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sexta-feira, 15 de maio de 2015

MADAME BOVARY

"Madame Bovary" - direção de Bruno Lara Resende e Rafaela Amado. (Foto de Milton Montenegreo).


IDA VICENZIA
(de Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     O teatro, essa caixa mágica, nos apresenta "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, uma mulher romântica em meio ao mais sepulcral realismo.  Entretanto, ela grita suas emoções cercada por espaços e luzes que a tudo resolvem. Pedaços de madeira que formam mesas, cercas e portões por onde passam pessoas e sentimentos (cenografia Marcelo Lipiani), acolhendo a magia. Não necessitamos de bosques e de castelos, pois está tudo ali, na imaginação de quem assiste a peça, e no gesto, fluido, de quem interpreta esta historia. Impressiona a simplicidade da narrativa, desde a entrada dos atores apresentando seus personagens, o texto literario sendo narrado, e os pequenos gestos (e olhares) que definem grandes mudanças. A maneira pela qual o texto é falado lembra o estilo Aderbal Freire Filho de contar um romance. Ou, no caso, uma  adaptação de romance, feita por Bruno Lara Resende.
     Cinco atores trazem o clima e a realidade que Gustave Flaubert quer retratar. Estes cinco atores se metamorfoseiam  nos personagens necessários para contar esta história. Eles foram acolhidos, nesta produção, com a destreza de um René Dumesnil, o especialista em Flaubert que selecionou, assim mesmo, os personagens do romancista, para dar destaque aos médicos na vida de Emma Bovary, o comerciante usurário, o castelão devasso, o contador apaixonado, e outros mais, vividos, nesta peça, por apenas três atores...!, os outros dois, insubistituíves, interpretam Charles e Emma, os protagonistas desta tragédia burguesa.
     O clássico de Flaubert fez a todos perceberem que, no século XIX,  a vida das mulheres burguesas não era o sonho proposto pela nova sociedade tão certa de seus valores. Para resumir, podemos dizer que essa história já foi contada de diversas maneiras, mas como desta vez,  idealizada, traduzida e adaptada por Bruno Lara Resende, nunca. E é surpreendente que assim seja. A larga boca de cena do Teatro dos 4, um espaço com pouca profundidade e que faz às vezes de grande plataforma, transforma-se em casa, em castelo, em cidade e campo.  
     Os diretores Bruno Lara Resende e Rafaela Amado optaram por um  recurso que destaca a ironia, a amargura, a ambição e, claro, a candura, destes seres que vivem sob a pressão das regras de uma sociedade provinciana. (A propósito, Flaubert nasceu na província e a transmite como ninguém). Acentuando a proposta dos dois diretores, temos a movimentação dos atores, de Márcia Rubin, explicitando o que não foi dito. O trabalho dessa equipe está tão bem afinado que a luz gritante do "pano de fundo", a música que acentua a ação e os ruídos que cercam a fala - tornando impossível perceber o que é falado - trazem a repetição monótona de suas vidas. 
      Estes pequenos detalhes compõe o inesperado do espetáculo, fazendo desta adaptação de Madame Bovay um caso único em seus mínimos recursos. São cinco atores em cena: Raquel Iantas, Joelson Medeiros, Alcemar Vieira, Vilma Melo e Lourival Prudêncio. Os atores, e suas transformações. Principalmente as de Vilma Melo em vários papéis: o do usurário Lheureux; ou "a celebridade" que é o Dr. Canivet; a ingênua menina de 14 anos que "auxilia na casa", ou ainda a filha de Emma, Berta, são surpreendentes, como é surpreendente esta atriz. Alcemir Vieira não lhe fica atrás, encarregado de personificar os dois amantes de Emma: o devasso Rodolfo Boulanger e o apaixonado Léon Dupuis, e os padres, a quem Bovary consulta. Lourival Prudêncio tem uma personalidade forte de ator e se destaca em atuação marcante, como o pai de Emma, e também o ambicioso Homais, ou ainda o horripilante mendigo.
     Como sabemos, Emma é uma mulher romântica. Esta mulher, que trouxe notoriedade a Flaubert, é o sonho de toda atriz, ela é a trágica moderna: "a mulher romântica em meio ao mais sepulcral realismo". Raquel Iantas tem o papel de sua vida, uma atriz sensível que acerta, ao dar vida a Emma Bovary. A atriz  compõe, com intensidade, a tradução, para teatro, do que Isabelle Huppert foi, para o cinema: duas Bovarys diabólicas. Joelson Medeiros interpreta o simples Bovary, "um tolo", como diria o castelão de La Huchette... (Alcemar Vieira). O "simples" Charles Bovary representa o terror que todos os homens têm, de se assemelharem a ele. Entretanto, Bovary é um homem bom... e fica em aberto a questão da bondade. Joelson compõe, com entrega, a essência da mediocridade: a falta de ambição.
     Na ficha técnica, nominalmente temos, além dos já citados autor Gustave Flaubert, e o Idealizador, tradutor e adaptador Bruno Lara Resende; direção de Lara Resende e Rafaela Amado. Na Colaboração Artística Marcio Abreu e André Lepecki. Música de Antonio Saraiva; Cenário de Marcelo Lipiani; os figurinos de Patríca Lambert são os do teatro moderno, descontraidos e funcionais; Iluminação (impactante) de Renato Machado. E aqui se faz necessária uma observação para o Projeto Gráfico de Lygia Santiago e Mauricio Grecco, em perfeição e sofisticação  pouco encontradas, com destaque para as fotos de Arte de Mauricio Grecco. Direção de Produção: Isabel Themudo e Cristiana Lara Resende.
NÃO PERCAM ESTA VERSÃO DE MADAME BOVARY!     
                        

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