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quinta-feira, 4 de junho de 2015

ANTONIO ABUJAMRA II - UMA BIOGRAFIA - "CALENDÁRIO DE PEDRA"


Nosso biografado em momento de "A Voz do Provocador" - uma apresentação teatral.



          IDA VICENZIA
         (da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
         (Especial)

            ANTONIO ABUJAMRA - UMA BIOGRAFIA - "CALENDÁRIO DE PEDRA"

          Eis a continuação da INTRODUÇÃO do livro sobre 
        Abujamra. Esta Biografia está prevista   para ir para                                 as livrarias até o final de 2016 - se Zeus ajudar!









                                 A FAMÍLIA DE ANTONIO ABUJAMRA
                                              EM   DAMASCO





    A Capital da Síria, Damasco, era um lugar aprazível de se viver. A vida era algo possível. Ao menos é o que nos contam os relatos antigos sobre o fausto cultural das civilizações refinadas do Oriente. Depois, o caos. Síria e Líbano, o "corredor da Europa", local de assassinatos, traições e lutas sangrentas, desde o século XI, com a chegada dos Cruzados! Muitos séculos se passaram, e no século XX a situação se agravou, em razão das guerras ocidentais, capitalistas. Os antepassados de Antonio Abujamra tiveram que fugir do caos de sua terra natal. Nada mais triste do que um exílio: adaptação, língua diferente, outros costumes, ressentimentos... Difícil fugir do ressentimento. Porém os Abujamra se adaptaram à nova vida, e criaram artistas. Justificados: o Oriente é uma terra de poetas. Houve, no clã dos Abujamra, uma fantástica adaptação.
     Essa mistura de política, paixão e humor que é Antonio Abujamra, tem um passado de raízes ecléticas (e divertidas), que nasceram entre Damasco e Beirute. Basta lembrar-nos do Sr. Abrahão Abu-Jamra, tradutor para o português do verbete da Enciclopédia Árabe de Butros Bustani, (1882), sobre a família Abu-Jamra (no início seu nome era assim mesmo, com hífen). Essa família viveu no Oriente Médio desde os anos 700 da era cristã. Eram homens de letras, poetas, jornalistas. Um deles fundou um jornal, o "Al Afkar", em Damasco. Ele se chamava Said Abu-Jamra, e hoje é nome de rua em Beirute. Abu (como os amigos chamam o nosso biografado), é de ascendência sírio-libanesa. O pai, Iskander Abu-Jamra, é descendente de sírios e a mãe, Nazira, é libanesa. Essa união resultou em um dos homens mais inteligentes de sua geração: Antonio Abujamra.  
    Mas agora estamos falando sobre o Sr. Abrahão Abu-Jamra. Este personagem, encenado, daria um grande desempenho. Acontece que ele não é um personagem. Ele existiu realmente, como também existiu a "Gentil Amélia" que, na verdade, era a sua prima Amélia Abu-Jamra. Os dois "personagens" protagonizaram um espetáculo que, se jogado à cena por Antonio Abujamra, com certeza esclareceria muita coisa a respeito da "alma oriental" deste diretor. Amélia era casada com o Sr Maron. Seu nome de casada era, portanto, Amélia Abu-Jamra Maron. Porém, para o Sr. Abrahão, a "Gentil Amélia" era somente "a maior usurpadora de direitos autorais de todos os tempos".
     A história começou no Brasil, em 1975, quando a "Gentil Amélia" resolveu distribuir a tradução feita pelo Sr. Abrahão, de um verbete do Dicionario de Butros Bustani, sobre a família Abu-Jamra. A família inteira recebeu o verbete como se fosse parte da biografia do Sr. Nasser Abu-Jamra - o pai de Abrahão. Na dedicatória D. Amélia não citou o nome dos tradutores! O Sr. Abrahão era um dos tradutores e, para ele, era como se D. Amélia houvesse lhe usurpado os direitos! O Sr. Abrahão ficou, com toda razão, indignado. E mais ainda quando a situação chegou ao absurdo de uma cópia de seu próprio trabalho ter-lhe chegado às mãos com a seguinte dedicatória: "Com a gentileza de Amélia Abu-Jamra Maron e Emílio Maron". 
     E, como o nome dos (dois) tradutores não fosse citado, dava a impressão (para ele) de que o casal tivesse feito a tradução! Os próprios membros da família Abu-Jamra, quando recebiam o verbete, acreditavam que a tradução da obra fosse de Amélia e Emilio Maron. Diplomaticamente, o Sr. Abrahão conseguiu neutralizar a "vaidade" da "Gentil Amelia" que, ao ser questionada pelo verdadeiro autor, tornara-se ambígua, não esclarecendo devidamente a questão. O que para a "Gentil Amelia" era um caso absurdo, pois estava somente sendo gentil, para o Sr. Abrahão tornara-se complicado.
     Na realidade, o tal verbete do Dicionario fora traduzido do árabe pelo Sr. Nasser Abu-Jamra, pai do Sr. Abrahão e um dos mais ilustres antepassados da família. Pai e filho fizeram juntos a famosa tradução. O Sr. Abrahão contava 16 anos, na ocasião, e pouco conhecia de sua língua ancestral. Aprendera a dominar o árabe com seu pai.         
     Ora, a questão acabou sendo resolvida à maneira do Sr. Abrahão. Ou seja, o filho do Sr. Nasser Abu-Jamra recuperou os direitos de seu trabalho com a maior dignidade. Seus movimentos para bloquear a "vaidade" da "Gentil Amélia" eram bem-humorados, e tal humor fazia parte de seu caráter. O Sr. Abrahão passou a acrescentar, muito diplomaticamente, à dedicatoria da "Gentil Amélia", a seguinte explicação: "Vocês não teriam acesso à raiz de nossa família se não tivessem por parentes o que vos dirige a palavra, e seu virtuoso e sábio pai, Sr. Nasser Abujamra, autores da tradução de Butros Bustani". 
     Com este episodio queremos localizar o "saber fazer" de Antonio Abujamra e revelar que este saber possui raízes profundas. O diretor sabe contornar um mal entendido como um verdadeiro "sultão", ou seja, como uma pessoa que detém a autoridade. E isto Antonio Abujamra traz no sangue. Sua atividade como diretor, e outras atividades a que se dedica, bem o comprovam. Ele é o herdeiro, por excelência, da verdadeira sabedoria oriental. 

(Nota: Boutros al-Boustani (1819-1883), escritor e acadêmico libanês da "Renascença", segundo os ingleses, Árabe Otomana. Sentimos muito não ter acesso ao Dicionário por ele organizado já no final de sua vida, (1882), e ao famoso verbete do Dicionario de Butros Bustani, acima referido).




                                         FOTO  DE DAMASCO
                                                    ANTIGA




                                                  EM DAMASCO

     "Damasco é uma das mais belas cidades do mundo, que não sei e não posso abandonar. Velha e soberba capital do califado omíada, cujas fronteiras se estendiam do Afganistão à Península Ibérica. Promotora de um convívio admirável entre culturas e religiões diversas, Damasco era conhecida como "a cidade do amor" na alta e refinada tradição da poesia árabe.
     "Hoje infelizmente Damasco assume feições contraditórias e monstruosas, cidade vítima do ódio que se espalhou pela Síria. (...) Guerra civil aberta ao mundo, num grande tabuleiro, cujas partes envolvidas já não se limitam ao desenho de um país autônomo, mas a um cabo de forças de interesse incontornáveis entre a Otan e a Rússia, a Arábia Saudita e o Irã, Israel e Hezbolá. (...) genocídio que completou dois anos, com um saldo aproximativo de setenta mil mortos, até a presente data. (...) Leio com raiva e absurda esperança alguns versos do jovem poeta sírio, Golan Haji:

                                             "Os mortos estão sendo enterrados,
                                               mas como enterrar o sofrimento?
                                               Estou só, como a nossa mãe,
                                               só como esta árvore.
                                               Um pássaro que acaba de morrer.
                                               Quebrou-se a casa dos gritos.
                                               Um diamante rompe o vidro sujo
                                               do mundo".         
                                               (poesia Golan Haji)
                                        (da Crônica de Marco Lucchesi, O Globo, 2014).   


 

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