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domingo, 6 de setembro de 2015

"LUDWIG/2 - EU DESEJO PERMANECER UM ENIGMA"

Atores Andreas Mayer e Manoel Madeira, e a cena das projeções. Peça "Ludwig/2 - Eu Desejo Permanecer Um Enigma", autor e diretor Gustavo Bicalho. (Foto Nadine Lões) 



IDA VICENZIA
(da Associação  Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     "LUDWIG/2 - Eu desejo permanecer um enigma", com dramaturgia, texto e direção de Gustavo Bicalho, eis uma bela surpresa, um trabalho cuidadoso, comemorando os 20 anos da Artesanal Cia. de Teatro. Entretanto, o espetáculo, que se propõe a ser  contemporâneo, esbarra no romantismo selvagem, alemão, da época de Richard Wagner, e essa força se impõe, sendo, talvez, refreada pelo diretor, que a transforma em uma narrativa livre. Mesmo assim, a tão esperada "contemporaneidade" fica só na concepção do espetáculo, pois sua historia é mais forte. A cena da loucura, por  exemplo, encerra qualquer tentativa de inovação de linguagem. Ela encarcera o ator, e é definitiva. Mesmo assim, é válida a forma pela qual Manoel Madeira lhe dá vida. A destacar também as imagens de vídeo mostrando a homossexualidade como se revelava, entre os homens, no final do puritano século XIX ... e as luzes "estroboscópicas" se derramando sobre o protagonista, desorientando o já desorientado Ludwig.
     A história se passa em um castelo na Baviera, e nos bosques em seu entorno, e traz consigo uma sedução implícita, que nos leva, a passos largos, em direção a algo que, certamente, Ludwig teria desejado viver: o nosso presente. Enfim, a maneira fracionada de nos contar essa historia de desajuste emocional se impõe ao diretor, e aos atores, como a urgência do relato  "romântico-simbolista" da Alemanha do final do século XIX. Vivia-se mal, no pequeno reino da Baviera.
     Deixou-nos "Diários", o jovem rei. "Ser ou não ser" excêntrico? Ludwig não teve escolha. Nasceu artista - e foi considerado louco. Eis uma questão intranquila. Essa historia é nossa conhecida desde os tempos de Visconti e seu Helmut Berger, a reencarnação do rei da Baviera. Mas o surpreendente ator Manoel Madeira (que também traduziu "Ludwig/2", com Lilli-Hannah Hoepner, e produz o espetáculo, com Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves), possui talento e "le physique du rôle" não menos invejável do que Berger, e revelou-se à altura do espetáculo. Não só isso. Há uma confusão de nacionalidades e, às vezes, ficamos estarrecidos com o ator alemão em cena. Há, na realidade, um ator alemão em cena, e trata-se de Andreas Mayer, o "escudeiro" Richard Horning, um dos amantes do jovem rei. Ator convidado que, na desafiante "língua de Göethe" entrega-se à universalidade das cenas (com projeções em português), e a um diálogo com certa liberdade de tempo e espaço, com o seu amado Ludwig.
     Mas o diretor não se contenta com as intervenções no "convencionalismo teatral". A cena movimenta as mais remotas fantasias do ser humano, desde a paixão pela música, teatro (fez encenar em seu teatro particular até peças de Shakespeare), arquitetura, beleza, sexo, razão, emoção! Sim, Ludwig era um homossexual infeliz e sofrido, naquele reino católico em que sua obrigação era dar herdeiros à coroa! O ator segura, com brilhantismo, as passagens do Rei: sua inadequação para a vida.  
     E a entrega dos atores nos transporta a tempos não tão remotos assim. Ludwig II era um artista. O que acontece quando um artista vê frustrados os seus sonhos? Pode surgir um "construtor" de sonhos, como Ludwig com os seus castelos e o patrocínio de carreiras artísticas, como a de Richard Wagner; ou pode surgir um "destruidor" de mundos, como aconteceu com o artista frustrado Adolf Hitler. Sim, Hitler (o monstro fabricado pelo poder), não foi o "único" culpado de todos os horrores acontecidos na IIª Guerra Mundial, e todos nós sabemos disso: a "terra dos poetas, grandes músicos e pensadores" teve os seus capitalistas diabólicos que nos levaram a Hitler. Só para lembrar: von Tyssen (aço); Krupp (armamento); Siemens (gás para as câmaras dos campos de concentração); Hugo Boss (uniformes do exercito nazista); e outros, muitos outros - a serviço de ... um artista frustrado! (são perigosos, os artistas frustrados...).
     Ludwig só fez mal a si mesmo... e também (mas por pouco tempo), à sua doce princesa Sophia. Interpretada pela talentosa (e bela) Suzana Castelo, as sintomáticas aparições da mulher rejeitada vão acendendo... e apagando ... as luzes por onde ela passa: o simples passar de sua frágil (e dançarina) presença  transforma a capacidade da luz. Este é um interessante recurso para contar a  historia de Sophia, e seu afastamento do Rei. Belos momentos. Aliás, "Ludwig/2" traz consigo a virtude de nos dar um bom teatro, trazendo ao espetáculo sensibilidade, paixão, horror.   
     E há uma questão, não abordada no texto de "Ludwig/2", mas que não deixa de ser intrigante: Ludwig, o "construidor" (de castelos), admirava o "Rei Sol", e, a maneira pela qual Luis XIV construía a Arte. O francês também amava a música, o teatro, os castelos... Em conseqüência, o Rei da Baviera, em homenagem ao "Rei Sol", mandou erguer uma quase uma réplica de Versailles, o "Schloss Herrenchiemsee" e, curiosidade suprema, se auto-proclamou o "Rei Lua"! Que personagens interessantes, estes seres fabricados pelo poder!
     O desenho de luz do espetáculo, de Gustavo Bicalho, com suas variações surpreendentes, é de Rodrigo Belay, e a direção de movimento, muito inspirada, é de Paulo Mazzoni. Figurinos e Adereços (adequados e belos) de Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves. Cenário: Linda Sollacher e Karlla de Luca. Direção Musical (e de Vídeo) de Daniel Belquer e Caeso.
     A direção, além de segura e transgressora, é feita por um trabalho de grupo muito bem sucedido, incluindo Henrique Gonçalves e Daniel Belquer no conjunto, com Gustavo Bicalho  na regência. A Artesanal Cia. de Teatro (pelo que entendi - não a conhecia), costuma se dedicar ao teatro infantil e de bonecos, mas sua residência artística na Alemanha resultou no atual espetáculo, livre e contemporâneo, a respeito de uma historia irreverente e trágica. É a sua primeira incursão no gênero tragedia, e o que aconteceu, na direção da peça, deu grande autonomia aos atores. Fica-se com a impressão de um trabalho feito a seis mãos: um  Sexteto bem afinado.
     Enfim, foi uma agradável surpresa conhecer a Artesanal Cia. de Teatro. A DESTACAR O GRANDE DESEMPENHO DE MANOEL MADEIRA COMO LUDWIG II - REI DA BAVIERA. Vale à pena assistir a este espetáculo tão bem cuidado e sem pretensão, porém de uma sofisticação sem limites. EM CARTAZ NO "MEZANINO" DO SESC-COPA até dia 27 DE SETEMBRO. NÃO PERCAM



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