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domingo, 19 de abril de 2015

A VISITA DA VELHA SENHORA





Maria Adélia e "A Velha Senhora" em seu "boudoir".  Texto, Friedrich Dürrenmatt. Direção, Sílvia Monte. 
(Fotos Marcelo Carnaval)
Maria Adélia (Claire) e Marcos Árcher (Sr. Schill) em seu 'encontro no parque'.  "A Visita da Velha Senhora".



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Ao assistir "A Visita da Velha Senhora", de Friedrich Dürrenmatt,  fazemos a ligação entre Moral e Poder - e vemos que o problema é uma constante no ser humano. O dramaturgo suíço fez esta ligação através da ironia cômica ou da comédia cruel, a mesma linguagem estabelecida por Nikolai Gogol em seu "O Inspetor Geral". Como sabemos, este problema é magnificamente abordado nas duas peças. Dürrenmatt está em cartaz no Centro Cultural do Poder Judiciário, (CCPJ-Rio), no prédio histórico da Rua Dom Manuel. Mas, antes de fazermos qualquer observação a respeito de "A Visita da Velha Senhora" é necessário recordar o caminho do "Teatro na Justiça".
     Este projeto foi pensado e desenvolvido por Sílvia Monte e José Henrique em 1999. Assumido por Sílvia em 2010, no novo local do prédio histórico da rua Dom Manuel, o projeto, na maioria das vezes, aborda problemas da Justiça. Ao todo foram montadas 14 peças, nestes 15 anos agora comemorados, entre elas "Testemunha de Acusação", de Agatha Christie, "O Processo", de Kafka, lembrando aspectos jurídicos de maneira "original". Houve também a encenação de "Doze Jurados e uma Sentença", de Reginald Rose, ou "Um Inimigo do Povo", de Ibsen - e algumas montagens com referência ao teatro clássico e seus aspectos jurídicos, como o inesperado "Medeia no Banco dos Réus", com direção de José Henrique, texto baseado em Eurípides; "Antígona", de Sófocles, e ainda o difícil "Oréstia", de Ésquilo. O interessante nisto tudo é que a crítica à Justiça é feita em seu próprio espaço...
     Mas o "Teatro na Justiça" não se propõe a montar somente textos ligados ao processo judicial, também foram montados textos cantados e contados, como "O Bilontra", de Artur Azevedo, entre outros, sempre com uma visão crítica da sociedade. As montagens deste projeto são muito bem cuidadas, e neste atual espaço privilegiado da Rua Dom Manuel, o "espaço cênico" se faz notar como um coadjuvante dos espetáculos. Tal fato aconteceu primeiramente com "Os Físicos", de Dürrenmatt, em 2010, estreia de Silvia Monte como diretora. O espetáculo foi montado na sala das audiências, no prédio histórico, por elenco de magistrados: o resultado foi inesperado.
     Mas o primeiro espetáculo a que assistimos, deste Projeto, foi também uma peça de Dürrenmatt, "A Pane", montada em 2004, em um espaço cênico convencional. O trabalho, primoroso, porém o teatro em que foi encenado não possuía "alma". Felizmente a crueza da sala comercial não prejudicou o espetáculo sutil, delicado ... e terrível! Neste "A Visita da Velha Senhora", o espaço cênico é um dos fatores responsáveis pelo sucesso do espetáculo: trata-se da "Sala Multiuso" do CCPJ, um local privilegiado, desfrutando as possibilidades de um teatro de arena.
         A direção de Sílvia Monte privilegia a ação, deslocando os personagens em constante emoção, sem necessidade de tempos mortos - há somente um pequeno intervalo para o público retomar o fôlego, tal como pede o texto de Durrenmatt (tradução de Mario da Silva). Há, nesta montagem, soluções de grande originalidade, com movimentos de cena inspirados: a concepção de Silvia Monte nos traz florestas construídas escondendo seres humanos (alusão à Macbeth)? desta vez porém o elenco reproduz o canto dos pássaros, marcando "romanticamente" o local onde se renova o encontro dos (outrora) enamorados. Há momentos de reflexão e desespero, como o do personagem Sr. Schill, sobre o qual caem todas as culpas, e cujo procedimento equivocado, no passado, desequilibra o pequeno lugarejo de Güllen, no presente. Personagem difícil, esse do Sr. Schill: carregando a responsabilidade das emoções interiorizadas - muito bem resolvido pelo ator Marcos Ácher, cuja interpretação atinge um desempenho profundo. Em contraponto ao aniquilamento do Sr. Schill, a cidade decadente se revigora, movida pela constatação do dinheiro fácil. O ponto de tensão, que leva os habitantes do lugar a "desbloquearem" suas frustrações e desejos, é a Sra. Claire Zahanassian, a "Velha Senhora" que chega ao local para se vingar, carregada de dinheiro para corromper.
     Neste embate, temos a oportunidade de assistir a vigorosa interpretação de Maria Adélia, atriz que revela, através da ex-prostituta Claire, a máscara obstinada e fria do poder do dinheiro. Este Poder tem o gosto sutil da maldade, que se destaca no elenco afinado. Maria Adélia está magnífica em sua "Velha Senhora". O mesmo podemos dizer de Marcos Ácher como o Sr. Schill. Paulo Japiassú (excelente), transmite a ironia do Pároco, que, "com seu olhar bondoso" recebe os paroquianos com as mãos abertas, as mesmas mãos que estende para receber o dinheiro de Claire. Para isto é necessário um assassinato, e ele se realiza com um detalhe cruel, à moda do assassinato de Júlio Cesar (uma citação da diretora?). Dürrenmatt não perdoa Igreja, padres, prefeituras, prefeitos...
     No espetáculo, Yashar Zambuzzi dá alma ao personagem do Prefeito, sendo responsável por bons momentos da peça. Eduardo Rieche, no papel do professor indignado, que depois adere à farra do dinheiro fácil, é um ator de inúmeros recursos, as modificações de seu personagem são marcantes. Até a família do Sr. Schill entra na dança do dinheiro. Anita Terrana, uma surpresa como a Sra. Schill, e a atriz Laura Nielsen, interpretando a filha interesseira. Antonio Alves é o filho do Sr. Schill. Todos  traidores, todos Brutus...
     André Frazzi, Pedro Messina e Pedro Lamin têm presenças marcantes. Pedro Messina, como o gângster violonista, se destaca também na música. Renato Peres completa o elenco, em vários papéis. A transformação visual (o figurino), dos habitantes do vilarejo que troca a honra pelo Poder do dinheiro, é outro fator do sucesso da peça. Os figurinos magníficos, de Pedro Sayad (principalmente os de Claire, majestosos, excêntricos), são, nas outras personagens, o primeiro sintoma da adaptação ao "dinheiro fácil": detalhes como "sapatos novos, chapéus, roupas elegantes..." e a mudança de hábitos... os novos desejos. A cenografia de José Dias abre espaço para surpresas, como o inesperado "boudoir" de "Madame Claire", ou os objetos de cena preciosos, como a "cadeirinha de arruar" levando Madame pelas ruas; ou as coroas de flores, gigantescas, transitando, "como uma morte anunciada".
     A trilha sonora de Marcos Caminha funciona com precisão, e a caracterização de Alexandre Rodrigues define os personagens, principalmente a máscara teatral de Claire, ponto alto do espetáculo. Há também o suporte dos membros metálicos de Claire. A maneira como Maria Adélia soluciona os desajustes físicos do personagem são interferências brilhantes, de uma maldade exemplar. A iluminação, que dá vida ao espetáculo, é de Elisa Tandeta. Projeções de JP Andrade. Na Assessoria de Imprensa, Mônica Riani. "Grave é a Vida, Alegre é a Arte" - Dürrenmatt.
É MUITO BOM VER BOM TEATRO!



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