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segunda-feira, 13 de abril de 2015

INFÂNCIA, TIROS E PLUMAS

Elenco de "Infância, Tiros e Plumas", de Jô Bilac, direção Inez Viana   - (Foto Elisa Mendes)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Rio de Janeiro - Brasil: Começa o espetáculo e nos vemos abduzidos em direção a um mundo desenfreado e surreal. Estamos em pleno "Infância, Tiros e Plumas", no SESC Ginástico e, a principio, pensamos que se trata de mais uma historia de horror acontecendo a bordo de um avião (teatral). Mas depois nos lembramos que o texto é de Jô Bilac, portanto, algo mais palatável deve vir por aí, apesar dos clichês que inauguram o texto. Antes de os atores embarcarem no avião, há todo um contexto que nos leva a aeroportos internacionais, começando pela voz de Iris Lettieri - ou alguém com voz semelhante à dela - nos fazendo entender que estamos embarcando para "Mí-a-Mí". A sinalização, orientando a partida do avião, nos dá a certeza de que vamos enfrentar uma viajem, talvez sem volta, como é moda ultimamente em se tratando de viagens de avião. Atenção! O sentimento claustrofóbico é total, e o ruído dos motores, infernal. E, para infernizar ainda mais nossos sentidos, a bordo do avião começa uma sucessão de lugares comuns que nos levam - ou levariam - ao desfecho de mais uma comédia despretensiosa.
     Mas, de repente, vamos percebendo a força da metáfora elaborada pelo dramaturgo em questão, e a misteriosa novidade que ele nos traz, transformando em dramaturgia uma síntese bem sucedida de teatro moderno e pós-moderno. Muita gente fez teatro antes dele, até que chegamos a esta síntese bilacquiana ... E aos poucos vamos percebendo que, ao contrário do que pressentíamos, não se trata de mais uma comédia "devotada e fiel" à civilização norte-americana, mas uma aguda e irônica reflexão sobre essa sociedade mórbida, e também sobre a nossa civilização, e sobre a atual - e bagunçada - civilização ocidental. E, assim, os personagens perdem todos os parâmetros e se comportam como seres despojados de espiritualidade ... e isso o autor joga em cena de maneira contundente, mostrando que a motivação dos seres humanos atuais é, justamente, "a falta de motivação"! e tudo fica escondido por detrás de um frenesi histérico. O acolhimento dado ao público, pelos lanterninhas indicando o caminho, só vem aguçar o sentimento da perda de uma sociedade elegante, chic e contida.
     A historia que vamos assistir é o oposto do acolhimento recebido pelo público. Vamos compartilhar alguns (maus) momentos com uma humanidade onde impera a desrazão. Não fosse o ótimo desempenho dos atores da Companhia OmondÉ (olhem só o nome...), poderíamos ficar arrependidos de estar participando desta  viagem. Mas há um momento em que tudo se encaixa, e o procedimento alucinado dos personagens é somente uma lente de aumento projetada pelo autor. E percebemos que aquele avião desgovernado é uma metáfora do mundo em que vivemos. Não entramos em detalhes de qual seja este momento, quem quiser certificar-se que olhe ao seu redor, ou vá ao Teatro Ginástico conferir.
     Desde o bebê menino (tem 4 anos?) espanhol que vai a Mí-a-Mí (é assim que os espanhóis pronunciam o nome deste local, e em Mí-a-Mí há muitos espanhóis). O bebê infernal é interpretado por Jefferson Schroeder (Juanito), em uma composição perfeita. Cansaremos os olhos de quem nos lê com este adjetivo: infernal - pois tudo o que se passa a bordo é infernal - começando pela louca mulher casada, Marím, que quer se ver livre do marido (e vice-versa) - interpretada com a força da comédia que habita Debora Lamm, excelente atriz. Temos a "pestinha" viciada em vídeo game (Suzaninha), interpretada por Carolina Pismel, irreconhecível em uma menina de oito anos. Pismel se destaca até no fundo dos infernos! Outra atriz, nesta passagem "ionescana" que é a peça, onde a tripulação parece estar hipnotizada, é Juliane Bodini, a aeromoça Sângela. O Comandante ("Argos"), o que leva a embarcação, interpretado por Iano Salomão (dizem que ele também interpreta o Segurança de Suzaninha?) é um lunático inapropriado para tal função (até parece vida real); e o "moço de bordo", Pitil (Zé Wendell), ou seu nome será Junior Dantas, o "Cheval? - é um espécime dificilmente encontrável em um avião. Em todo caso, refiro-me ao ator de calças vermelhas: sua desinibida performance serve para ampliar, preconceituosamente, a possível homossexualidade dos "moços de bordo"? (*) (ah,ah!)
     Vamos lá: quando foi mesmo que o espetáculo ultrapassou o terreno do clichê? Terá sido depois da aparição da arma de fogo e a possibilidade da tragédia? O autor, antes de matar todo mundo, sabe colocar, passo a passo, a tragédia que se anuncia. Nestes assuntos Jô Bilac é perfeito: paira em seu texto o domínio da "stravaganza!". Mas o importante não são os acontecimentos - previsíveis - que se aproximam, mas a maneira pela qual a desrazão toma conta de todos dentro do avião: passageiros e tripulação. Negamo-nos a enfatizar o propósito do autor - o avião representando o mundo? - porque a comparação é óbvia. Detenhamo-nos em detalhes: a história da maçã envenenada, desencadeada pelo personagem Henrique (interpretado por um ótimo Leonardo Brício), que  pode ser colocada - a maçã - mais do que o aparecimento da arma de fogo - como o nascimento da tragédia.  A bordo temos todas as representações do mundo cão, desde o contrabandista de armas - e traficante de drogas? - Cheval, o segurança da Suzaninha? (Junior Dantas), até a armadora de escândalos, Marím (personagem de Debora Lamm), e Junior (Luis Antonio Fortes), o inocente desencadeador da tragédia.  
     Na ficha técnica temos a direção segura e um tanto ensandecida (como pede o texto), de Inez Viana; cenário (glorioso) de Mina Quental; Iluminação da dupla Renato Machado e Ana Luzia de Simoni. Figurinos; Direção Musical; Direção de Movimento,  respectivamente, Flavio Souza, Marcelo Alonso Neves e Dani Amorim, sustentando este tresloucado vôo. Fotos: Elisa Mendes e Cabéra; Produção: Rafael Faustini e Jéssica Santiago; Assessoria de Imprensa: Ney Motta.  
QUEM ESTIVER PENSANDO EM ESCREVER UMA DRAMATURGIA (PARA JOVENS) SOBRE O QUE ESTÁ ACONTECENDO HOJE COM O NOSSO MUNDO E O NOSSO PAÍS, DESISTA: ESTÁ TUDO LÁ. NÓS JÁ SABEMOS QUE O MUNDO ENLOUQUECEU, MAS NUNCA É DEMAIS DAR UMA OLHADA (TEATRAL) NESTA LOUCURA.  

(*) (Não foi possível evitar a troca de personagens, o homem de calças vermelhas, o "moço que atende a bordo" para mim é Pitil, o nome tem tudo a ver; e o Comandante deveria se chamar "Argos", por motivos helênicos... Quando fizerem programas com a foto dos atores ao lado do nome de seus personagens vai ficar mais fácil identificá-los).           
         



           
         


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