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domingo, 14 de dezembro de 2014

OS INTOLERANTES

Ivone Hoffmann, Carla Faour e Celso Taddei, em Os Intolerantes, direção Henrique Tavares. (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Os Intolerantes, dramaturgia de Carla Faour e Henrique Tavares, em cartaz no CCBB/Rio, desperta uma série de questões sobre o gênero humano. Há quem diga que este gênero é um projeto inviável. Há humanidade nas pessoas? Os autores basearam-se, para escrever o texto, em um fato real que os deixou extremamente chocados: a visão de um ser humano amarrado a um poste, pela suspeita de ter realizado um furto. A foto, que saiu nos jornais, era realmente chocante: um jovem negro, preso a uma corrente, parecia ressuscitar os tenebrosos tempos da escravidão. Colocando em nossos tempos, a agressão talvez nem seja mais uma questão de raça, mas de degradação social. Ou os dois.
Sim, estamos perdendo a humanidade. Para provar isso, Tavares e Faour colocaram em cena diversos tipos de gênero humano, cada um interpretando o ocorrido conforme a sua visão de mundo. Apenas uma jovem estudante, Guida (Day Mesquita), consegue externar revolta pelo que está testemunhando. Ela, que poderia ser um "novo patamar para a civilização ocidental", ao se indignar é desrespeitada.
O que o teatro tenta fazer, e algumas vezes com sucesso, é mostrar essa indignação. No caso, a jovem estudante não tem, sozinha, o poder de modificar a rota errada em que nos colocamos, mas representa um novo caminho. Ao se indignar, começa a mudar o que parece imutável. Faour e Tavares lançam um olhar atento sobre os humanos. Este Os Intolerantes atinge tal patamar de indignação que faz os autores colocarem uma espécie de ponto de interrogação, no final. É impressionante o final "oswaldiano" (de Oswald de Andrade), ou talvez felliniano (de Federico Fellini...), de todo mundo ir para a praia, ou para o deserto... dançar!
Muito bom.
Quanto às interpretações, destacamos o poder de intérprete de Ivone Hoffmann no papel de Edith, uma representante do "lado errado da indignação". Edith, uma senhora desamparada, que foi assaltada, revela-se uma verdadeira fraude quando sua indignação é posta em questão. Nada é óbvio ou gratuito, neste texto, embora a colocação dos personagens, na primeira cena, levante a suspeita de tal conclusão. Há situações esperadas, como a do casal Suzana e Amadeo, interpretados por Carla Faour e Celso Taddei, mas os atores conseguem colocar em suas cenas um humor inesperado. Preconceituosos, os dois, a dondoca classe média de subúrbio (Carla Faour) e seu marido nordestino (Celso Taddei), fazem um casal quase folclórico. Imagina-se que tal colocação se manifesta pela necessidade dos autores de colocar alguma coisa tipicamente brasileira em cena.
Nada preconceituoso, no caso, pois o espetáculo se propõe a batalhar contra o preconceito. Vendo-se sob este aspecto, trata-se de um espetáculo difícil, pois os intolerantes que desenvolvem a ação representam o próprio preconceito! Há que iluminar essa contradição. A proposta é gigantesca, e  merece a nossa atenção. É muito fácil rotular um espetáculo. No caso de Os Intolerantes não há rótulos, mas procuras. 

O foco é Caco, o jovem semi enforcado, brilhantemente interpretado por Eder Martins de Souza. Há, no final, a redenção da raça negra, exaltada em sua formosura e orgulho por Eder Martins de Souza. Aí sim, o espetáculo transforma-se em pura alegoria. Em geral, os atores seguram bem os seus papeis. Há uma certa frouxidão em Sérgio Abreu (Pan), nada de muito grave, mas que deixa em aberto a dubiedade de seu personagem. E não se trata de sutileza. E Leandro Santanna é um herói brasileiro, é Batman...  

A dupla de realizadores deste espetáculo é das mais interessantes da nova geração. É bom acompanhar o seu caminho. Henrique Tavares, na direção, procura enfatizar o absurdo da situação. Texto e direção parecem desenvolver uma tensão constante entre eles. Uma procura. Ficamos em dúvida, assim como seus criadores  - o ato da criação trás as suas surpresas - de que o texto os pega, continuamente, em sua profundidade. Vale à pena dar uma olhada, no teatro, nesta representação do gênero humano em vias de falência.      
Na ficha técnica (excelente) temos José Dias na cenografia; Patricia Muniz nos figurinos (muito boas as mudanças de personalidade, no final, e seus  figurinos extravagantes); Iluminação de Aurélio de Simoni; Diretor Assistente Anderson Cunha; Direção de movimento Hayla Barcellos; Visagismo: Evânio Alves; Operador de luz: Marcelo de Simoni; Operador de som: Claudio Lisboa; Assessoria de Imprensa: Ney Motta.        

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