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sexta-feira, 11 de abril de 2014

"NOSSA CIDADE"

Na foto, a família Webb: Mateus Carrieri (Sr. Webb), Sra. Webb (Luiza Lemmertz), Wally Webb (Fagundes Emanuel) e Emily Webb (Sheila Faermann), em "Nossa Cidade", de Thorton Wilder, releitura do diretor  Antunes Filho. 


IDA VICENZIA
(Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Seguindo a agenda de teatro em São Paulo, no último fim de semana de março, eis a 
crítica da "reconstrução" de Antunes Filho, o CPT e o Grupo Macunaíma para a peça de Thorton Wilder, "Nossa Cidade". Uma coisa inesperada aconteceu neste fim de semana; os dois espetáculos assistidos eram releituras: a primeira, de autoria do romeno Matéi Visniec, falava sobre o fanatismo político na época de Stalin, na União Soviética, dirigida por Antonio Abujamra; a segunda, dessa vez sobre os Estados Unidos, e a hybris que ataca os poderosos, espalhando sangue e destruição pelo planeta. Uma releitura de Antunes Filho.

Os Estados Unidos da América - um "Estado Militarista", segundo o escritor Norman Mailer - e sua conquista do mundo através das armas. Antunes Filho, em sua releitura de Wilder, "Nossa Cidade", foi muito claro a respeito da trajetória americana nos últimos dois séculos: XX e XXI. Utilizando a figura do "Diretor de Cena" (um excelente Leonardo Ventura), um mutilado de guerra, Antunes vai "relendo" as crueldades praticadas pelos Estados Unidos no Vietnã, Afganistão, Iraque, Líbia, e tantos outros países destroçados pela cobiça americana  - e seus sócios - na guerra dos negócios escusos.

O relato de Wilder (1897-1975), limita-se à Primeira Guerra Mundial e a queda da Bolsa de Valores dos EUA, em 1929. A conseqüência dos males do capitalismo e de suas guerras inúteis foram relatadas por Antunes a uma plateia atenta, ouvindo o horror que este povo comete em outros países. Ambos, autor e "releitor" não deixam de lado o dia a dia feliz dos habitantes de Grover's Corners, um microcosmo do país. Nos espetáculos de Antunes existe a perfeição do jogo cênico, a entonação da voz dos atores, ritmo e leitura corporal, tudo é perfeito na criação dos personagens.

Há o desesperado narrador, o "Diretor de Cena", alertando aos espectadores para a cruel realidade de um povo. Este espetáculo deve ser assistido pelos jovens de todo o Brasil. O alerta de Antunes é de tal maneira procedente, que dá vontade de aplaudir em cena aberta a fala do "Diretor de Cena" se dirigindo ao público.

Quanto aos personagens de Grover's Corner, eles são moldados para terem o comportamento que deles se espera: boas mães, bons filhos, bons maridos, portanto, uma sociedade utópica! Os únicos acontecimentos que podem abalar a felicidade daquelas pessoas são os que estão acima de seu controle, como a morte.

Além das mães, pais e filhos, há os habitantes da "Nossa Cidade", que dão o tempero para alguns atos fora da rotina como o maestro improvisado Simon Stimson (Felipe Hofstatter,, se desdobrando também no papel da professora), que rege, mal-humorado, o coro desafinado de seus pupilos, os habitantes da cidade. Há também o Professor Schünemann (Antonio de Campos), relatando a história da conquista do território: "desde que nós, brancos, chegamos aqui, mais de nove milhões de índios foram sacrificados neste país."

Assim são os habitantes da pequena cidade. Entre mães, pais e filhos, temos as boas interpretações da doce Emily Webb (Sheila Faermann), filha cuja inteligência e ternura mobilizam a cidade. Sua mãe, a Sra. Webb (Luiza Lemmertz, uma atriz que consegue a façanha de se modificar, radicalmente, a cada personagem que interpreta), faz a mulher preocupada com a boa alimentação dos filhos, preferindo-a à inteligência dos mesmos. O Sr. Webb (Mateus Carrieri), tem a resposta pronta a todas as afirmações da esposa, e constata que a cidade, a respeito de cultura, é muito limitada: "Robinson Crusoé, a Bíblia, o Largo de Handel [o único compositor que os anglo-americanos aceitam...], e o quadro "A Mãe" de Whistler  ...  Isto é o máximo que atingimos por aqui."

A mãe do menino que forma o casal romântico: Emily e George (Lucas Rodrigues), é a sra. Julia Gibbs (Naiene Sanchez), que sonha viajar pelo mundo. É bom dar um destaque para Ediana Souza como o Índio e Rebecca Gibbs, a filha. (Desconfiamos que ela interpreta também a "Estátua da Liberdade"). Essa Rebecca "adora dinheiro" e é uma moderna cidadã norte-americana.

Em "Nossa Cidade" há os típicos cidadãos preocupados com o "clima tempo" e com o afeto, como a Sra. Louela Soames (Amanda Mantovani) uma doce criatura. Os típicos anunciadores do tempo são o Sr. Marshall (Carlos Sério), Joe Stoddard (Nelson Alexander) e Howie Newsome (Diego Melo). Wally Webb (Fagundes Emanuel), o irmão admirador de Emily, e Joe Crowell Jr. (Luis Gustavo Lopes), o estudante, são jovens de "Nossa Cidade". São muitos os personagens - dezesseis - e alguns atores têm atuação dupla.

Na ficha técnica: o Diretor de Palco - (Felipe Hofstatter, também assistente de direção); Figurinos e Adereços - deliciosos, em acordo com a época - de Camila Nuñez; Trilha Sonora, Raul Teixeira e Equipe CPT; Operação de Som, Lenon de Almeida; Iluminação, Edson FM e Elton Ramos. Preparação de Corpo e Voz - Antunes Filho; Professora de Canto, Solange Assumpção.

É bom ver bom teatro!

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