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quinta-feira, 4 de junho de 2015

"FOI VOCÊ QUEM PEDIU PARA EU CONTAR A MINHA HISTORIA"




IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Eis um espetáculo apresentado com a garra de uma improvisação. Jogo teatral puro. E exercício. Uma homenagem ao teatro e aos atores. Que bela idéia criar algo assim! Penso que Sandrine Roche teve uma inspiração que certamente vai emocionar a todos os que amam teatro.
     Olhem só: quatro moças convencendo a todos que são meninas, com a liberdade e a maldade das crianças. Rousseau, o Jean-Jacques, quando disse que "o homem é bom, mas a sociedade o corrompe", mostrou que  não era um bom observador de crianças; pois, desde o mais virgem berço, se  deixadas a sós com seus brinquedos e companhia, as crianças - o futuro da humanidade! - mordem-se umas às outras! Que sociedade as corrompeu? Pois é justamente isso que Sandrine quer mostrar, na verdadeira aula de teatro para adultos que construiu. Essa autora-filósofa parece querer provar que na verdade somos casos perdidos, vivendo grandes ilusões. Ao que parece, o que nos salva é o humor. Mas vamos ao que aconteceu no Teatro do Leblon - Sala Fernanda Montenegro - naquele dia de estréia para a classe teatral, do texto "Foi Você Quem Pediu Para Eu Contar a Minha História".
     Em um cenário que se abre para inúmeras possibilidades, quatro  atrizes: Bianca Castanho, Fernanda Vasconcellos, Karla Tenório e Talita Castro, vão se transformando em inúmeras personagens, conforme a luz,  a solicitação do texto e a música o exigem. E, neste mundo aberto à imaginação, vemos uma menina morta (Bianca Castanho), contar sua morte trágica; uma menina rica (Fernanda Vasconcellos) falar de seu mundo, com a forma desfocada que têm os ricos de falar sobre o seu mundo; uma menina questionadora (Talita Castro), pensando sobre sexualidade e, finalmente, uma menina perdida (Karla Tenório) em busca de acolhimento e afeição.
     A um primeiro olhar, aparentemente, é disso que trata a peça: cada menina tem a sua história para contar. Ledo engano: O que vemos aí são várias propostas, que se encaixam em outras tantas, como um jogo de armar concluído com esta frase: "A próxima eu conto"! e as luzes se apagam. Insólito, não? Na verdade, é uma bela maneira de escrever a biografia enxuta destas três meninas. Elas se criticam? Sim. E se agridem... Elas apresentam (quase) tudo o que o ser humano tem de negativo.
     Neste quesito temos Karla Tenório, a menina carente que aceita o jogo. Mata-se, naquele mundo das três meninas, fere-se, pois o mundo delas é cruel. Temos que destacar aqui a compreensão desta atriz, a respeito do papel que irá segurar até o fim: a que sofre bulling e não sabe se proteger. Foram explorados, neste texto, todos os aspectos negativos do ser humano, e a crueldade é tal que acabamos por sorrir. As atrizes se jogam, literalmente, em seus papeis, ajudadas pelo cenário que lhes proporciona contorcionismos de dança e emoção. É de fazer inveja aos expectadores. Parece tudo tão bom!
       Mas a personagem de Bianca Castanho agüenta o destino de ser considerada a gorda, a feia. E se vinga contando histórias horríveis. Bianca, com sua doçura, empresta morbidez à sua criança. A "riquinha", Fernanda Vasconcellos, tem momentos hilários ao trazer para o palco o que está acontecendo, hoje, em nossa sociedade. E, segundo o diretor Guilherme Piva, o texto foi respeitado. Imagina-se que sim, pois é surpreendente a equivalência das atitudes antissociais que se manifestam nos países globalizados. A menina de Fernanda declara que "tem horror a pobre" e que pode tudo, "porque é rica". E, finalmente temos Talita Castro trazendo para a discussão a sexualidade entre meninas. "Por que não?", pergunta a personagem de Talita.
     Em seus  trapézios, em suas danças, em seu jogo corporal, as quatro atrizes provocam uma cena de tensão, sexo e humor. Os figurinos, muito apropriados, sublinham, com escândalo,  a sexualidade infantil.  Nada foi esquecido na montagem brasileira deste texto da desconhecida Sandrine Roche, do "Thêátre Du Cercle" (Rennes). Ele vem embalado com a  adaptação de Thereza Falcão, e é surpreendente como o diretor Guilherme Piva conduz, com extrema leveza, assunto tão cruel. Não são "estas" crianças no palco, que estão se "despindo" de sua humanidade. O assunto é sério, mas o humor prevalece, ele deve falar mais alto. E Guilherme Piva sabe disso: os recados mais importantes do texto ficam na emoção e no pensamento. Afinal, não se trata de um espetáculo descartável.   
     Na técnica, além dos já citados: cenário de Paula Santa Rosa e Rafael Pieri; figurino, Carol Lobato; desenho de luz, Renato Machado; música, Marcelo Alonso Neves; Assessoria de Imprensa, Daniella Cavalcanti.               
        



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