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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

CONSTELLATION

Juliana Jullie Vasconcelos (Regina Lucia) e Márcio Louzada (Tenente Zé Luis), em Constellation. Foto Milton Menezes.


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

    Raramente assisto musicais pelo simples fato de que eles, em sua maioria, são óbvios. Mas este Constellation tem respiração nova; é a historia de nosso querido Rio de Janeiro enquanto Capital Federal, e  abrange o espírito carioca, sem folclore. Um período em que havia delicadeza entre as pessoas, galanteria, educação entre os homens. Havia charme. O idealizador do espetáculo, e criador do texto, Marcos Magnavitta, sabe muito bem do que está falando. Eram tempos de namoros contidos, de mulheres inteligentemente irônicas, de papéis sociais definidos... Lovie Elizabeth, por exemplo, interpreta uma funcionária do Ministério da Educação, Gilda Maria - mãe da protagonista Regina Lúcia - e se refere ao seu trabalho federal com sendo uma grande "ação entre amigos". Aliás, esta atriz talentosa, para mim desconhecida, revela-se uma grande interprete e encerra a cena cantando Unforgettable, trazendo o espírito da época, qual uma Ethel Merman brasileira. A compostura cênica e a voz de Lovie são invejáveis.
     Há também o papel da nossa Marinha, a mais sofisticada das Três Forças Armadas, representada com discrição pelo Tenente Zé Luis (Marcio Louzada), o personagem que não perde a compostura mesmo diante dos maiores desafios. Ele é do tempo do namoro vigiado, e dos gestos que se tornaram simbólicos. Uma delícia. O ator transmite estes limites com muita clareza. Correspondendo ao namoro, com entusiasmo de mocinha ingênua, a ótima Regina Lúcia, interpretada por Juliana (Jullie) Vasconcelos. Revelação de um programa de calouros de nossos dias (como acontecia antigamente na Radio Nacional), a atriz cantora é jogada diretamente para o centro das atenções, tornando-se a protagonista do espetáculo. A bela voz, o canto livre e controlado de veterana nos faz supor que há algum play back na cena, porém é puro controle vocal mesmo, pura técnica.  Constellation é uma caixa de surpresas. 
     Citamos três papeis de destaque. Há mais dois. O do surpreendente Franco Kuster, cuja voz e interpretação se encaixam no trabalho bem orientado pela direção de Jarbas Homem de Mello, e consegue mutações, como na cena em que interpreta Jorginho Guinle e se apresenta com a música The Great Pretender, dando o tom de playboy, e de cafajeste elegância, à ovelha negra da família. Como seria recebido hoje este herdeiro de um porto, que outrora proporcionava uma fortuna inconcebível à família, tudo cedido por Vargas, e só comparável ao porto de Daniel Dantas "o outro", e seu fundo imperdível. Não nos indignamos, mas nos divertimos com Jorginho. Afinal, como todos os herdeiros perdulários, ele acabou da mesma maneira, em um pequeno apartamento, vendendo os seus pertences, até morrer (que maldade, mas é verdade). Franco Kuster é uma surpresa, é um artista total.
     E agora a "tia" Maria da Penha, que de tia não tem nada (pelo que hoje se conhece por tia), mas é uma muito bela Andrea Veiga, no papel de uma vedete de Carlos Machado. Canta bem, é bonita, faz tudo acertado, mas falta-lhe o que Lovie possui às toneladas, o amor recíproco do palco. Às vezes Veiga passa uma certa malícia natural, mas, em geral, seu tom artificial não colabora com o seu desempenho. É excessivo. Pensando bem, talvez este seja o comportamento de uma vedete. Não sei.
     Os locutores e boys band que compõe a cena estão muito bem afinados, Cleiton Moraes, Daniel Cabral, Draysoin Medeiros e Ugo Capelli. A seleção de acontecimentos que Magnavita selecionou dão a medida daqueles tempos "honestos", onde até a torcida do America tinha vez! Trata-se de uma cena de alta potência erótica, o desvendar dos belos jogadores. As músicas fazem o espetáculo caminhar. Em se tratando de recado dramatúrgico, Stand By Me pega o público, quando o elegantíssimo Tenente apenas sustenta, sem ciúmes, mas com eloqüência, o seu amor pela requisitada jovem que vai para Nova Yorque e talvez o esqueça.
     A história narra os acontecimentos em torno de um concorrido sorteio feito pela Radio Nacional, para escolher o vencedor que irá viajar nas asas da Varig, no primeiro vôo do Super Constellation G para Nova Yorque, e todos os encantos que esta viagem pode proporcionar. O frisson em torno do acontecimento se acelera, interrompido apenas por 15 minutos de respiração para o elenco. A destacar as projeções de Thiago Stauffer, Felipe Menezes e Aldo Aroldo, que dão vida e fazem o espectador viajar. Aliás, todo o espetáculo é cuidado nos mínimos detalhes, fazendo surgir um tempo brasileiro diante de nossos olhos. Os figurinos, impecáveis, de Patrícia Muniz, correspondem à delicadeza da época.  A direção musical e os arranjos são feitos por Beatriz De Luca, uma respeitável maestrina que nos encanta com o seu trabalho. A coreografia é de Vanessa Guillen. As músicas são executadas ao vivo por André Barros, Wagner Bispo e Mazinho. Pianista Eduardo Henrique, que também é o Band Leader. Pianista Ensaiador: Thaylson Rodrigues. Cenário Natalia Lama e Iluminação Paulo Cesar Medeiros. Visagismo: Dicko Lorenzo. Fotos: Milton Menezes; Projeções e Audiovisual Studio Prime. Sound Designer Fernando Fortes; Produção Geral Frederico Reder. 3D, Raphael Coppola; Assessoria de Imprensa Minas de Ideias, Fabio Amaral. Equipe de Comunicação, Luana Ribeiro, Rodrigo Trabbold e outros.            
    Acompanhamos a lenta saída do público, com a plateia lotada, e ficamos observando o palco, e o que restou de seu mundo encantado: uma cortina vermelha e alguns refletores piscando a sua luz bruxuleante.
       Este Costellation é um espetáculo belo e emocionante. Não percam!     

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