa apresentações. O texto trata de homens e seus sentimentos.
     É interessante observar o jogo que se estabelece entre os atores da “máquina” e os atores do palco: os atores da “máquina global” respiram, quando entram em contato direto com a respiração do público. É essencial para eles, essa troca, trata-se de um jogo estimulante e estimulador. Emílio, neste monólogo, tem essa grande oportunidade.      Senão vejamos: sozinho em palco, cercado pelo apoio musical de Plínio Profeta em sua trilha sonora – Primal Screan, The Doors, Marvin Goye, e outros gênios do pop/rock (Gabriel Lagoas no som), o ator vai lendo as cartas e dando a devida emoção a cada uma das revelações embutidas nelas. É quando o ator se apropria do sentimento do missivista como se dele o fora.

     Assim, na ambientação de um atelier de artista plástico onde domina, muito significativamente, o esboço de “O Grito”, de Edvard Munch, Emílio vai revelando “gritos” de homens sem voz: presidiários;  homens em luto; padres e policiais; loucos.... São narrativas de culpas, de amores, de arrependimentos.  A emoção vai tomando conta do ator e sendo transmitida à platéia. Apenas uma ressalva: na primeira carta o missivista faz uma alusão à política, o que remete o público ao governo atual, ao nosso governo popular. O público compartilha, com certa ironia, das observações do missivista. É clichê e injustiça. O problema, como dizia Joseph Goebells (para ele não era uma problema) é que “uma mentira, muitas vezes repetida, acaba virando verdade...” para o bem dos mentirosos. Atores devem ter muito cuidado com a política, fazer críticas consistentes, pois a sua responsabilidade é enorme, com essa lente de aumento que eles possuem, que é o palco.   
     Quanto ao mais, é um espetáculo generoso, sensível, que nos transmite o prazer de estar em um atelier, participando do processo de criação de um artista plástico, em sua escolha de missivas para a sua instalação. Muito bem estruturado, o espetáculo. Vale a pena conferir.
Ficha técnica: Texto: Martha Medeiros; direção: Victor Garcia Peralta; Diretor de Produção, Maria Siman; Trilha sonora: Plínio Profeta; Cenário: Miguel Pinto Guimarães; Figurino: Emílio Orciollo Netto e Victor Garcia Peralta; Iluminação: Luciano Xavier; Operador de som e luz: Gabriel Lagoas; Arte gráfica: Maria João; Assessoria de imprensa: Lu Nabuco            

              

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"CABARÉ DULCINA" e "ZÉ KÉTI, EU SOU O SAMBA"

Elenco de "Cabaré Dulcina"
(foto Leonardo Benevento)

CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

No último dia 2 de fevereiro, dia de Iemanjá (um fim de semana antes do carnaval), aconteceu algo muito especial, em termos de teatro. Na região da Cinelândia, Rio de Janeiro, justamente naquele ponto histórico do Centro da cidade onde se encontram o Theatro Municipal, a Biblioteca Nacional, e tantos outros belos prédios, aconteceu, em local onde dois pequenos teatros confraternizam geograficamente, nas ruas Álvaro Alvim e a Alcindo Guanabara, a comemoração de um período histórico. Foi naquele momento que o Teatro Dulcina e o Teatro Rival entraram em sincronia. Apenas uma coincidência?
     O fato é que os dois teatros abrigaram, naquele dia, espetáculos que se complementam, narrando a história de cidade, de seus sambistas, e do samba. Quem testemunhou este dia foi agraciado, em termos de espetáculos e tradições, com o mais vivo de nossa História musical. Deste “Cabaré Dulcina”, uma homenagem aos tempos da Praça XI, tivemos a recordação de encontros, quando o samba  representava os primeiros tempos dessa praça. Foi nela que chegou gente que veio da Bahia, os derrotados em Canudos; gente que veio dos porões dos navios; das  guerras perdidas; da escravidão; dos enganos. E se estabeleceram, para contar seu tormento, e também  a sua glória:
“Diretamente da Zona do Mangue/Da Praça Onze onde o samba nasceu/Vai começar novamente/Um show de tirar o chapéu//”. São estes os versos iniciais de “Profissão de Fé”, samba do diretor musical Gabriel Moura, abrindo o espetáculo.  
Os atores Cyda Moreno, Milton Filho, Andrea Bordadagua, Wanderley Gomes, Charles Fernandes, André Locatelli,  Francnisco Slgado, as Patricias, Costa e Ferrer, Thiago Pach, Val Perrê, e o coro, composto por Andrea  Rangel, Berenica Moreno, Luiz Claudio Canaan, Mariana Paes, Milissa Euqueres, Mônica Lucia Flores e Wanderson Luna, se reuniram para contar essa história de raiz, de alegria e sofrimento. Dos quitutes de “Tia Ciata” às picaretas do “Bota Abaixo” de Pereira Passos, à Revolta da Chibata. As colocações políticas remetem – embora fragilmente, pois a comparação não se estabelece – às reivindicações atuais.  
     Há, por trás dos atores, uma equipe técnica de respeito. Antonio Pedro, o ator/diretor que tanta contribuição deu ao nosso teatro, nos surpreende agora com essa irreverente declaração de amor ao Rio. Ele colabora no texto, e em algumas músicas, criadas junto com Gabriel Moura, além de fazer a supervisão do espetáculo, dirigido por Vilma Melo e Édio Nunes. Muitos dos atores deste “Cabaré Dulcina” vieram da recente montagem de Tânia Brandão “A Revista do Ano”, ou, na sua maioria, são atores vindos da oficina de  Antonio Pedro, na Fundação Caluste Gulbenkian.
     “Cabaré Dulcina” conta ainda com a coreografia de Édio Nunes. Em sua ficha técnica há nomes expressivos, como o de Cláudio Tovar, supervisionando figurinos e cenário. Extravagantes, ricos e funcionais são os figurinos, percebidos pelo público desde o momento da recepção, ainda no saguão do Teatro Dulcina, ocasião em que também outra “surpresa” aguarda o público, na voz de Gabriel Moura: a interpretação de “Quem há de dizer”, de Lupicínio Rodrigues.  A música dá um gostinho do que virá depois. Lupicínio conhecia muito bem essas histórias.
     A seguir, o público é convidado para entrar no local habitado pelos moradores da Praça XI: palco e plateia. Somos recebidos por mais um cantor/ator: Thiago Pach, que nos brinda, desde as escadarias do “Cabaré”, com “Cry me a River" (não sei  o que acontece com esse ator. Talentoso e com boa presença  cênica, Pach desaparece da ação depois de dar uma pequena amostra do que é capaz. O mesmo aconteceu com ele em “A Revista do Ano”...) No Teatro Dulcina, palco de tantas estréias famosas, fomos brindados com um espetáculo alegre,  irreverente, descontraído, nos narrando os primeiros tempos do “Bota Abaixo” do Prefeito Pereira Passos, durante a presidência de Rodrigues Alves.    
     Na iluminação, Renato Machado. Um único reparo: no dia em que fui assistir a luz não permanecia no ator até o final de sua fala, fazendo com que sua participação fosse diluída. Aconteceu com Cyda Moreno, a cafetina Dolores, outra bela e talentosa atriz, mal aproveitada. Sua beleza e talento mereciam mais do que um lugar restrito - na maioria das vezes -,  a um  simples canto de palco. A cafetina poderia dominar a situação.  Por que não?
     Entretanto, há belos momentos de comunhão entre cenário e iluminação, como quando o espetáculo canta a "Revolta da Chibata", com as cordas/símbolos, da Marinha, sendo carregadas pelos atores, desenhando imagens no palco. Este é um exemplo de acerto.  Músicos em cena dão colorido ao espetáculo: Piano - Nelson Freitas; Violão - Ralphen  Rocca; Baixo – Rodrigo Ferreira; Bateria – Michel Nascimento; Saxofone – Humberto Araújo.   
 
     Lembramos, agora, de um outro espetáculo, o do Teatro Rival Petrobrás, “Zé Kéti, eu sou o Samba”, de Maria Helena Kühner , dirigido por Sérgio Fonta. O musical esteve em cartaz somente no dia 2 de fevereiro, o já citado dia de Iemanjá. Disse a que veio. Trata-se de uma narrativa entremeada de boas músicas e com boas interpretações. Não conhecíamos o ator/cantor Paulinho de Andrade, uma boa surpresa, interpretando Zé Kéti. É uma agradável experiência entrar em contato com essa história que andava esquecida desde os tempos do Teatro Opinião, no qual Zé Kéti era um dos atores/cantores, muito bem dirigido por Augusto Boal, e atuando na companhia de Nara Leão (depois Maria Bethânia) e João do Vale. O espetáculo atual, narrando a vida de Zé Kéti, é um sucesso itinerante; ele já foi encenado  no Teatro Magalhães Junior, da Academia Brasileira de Letras; na Sala Baden Powell e em festivais do SESC. Merecia, pela sua simpatia, competência e resgate histórico (a vida de Zé Kéti e o tempo conturbado em que viveu), fazer temporada em um de nossos teatros, pois agora são bem vindos os musicais brasileiros que relembram nossa história dos “anos de chumbo”. Zé Kéti viveu todas as situações e, não sendo um homem da política, foi envolvido em questões bizarras. Que tempos aqueles! A autora, Kühner, em boa hora, ocupa-se, em detalhes, das situações daquele momento. Várias são as qualidades de “Zé Kéti, eu sou o samba”, entre elas o de ser um espetáculo singelo, quase um recital, porém que remete à reflexão.
     Sanny Alves, a cantora/atriz, nos apresenta, com inegável desenvoltura, os hits das grandes divas brasileiras da época, e contracena com “Zé Kéti”, improvisando desde a esposa enfurecida que foi “até o Morro do Pinto pra me procurar”, como diz o compositor em um de seus sambas cujas letras narram a sua vida. Várias são as criações de Sanny, inclusive as companheiras de palco,  samba e amores de Zé Kéti.  O desempenho de Aldo Perrota, interpretando amigos e compositores,  marca a  narrativa.                                                                                                                                    
     Ilustrando essa viagem ao passado, muito bem conduzida pelo diretor Sérgio Fonta, os músicos são os responsáveis pelos bons momentos de música, e pelo acompanhamento entusiasmado dos atores. A direção musical é de Luizinho Croset, que também atua no cavaquinho, e Eric Dalles, no violão; Carol D’Ávila nos sopros; Di Lutgardes na percussão, Juninho (percussão e voz), entusiasmam a plateia. Produção executiva e musical: Beth Bessa.  Em homenagem aos dias de  carnaval que se seguiram à apresentação no Rival Petrobrás, o público teve direito a festejar, lançando serpentinas no palco e propiciando, assim, bons momentos entre platéia e atores. Iemanjá aprovaria.                                          
                  

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

"O MÉDICO E O MONSTRO"

Érica Migon, Marcelo Olinto e Bruce Gomlevisky em "O Médico e o Monstro"
(Foto Divulgação)

CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

Que inferno!  Pelo que entendi, Mr. Ludlam deixou The Play House of the Ridiculous e fundou The Ridiculous Theatrical Company  justamente para se ver livre das Drag Queens e do deboche dos atores de rua novaiorquinos. Nada contra, mas acreditei em certa “dignidade inglesa” para o  trabalho da nova Companhia e fui conferir, em 1990, assistindo “Camille” (Obie Award), uma delirante “correção” de Alexandre Dumas Filho, dirigida por Everett Quinton, o robusto amante de Mr. Ludlam, e também intérprete do papel  título.  Era algo a se fazer notar, aquela espécie de teatro. Absolutamente inusitado. Achei que tinha entendido o recado.
     Pois bem, no Brasil, depois do sucesso de “O Mistério de Irma Vap”, também do Ridiculous, dirigido por Marília Pera, a fórmula retornou com uma versão de “O Médico e o Monstro” (em São Paulo, e não com o mesmo sucesso de Irma). Pois esse mesmo “O Médico e o Monstro”, surge agora, adaptado e dirigido por Cesar Augusto (Fabiano de Freitas colabora na adaptação), com assistência de direção de Priscilla Vidca.
     Podemos dizer que a iniciativa é louvável, e também a expectativa que  se criou em torno dessa estreia carioca. Com elenco invejável: Bruno Gomlevisky como o médico/monstro; Marcelo Olinto interpretando a governanta da casa, e Michel Blois a desejada prostituta que, na versão cinematográfica, era interpretada por Ingrid Bergman. A crueldade da produção (e direção) fica por conta da escolha do elenco feminino, ainda mais levando-se em conta que raramente o Ridiculous trabalha com atrizes (ou ao menos trabalhava). Em “Camille” eram 10 contra 2; em “Irma” não havia atrizes.  
     Deborah Lamm, Isabel Cavalcanti e Érica Migon  (também tradutora do texto de Georg Osterman, junto com Ursula Migon), esforçam-se para estar à altura daqueles “monstros”, conseguindo Isabel Cavalcanti, como a esposa apaixonada e “maladroite” de Dr. Jekyll, chegar um pouco mais perto do que se convencionou chamar de “o ridículo da Companhia”, com seus agudos superafinados e menosprezados pela governanta (Marcel Olinto dá show).
     Sabe-se que o diabo, por ser diabo, jamais elogia ou prestigia uma mulher de talento... E aquela desperdiçadora de amor e talento, aquela “cega”, que é a esposa do Dr. Jekyll (ótima criação de personagem, da parte de Osterman, mas não tanto de Isabel), jamais saberá o que está acontecendo ao seu redor.  A Ms Jekyll, de Isabel Cavalcanti, ainda pode saber. As outras duas atrizes também são desperdiçadoras. Débora Lamm  desperdiça o seu carisma e não aproveita a missão que tem, de fazer a parte inversa do convencional papel feminino: ela não consegue imprimir força ao seu personagem. Muito boa essa idéia do texto, de afirmar livremente as diferenças e preferências sexuais. Talvez, com o decorrer das apresentações, Lamm ainda consiga se encontrar. Érica Migon, essa Simone Signoret desperdiçada, ainda não sabe a que veio.      
     Agora passemos aos dois papéis principais. Comecemos por Bruce Gomlensky. Esse excelente ator (nunca o vi fora do tom), não quis desperdiçar a oportunidade de brincar com as suas possibilidades. Seu “monstro” é terrível, nojento, mau – às vezes até excessivamente. Talvez Mr. Hyde domine Dr. Jekyll muito rapidamente. Talvez seja essa a visão de Osterman. Na estranha história de Stevenson o bom médico luta desesperadamente para respeitar a apetitosa prostituta (na peça, interpretada por Michel Blois, e seu nome é sintomático: Lily Gay). Mr. Hyde, o outro eu de Jekyll, como sabemos, abre as porteiras e a tudo desrespeita. Um ator não poderia querer melhor desafio.
     Não sei se o espetáculo se dilui em cenas excessivas, o fato é que os dois personagens atribuídos a Gomlevsky não chegam a dominar o público. Michel Blois, por sua vez, está “patético”, ou seja, está ótimo. Penso que "patético" seja um bom adjetivo para definir a personagem de Lily Gay.
Cenografia e Objetos de Bia Junqueira. A lIuminação de Luiz Paulo Nenem é uma parceira constante para os “climas” exigidos. Figurinos (excelentes) de Antonio Guedes; Direção Musical de Marcelo Alonso Neves. Música original de Marcelo e Cesar Augusto. Intérprete da Canção Lily Gay: Marya Bravo. Coreografia e Direção de Movimento: Raquel Karro. Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti.        

domingo, 3 de fevereiro de 2013

"CUCARACHA"

Júlia Marini e Carolina Pismel em "CUCARACHA"
(foto Divulgação)





   CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

À propósito de “Cucaracha”

     Que inferno! Há um dramaturgo entre nós: Jô Bilac. Para tomar parte no cerimonial tortuoso de uma mente que se despede, em “Cucaracha”, o autor mergulha no imaginário. Não é fácil levantar um texto a partir de uma situação tão frágil quanto o encontro de uma paciente, e de uma enfermeira, em um quarto de hospital. Harold Pinter já nos ensinou que um quarto pode conter o mundo. Entretanto, é preciso ter muita certeza de onde se quer chegar, para povoar este quarto.  Jô Bilac, através de um texto repleto de filigranas, parece ter alcançado esse estágio elevado de pesquisa de linguagem que leva à renovação. Dessa vez Bilac desenvolve uma situação delicada entre duas mulheres, iniciada com desenhos do cotidiano de um hospital. A paciente em coma, e sua enfermeira. Na verdade, uma situação de impacto. Os primeiros movimentos das atrizes Carolina Pismel e Júlia Marini levam o público a uma sensação de estranhamento. Desconcertado,  ele tenta reagir através do riso, mas acaba mergulhando na viagem sem volta do autor. 

     Tivemos o primeiro contato com Jô Bilac através da peça “Cachorro!”, também dirigida por Vinicius Arneiro, há cinco anos. Daquela vez não foi difícil identificar a “influência” - algo que sempre procuramos, quando encontramos um trabalho inovador. Localizamos a adaptação de um conto de Nelson Rodrigues. Agora Jô Bilac domina o seu fazer teatral e nos apresenta, em "Cucaracha", uma linguagem que se constrói através de ampliações, alucinações e sonhos. Material delicado para levantar um texto. Reconhecemos que Bilac encontrou seu próprio caminho, mas fica a pergunta: como é que ele percorre, assim, a estrada da amplificação dos sonhos, já percorrida por Baudelaire?  A resposta é óbvia: pura intuição. Estamos na presença de um dramaturgo/poeta.

     Percebemos, agora, uma voz própria desenhando a ação. Quando a paciente Vilma, interpretada por Júlia Marrini, ecoa, na solidão do quarto de hospital, os últimos pensamentos de seu cérebro que começa a se desconectar, percebemos os dois planos – o do real, e o da consciência. O texto apregoa “um fiapo inconfiável” da paciente, “a realidade”.    

     Porém, quando a enfermeira Mirrage, interpretada por Carolina Pismel, envolve-se cada vez mais com aquele quarto e com aquela paciente, percebemos a sua crescente angústia, que irá explodir no sonho, na fantasia. O autor se apropria da alma de seus personagens.  

    Nesta peça, o trabalho das atrizes é sustentado por delicado desenho. Trata-se de um mecanismo precioso que se destaca com a precisão de um relojeiro. As duas atrizes sustentam, à perfeição, os minutos que nos oferecem.

     O texto fala em um cérebro que “ainda” funciona, apesar  de “certo esquecimento... certa confusão”... (uma homenagem a Alaíde, de "Vestido de Noiva"?). As interpretações de Júlia Marini e de Carolina Pismel muito colaboram para essa sensação de caos, de poesia. Trata-se de um mundo paralelo. Há, na última visita da enfermeira à sua paciente, cenas oníricas que levam as duas personagens a sonhar com o infinito. Seus cérebros imaginam, poeticamente, a Terra à distância e a explosão final, onde a vida acaba. O Destino se cumpre. Uma explosão à qual nem as “cucarachas” (as “baratas”), escapam. O final dos tempos.

     O autor cria um reino, em seu imaginário.  Seu  trabalho está muito bem complementado pela ficha técnica. O cenário e a iluminação se debruçam  sobre o verdadeiro universo que pode ser uma porta e uma janela. Dentro do quarto, a cama de hospital.    

lIuminação: Paulo César Medeiros; Cenografia: Aurora de Campos;  Figurinos: Thanara Schönardie; Música e Som Cênico: Daniel Belquer; “Voz do Alto Falante” que comunica “o quarto” com a vida do hospital: Paulo Verlings.