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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

TIMON DE ATENAS

Timon (Vera Holtz), enfurecido com a insistência dos credores. (Foto Dalton Valerio)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Barbara Heliodora nos surpreende com a tradução de um tema de dupla interpretação que é Timon de Atenas, de Shakespeare. Aliás, o poeta seiscentista muitas vezes nos brinda com temas irônicos, e de dupla interpretação, como o escolhido nesta montagem. A concepção do diretor Bruce Gomlevsky (na foto do programa com expressão de artista realizado), acentua esta dupla interpretação irônica. Timon é um perdulário? Um "pródigo"? - como dizem seus freqüentadores bajuladores? - ou um irônico que quer nos mostrar (na visão de Shakespeare) como a humanidade é inviável. Ou ainda, Timon é um corruptor? Sim, porque aquela gente que o freqüenta quer ser corrompida...  o dinheiro e suas liberalidades corrompem. Sabe-se lá o que Shakespeare pensava sobre ironia e dupla interpretação, porém ele era um mestre nestes assuntos, vide O Mercador de Veneza, ou mesmo A Tempestade, ou Sonho de Uma Noite de Verão... Pensando bem, todas as peças de Shakespeare, principalmente as históricas, são alfinetadas irônicas neste mundo vão.
Sigamos Timon de Atenas. Um cavaleiro rico, que nunca soube o que é trabalhar e muito menos de onde vem o dinheiro - e que se vê, subitamente, sem eira nem beira - reclama, mais ou menos assim: "Eu, que sempre tive tudo, que nunca pedi nada a ninguém, agora que preciso, se me negam a  ajudar?" Que homem louco é este? Simplesmente um ingênuo? Timon pode morrer de ódio, ser sufocado em algo que ninguém o levou a fazer, a não ser a sua própria insensatez.

Passemos aos grandes momentos desta montagem rica e fluente. Nem é preciso falar nos cenários de Helio Eichbauer e suas passagens de tempo; ou nos excelentes figurinos de Rita Murtinho. Que ficha técnica maravilhosa! Marina Salomon na Direção de Movimentos (Vera Holtz, Timon, com alguns discretos movimentos, passa toda a interpretação de um homem). Tradução e Revisão de Barbara Heliodora; adaptação da tradução de Susan Mace e Izabel dos Reis Veloso; Direção musical e Música original de Marcelo Alonso Neves.

Devo confessar que desconhecia o trabalho de Elisa Tandela, assistente de direção e encarregada da Iluminação do espetáculo. Preparação Vocal de Letícia Carvalho. Esta concepção moderna de Timon de Atenas foi idealizada por Nicholas Hytner e Bem Power para o National Theatre de Londres. Devo dizer que o fascínio de Timon habita a cabeça de tradutores e diretores. Na Cartucherie de Vincennes houve uma montagem para a qual fui convidada, mas não pude comparecer, não tinha companhia. Quase morri de desgosto... Não sei o que está acontecendo comigo ultimamente, acho que é algo parecido com o que aconteceu a Timon.
Às vezes nos reconhecemos, nas peças de Shakespeare. Não sempre. Não importa a interpretação que os franceses - a quem também me dirijo - derem ao meu desabafo, mas posso imaginar um Shakespeare na terra de Molière. Enfim, pelas fotos do espetáculo (que não assisti), compreendi que a montagem francesa deveria ser bem moderna.
Quanto à montagem brasileira, o mais interessante é o surgimento do "homem racional", Apemantus, o  filósofo, (Tonico Pereira), dizendo claramente aos convivas eternos de Timon que despreza todos aqueles banquetes, que é um homem que "só come raízes", e mastiga, calmamente, a sua cenoura. Tonico Pereira também compõe com Timon (Vera Holtz), o episódio popularmente shakespeareano, quando junta-se às mágoas do homem injuriado, e mantém com ele a deliciosa fala do homem simples (e sábio), típico das peças de Shakespeare. Uma delícia.

Enquanto isso, o rico Timon (uma excelente Vera Holtz) queixa-se, desde sua penúria abjeta, que não nascera para ser tratado assim. Todo o elenco; a rica montagem; as músicas; tudo colabora para o acerto do espetáculo, principalmente o final, em que Timon esbraveja, de seu túmulo, maldições eternas contra os hipócritas!

No elenco, destacam-se a serva fiel, interpretada por Alice Borges; a senadora Sempronia (Lorena da Silva) e Lucullus, o senador (Paulo Giardini), ou Jaime Leibovitch, como o senador Isidoro. Entre elenco e coro são 27 atores e músicos. Impossível citá-los isoladamente. Ou talvez destacar os três cobradores ladrões? Braulio Giordano (Caphis), Luiz Felipe Lucas (Hortencius) e Betto Marque (Titus). Por que cobradores ladrões? Por que aceitariam fazer qualquer negociata por debaixo dos panos.
Não deixa de ser bisonho ver todas aquelas pessoas, com trajes atualíssimos, sofisticadíssimos, clamando pelos deuses do Olimpo e citando momentos e locais da Grécia antiga, que foram conservados por Shakespeare em sua montagem temporal. No espetáculo em cartaz no teatro Maison de France chegamos o mais próximo da Grécia olímpica quando é projetada a bela imagem do Partenon, uma homenagem à Atenas, a deusa da sabedoria.       

Sabemos que o espetáculo não se quer inatual, e o que Timon proporciona, o espetáculo da loucura é real, é verdadeiro. Faz-nos lembrar a ação do herdeiro dos Martinelli, que dilapidou a fortuna de seu pai, e acabou tirando sua mãe idosa do palacete do Morro da Viúva, para viver em um quarto e sala em Copacabana...  
Vale a pena assistir a este espetáculo que se quer grandioso.   

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