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domingo, 10 de maio de 2015

O OLHO AZUL DA FALECIDA

Mário Borges, MacLeary; Tuca Andrada, Truscott e Johnny Ferro, Meadows, em "O Olho Azul da Falecida", de Joe Orton, direção Sidnei Cruz. (Foto Guga Melgar)



IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

O Brasil está passando por um momento político tão interessante que é impossível não se colocar um "olho" político em uma crítica teatral. A peça do eterno jovem Joe Orton, atualmente em cartaz no Teatro Maison de France, reforça esta posição: tem-se a impressão de que o diretor Sidnei Cruz, em sua direção de "O Olho Azul da Falecida", deixa livres seus atores, para "botar lenha na fogueira", dando espaço para, além das façanhas irônico/hilariantes do texto de Orton, também trazerem à cena movimentos extravagantes que funcionam como cacos políticos ao texto!
     Registramos as piruetas e palavras mal "ouvidas", no falar de Truscott (interpretado por Tuca Andrada), como "petrolhamento", para fazer e dizer o que gostaria de fazer ou dizer...sobre o "patrulhamento" da situação do Brasil atual! Foi esta a impressão que nos ficou, deste "Olho Azul..." A peça provoca reações insuspeitadas, em um non sense que acumula preferências sexuais, cinismo, sadismo e sedução -  e isso pouco importa. Sendo um texto muito atual, nos traz um Joe Orton que continua vanguarda absoluta.     
     O texto apresenta personagens como Mac Leavy, um honesto e sensível cidadão que vai se transformando, pela sua ingenuidade, em bode expiatório de tudo o que acontece com aquele grupo de seres "desejantes". Mário Borges, interpretando Leary, está impecável em sua semelhança (até física), com "um certo tesoureiro" de nossa história recente. Podemos dizer que este texto de Orton se aproxima da realidade trazendo para nós o teatro de vaudeville onde tudo é exagerado, com suas anedotas e acontecimentos do presente. E concluímos que, para dar maior verossimilhança ao texto, o diretor escolheu um elenco que se encaixa com perfeição na proposta do autor. Assim, temos Rafael Canedo como  Harold, uma criatura de expressão tão límpida e sincera como deve ser o seu falso procedimento. Canedo consegue um olhar tolo, digno das melhores comédias; e este "falso tolo" entra em sintonia perfeita com a mistificadora Fay, a agente funerária, interpretada com desfaçatez e sedução por Gláucia Rodrigues. Há também o já citado personagem Truscott, um detetive corrupto que em sua ambição é capaz de proferir palavras estarrecedoras tais como: "Quem perde tempo com a verdade não passa de guarda-noturno", justificando a sua desonestidade. Tuca Andrada (Truscott), como sempre, arranca verdade de seu personagem, tornando-o truculento, ou sutil, conforme a ocasião se apresenta. Destacamos, principalmente nesta cena, a iluminação de Rogerio Wiltgen para dar o compasso certo à movimentação dos atores. A iluminação, neste espetáculo, tem uma importância fundamental, junto com a música original de Wagner Campos.
       Para fechar o circulo do elenco temos, com boa atuação, Helder Agostini como Dennis, o amigo/amante de Harold, em tudo semelhante a seu parceiro. Ótimas interpretações deste elenco tão entrosado. Há ainda Johnny Ferro, como o "bobbie" inglês Meadows, com pequena intervenção. O que podemos dizer, da direção que Sidnei Cruz, é que ele soube tornar marcante qualquer detalhe surgido no texto, principalmente a colocação de "um olho azul" na cena, como o queria o seu autor, pois tal olho, vilipendiado, representa a fidalguia, em todos os tempos. Mas de nada servem as pistas, elas somente refletem a constatação da tolice dos humanos: eis uma boa definição para o teatro de Joe Orton. Na tradução temos a mão segura de Bárbara Heliodora. A tradutora Bárbara foi homenageada pelo elenco e platéia, na estréia da peça.
     O cenário simples, de portas, biombos e aberturas dando espaço para a frenética movimentação, é do mestre José Dias; Samuel Abrantes ficou responsável pelos figurinos, bastante criativos, e também pelos adereços, junto com Guilherme Reis. A Companhia Limite 151, conhecida pelas montagens marcantes que realiza, sempre com grandes dramaturgos como Tennessee Williams, Shakespeare, Molière, e muitos outros, tem em sua Direção de Produção o também ator Edmundo Lippi. A Assessoria de Imprensa é de Ana Gaio.   

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