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sábado, 26 de setembro de 2015

"TEM UM PSICANALISTA NA NOSSA CAMA"

    Cena de "Tem um psicanalista na nossa cama", texto de João Bethencourt, direção Glaucia Rodrigues,  com Lucci Ferreira (Eduardo), Cristiano Gualda (Psicanalista) e Solange Badim (Dolores, em um figurino nada "excêntrico").                       (Foto de Guga Melgar)


                             IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     É interessante parar um pouco com essa correria de narrativas modernas e pós-modernas, do atual teatro carioca, e darmos atenção ao texto de João Bethencourt. Nesse  "Tem um psicanalista na nossa cama", em cartaz no Teatro Vannucci, a tal comédia "bethencourtiana" (que obedece aos mais puros mecanismos do teatro de situação), o autor consegue, em meio a soluções absurdas, colocar um pouco de verdade na ação... e, pasme!, fazer o público pensar. Aliás, recurso encontrado em várias de suas comédias, basta lembrar de "Bonifácio Bilhões", texto em que ele encaixa momentos políticos brasileiros que estão sempre rondando o nosso dia-a-dia, como a frase do FHC "esqueçam tudo o que escrevi no passado", dito pelo burguês professor de economia política, interpretado por José de Abreu... Em "Tem um psi..." o autor faz uma brincadeira com a psicanálise.  
     Bethencourt continua, descaradamente, a ser o verborrágico de sempre, obrigando a seus atores a se sobrecarregarem de texto, com pulmões - e memória - dedicados a medir a sua capacidade, na medida em que as frases são descarregadas sobre o público. Às vezes tal "voragem argumentativa" (pleonasmo para significar excesso), refreia até uma possível comicidade da cena. Entretanto...
     Em alguns casos, como o do psicanalista, interpretado de maneira convincente por Cristiano Gualda, o autor  chega a nos mostrar a sua antiga verve, ao fazer o psicanalista ficar escutando as maluquices das outras pessoas, e demonstrar que tal fato pode ajudá-las. Sim, Bethencourt acaba nos convencendo disso. O seu "psi" sustenta que a paciente, ao ser confrontada com o marido, encontra-se "em fase de  não retorno" ao seu antigo estado de submissão (patética), ao casamento tradicional, graças à psicanálise!  
    O "plot", que envolve (obsessivamente) brigas por ciúmes, e outros expedientes que costumam ocorrer entre marido e mulher, agradará, ainda, à burguesia que assiste às suas peças? Talvez sim, porque João não se contenta só em ser crítico e deixar a nu alguns defeitos da burguesia, ele se compraz em desafiá-la.
     Dirigida por Glaucia Rodrigues, e interpretada pela excelente Solange Badin, como a esposa Dolores, a maluca "ex-submissa" que confronta o marido Eduardo (interpretado pelo não menos "desempenhado" Lucci Ferreira),  que se considera "dono e senhor" da situação, até que a situação se inverte. Isso também pode acontecer.
     Bem, descontados alguns exageros dignos deste João, um dramaturgo formado em Yale, que aprendeu da escola americana , entre outras coisas, a correria do time cômico da terra do Tio Sam,  (Bethencourt já foi um dos mais encenados dramaturgos pelo mundo a fora), pode-se acompanhar uma historia que, no fundo, graças à conclusão do psicanalista e ao amor que une o casal, pode ser considerada uma "comédia de costumes" atual, apesar de alguns exageros típicos de Bethencourt!
     Mas Edmundo Lippi, na produção,  e Glaucia Rodrigues, na direção, acreditam na eficácia do texto de Bethencourt. Salvo alguns excessos dignos desse autor, fica o  recado (alentador) sobre a psicanálise: Gualda, com a sua personalidade de ator, transmite com  ironia o único texto convincente da peça: o da crença do psicanalista em sua função.
     Inadaptável à critica é a  situação, absurda, que se constrói, durante o encontro dos dois ex-colegas de escola, e o confronto que se estabelece a seguir, quando o marido, Eduardo, invade o local (sagrado) do psicanalista: o seu escritorio. Diga-se, de passagem, que a "cama" que, por sua vez, o psi acaba invadindo, é a consciência do casal. E o autor aproveita para advertir - em um texto que é puro  non sense - sobre a verdadeira influência que a psicanálise pode oferecer a um casamento em crise.           
     O cenário de José Dias acompanha, de maneira convencional, as necessidades da cena. E os figurinos, algumas vezes exagerados, como manda a personalidade da "ex-madame", são de Colmar Diniz. Para o figurinista, Gualda e Ferreira herdam um toque simples, convencional. Wagner Campos compõe a música, e faz a direção musical do espetáculo. A iluminação, de Rogerio Wiltgen, não apresenta maiores novidades, adequando-se à encenação.
     Trata-se de um espetáculo "equilibrado", que não traz nenhum dos "problemas psicológicos" que movimentam o nosso tempo. Também não era essa a proposta. Mas, estranhamente, a autocrítica (principalmente a de Dolores, a esposa ciumenta), traz o tormento da "consciência de si", tão caro às "idiossincrasias" que habitam o relacionamento entre marido e mulher, em nossos dias. Entretanto, como espetáculo, "Tem um psicanalista na nossa cama" é uma diversão sem maiores consequências. Vale pelos atores, e a direção segura.    

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