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sábado, 7 de junho de 2014

INCÊNDIOS

Elenco de "INCÊNDIOS":
Julio Machado, Marcio Vito, Kelzy Ecard, Felipe de Carolis, Marieta Severo, Fabianna de Mello e Souza, Keli Freitas, Isaac Bernat em INCÊNDIOS", de Wajdi Mouavad.



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"A gente constrói a historia em cima de outras histórias". Saímos de "Incêndios" com essa frase na cabeça. A peça constrói vários caminhos. Desenvolveremos o caminho do amor. No caso de "Incêndios", peça do libanês Wajdi Mouawad, dirigida por Aderbal Freire Filho (tradução de Ângela Leite Lopes), vemos representada a força do amor - e as consequências da sua falta.
Sempre que surge alguém querendo preservar os valores humanos é logo transformado em lenda, como se a bondade e a boa vontade não fizessem parte do mundo "real". Esse é o caso de Nawal (magnífica interpretação de Marieta Severo), transformada na mítica "Mulher que Canta". A humanidade, para sobreviver, necessita de Mitos. No caso de Nawal, a sua voz contra o desamor é transformada em silêncio, e sua passagem pelo mundo em mistério mítico.
Como o autor não está interessado em fazer nenhum estudo sobre a ambição humana, ele poetiza os acontecimentos (a poesia nem sempre fala de coisas belas), dando ao público o resultado terrível da ambição funesta. Talvez o mais aterrorizante seja aquele filho do deserto (Julio Machado, também magnífico) ... aliás, achamos que este adjetivo vai aparecer inúmeras vezes neste espaço... Nihad, o segundo elemento dessa tragédia do amor, mostra como a sua perturbada sensibilidade de artista assimila a cultura do opressor e a sedução do mal. Estamos nos referindo à arte agressiva dos "Senhores do Norte", e seus reflexos. Por exemplo: os acordes da guitarra assassina de Nihad.
É tudo tão espantoso, tão forte, neste espetáculo, que temos a bendita sensação de estar na presença do teatro puro, daquela perfeição que transfigura o ator. O desempenho dos atores é de uma entrega absoluta: a mãe rancorosa que não tem consciência do seu ódio; a generosa avó, que ensina o caminho a Nawal, depois que o "incêndio" estoura em seu peito (a proibição de amar seu filho); ou a parteira, cuja intervenção na historia impulsiona a tragédia. Todas elas representadas por Fabianna de Mello e Souza, uma surpresa de atriz e seu poder de transformação.Felipe de Carolis e Keli Freitas, os gêmeos Simon e Jeanne, tão jovens, possuem uma experiência de cena acèss rare. 
Kelzy Ecard e Isaac Brenat. Kelzy representa Sawda, em sua vontade de crescer, de conhecer um mundo melhor. Isaac, e seus diversos personagens fazem uma mutação de cena impressionante. Marcio Vito, ator carismático, é também uma surpresa como Hemili Lebel, inventariante e amigo de Nawal. É atribuído a seu personagem a ligação entre as três histórias, paralelas que compõem a cena.
Aderbal Freire Filho, com o material talentoso que teve em mãos, construiu o que talvez seja o melhor espetáculo de sua carreira. Nada como a maturidade unida a um texto excitante, duro e concreto como a própria vida. Tempos e momentos se entrecruzam, e o autor nos conduz, com segurança, em seu relato construído sob as regras do teatro contemporâneo. Trata-se de uma narrativa levada ao público em duas horas. E poderia durar mais. Não sentimos o tempo passar, tal o envolvimento com a trama proposta por Maouwad. A cada momento uma revelação, no mais tradicional estilo trágico. E, no entanto, o desenvolvimento do texto, e da cena, mostram a mais contemporânea das linguagens.  
Traduzida para o nosso momento, essa tragédia nos parece violenta, mas o mundo em que vivemos é violento. Trata-se de uma narrativa atual, onde reina no mundo o demoníaco império das armas. Eis o comercio que ensanguenta o mundo e dissemina o ódio. Ter uma arma nas mãos, como se sabe, é ter um poder irrefreável.
A ficha técnica nos traz Marcia Rubin controlando os movimentos: garantia de cena bem produzida. A luz aberta e reveladora em seus tons dramáticos é de Luiz Paulo Nenen. Cenário e objetos de cena de Fernando Mello da Costa, que sempre nos traz belos trabalhos criativos.
No continente, e no país em que vivem os personagens, a linguagem simbólica é importante, daí os símbolos refletidos nos objetos de Fernando. Os figurinos de Antonio Medeiros falam através dos personagens. Trilha sonora de Tato Taborda. Visagismo, Lu de Morais. As perucas de Emi Sato são responsáveis pela desconcertante e rápida mudança de personagens, principalmente no caso de Isaac Bernat. Assistência de direção Fernando Philbert. Trata-se de um trabalho enxuto, no qual a direção dos atores e a técnica cênica estão em profunda comunicação. Direção de Produção: Maria Siman. Produção Executiva: Luciano Marcelo. Aconselha-se calorosamente.


Um comentário:

  1. Oi Ida, quando vi essa peça, no ano passado, você estava no Sul. Quando saí do teatro, às lágrimas, encontrei o Aderbal e dei um abraço nele (apesar de ele não me conhecer). Fiquei fascinada com a montagem, as interpretações, a direção, tudo. É magnífica! Beijos. Saudades.

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