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sábado, 19 de setembro de 2015

"AS MENINAS"

Foto do elenco de "As Meninas", peça de teatro adaptada do romance de Lygia Fagundes Telles; adaptação, Maria Adelaide Amaral, direção Yara de Novaes. (Foto Priscila Prade)  
 IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

    Sim, faz sentido montar AS MENINAS, agora. Os jovens devem prestigiá-las, é bom que eles vejam o que realmente aconteceu com os  estudantes, na década de 70. Não foi nada romântico, muito menos heroico, foi desalentador, e é de dar dor no estômago ver essa historia contada agora. O Theatro Poeira, em seu pequeno espaço, recebe um público jovem, em sua maioria da classe teatral. Enfim, estamos falando para a nossa própria gente, quando deveríamos alcançar um público muito maior. Esta peça deve ser apresentada em praça pública, meninas!
    No texto de Lygia Fagundes Telles, com adaptação para a cena teatral de Maria Adelaide Amaral, fala-se na Operação Bandeirantes, a "OBAN" de triste memória, financiada pelos empresários brasileiros (e pelo capital internacional), em cujas masmorras se torturavam jovens que acreditavam em um Brasil independente. Imaginem que naquela época não se podia pesquisar, os cientistas brasileiros tinham que se abrigar em outros países, para poderem exercer as suas funções: o Brasil da época exportava cérebros para o estrangeiro! E a carreira de cientista social era proibida, perseguida, em seu próprio país! Uma das heroínas da Lygia, justamente a que faz Ciências Sociais, é a que tem consciência do que está acontecendo: ela representa aquela fração da juventude que acabou pegando em armas, e que em sua maioria foi assassinada. Os tempos não estavam para brincadeiras.
     O OBAN, financiada pelo capital -  brasileiro e internacional - era um porão sórdido, bem no coração de São Paulo. Sim, havia outros centros de horror no coração de São Paulo: como o soturno "DOPS", o "Departamento de Ordem Política e Social", no qual os militares trucidavam a juventude brasileira que acreditava na independência de seu país. A  ditadura militar, de tão triste lembrança, torturava jovens. É bom que os jovens de hoje, os que se querem idealistas, assistam "As Meninas". É a derrocada final de uma geração. O espetáculo, tão necessário neste momento, é encenado somente às terças e quartas feiras! É muito pouco espaço: o tempo que ele relata foi um tempo que não deve ser repetido. Nunca mais.
     Dizem alguns que as "ideologias" estão divididas, hoje em dia. Como assim?! Que os rebeldes extremistas de esquerda são concentrados nos "blogs". Se isso é verdade, é nas redes sociais que a juventude deve se manifestar. Mas há um engano: a internet abriga todas as "ideologias", para o bem ou para o mal, mas talvez ela (a internet) consiga nos salvar dos tempos sombrios (que sonham em voltar).
     Ser "ideológico" no bom sentido é não querer ver os nossos jovens passarem pelo que passou a geração que hoje está de cabelos grisalhos. Neste sentido, somos todos "ideológicos", como queria Cazuza: "eu quero uma ideologia pra viver". É bom não esquecer.
     O texto de Maria Adelaide Amaral é denso, entrecortado por momentos de humor, para dar "respiração" ao drama terrível. A irmã do pensionato (Sandra Pera em um ótimo momento), e a "mãezinha rica" -personagem de Clarisse Abujamra. A atriz devia se soltar mais na cena da dança! pois, afinal, a "mãezinha" é uma mulher "muito louca", apesar de - ou por causa - ser uma paulistana "quatrocentona" -, sua personagem, não esqueçamos, representa a repressão enraizada nas famílias "de bem". Sandra e Clarisse dão sua contribuição (poderiam dar mais), provando que "os tempos não mudam".
     "As Meninas" está em cartaz desde 2009. A diretora Yara  de Novaes justifica: "Denunciar abusos morais e políticos que imperaram no Brasil obscuro do início dos anos 70, ainda faz-se necessário nesse 2015 de extremos indecentes e aviltantes". Aqueles "anos 70" eram habitados por pessoas que continuam as mesmas (não importa o tempo), e devem ser recordados, sim, para os horrores não se repetirem. A juventude "que se quer engajada, hoje" - deve assistir "As Meninas" e testemunhar uma desilusão. É Lygia Fagundes Telles quem fala: "Enquanto escrevia esse romance, recebi um terrível panfleto de um homem torturado pela ditadura descrevendo - até a morte, talvez - todo o horror pelos quais ele passou (...) O panfleto aproveitei-o inteiro e, através de Lia (a estudante de Ciências Sociais), criei essa circunstancia que me pareceu ideal".  
     Com um cenário funcional de André Cortez, a ação transcorre em sintonia com o drama. Os figurinos, simples, sóbrios, de  André e Fabio Namatame, colaboram para a cena tensa e "descomplicada", ao mesmo tempo, jogando com acerto os momentos do drama, seus altos e baixos, possibilitando a sua "respiração".
     Deixemos Lygia Fagundes Telles falar novamente: "Escrevi emocionada esse romance "As Meninas", publicado em 1973, durante a ditadura militar. Minha intenção era testemunhar essa dura fase política do nosso país". São três meninas, colegas de pensionato. Lia, estudante de Ciências Sociais, é a que mais se envolve com a política estudantil e com a repressão. Ana Clara representa aquela facção de juventude que se deixou envolver pelo desespero e as pelas drogas (eles foram muitos). E a burguesa Lorena, a que sente "culpa e pena" pelo que está acontecendo (diz o texto que esses sentimentos são os de quem se considera superior, será?), porém só se preocupa com o amor que tem por um homem mais velho.
     A personagem mais sensata parece ser Lia, a jovem cientista social. São três as atrizes: Clarissa Rockenbach (pelo nome podemos identificar  Ana Clara); Luciana Brites e Silvia Lourenço. Há um ator convidado, ele preenche a necessidade do papel do homem jovem, nas circunstâncias dadas, na historia de Lygia Fagundes Telles. Todos estes homens são representados pelo ator convidado, Daniel Alvim, que cumpre com acerto a sua função.
     Há músicas, e comentários musicais, tudo iluminado por Juliana Santos. A direção do espetáculo é de Yara de Novaes. Damos novamente  a palavra a Yara: "Lygia Fagundes Telles versa de A a Z sobre o que há de mais humano em nós, com provocações filosóficas e estéticas sem comparação". Yara de Novaes conseguiu superar o mal estar de uma época, e dar vida a algo inenarrável, sendo ajudada, e ajudando, a  Lygia e Maria Adelaide, a "denunciar os abusos morais e políticos que imperaram no Brasil obscuro do início dos anos 70". O espetáculo ajuda a dessacralizar, para os jovens, a aura romântica que envolve (para eles, os jovens) aquela época de horrores. Como se diz entre "companheiros", é preciso ter "estômago forte" e coração valente para assistir "As Meninas". Recomenda-se!                 
Produção Fernando Padilha. Divulgação Lu Nabuco.
OBS: Fiz questão de não entrar em detalhes sobre "quem é quem" no elenco, pois o programa não esclarecia. Minha luta com a classe, hoje em dia, é com acertos no "espaço cênico" (que pode definir um espetáculo),  daí a sugestão da praça pública como espaço para "As Meninas"; e com os programas incompletos, que não indicam "ator e personagem", como se os críticos tivessem obrigação de conhecer todos os atores!

                

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