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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

"INÚTIL A CHUVA"

"Inútil a Chuva", texto e direção de Paulo de Moraes, com a Armazém Companhia de Teatro.
(Foto de Mauro Kury)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional dos Críticos de Arte - AICT)
(Especial)

"INUTIL A CHUVA"
     Assistindo ao espetáculo "Inútil a Chuva" passou-nos pela cabeça a semelhança das criações do Armazém Companhia de Teatro com as criações "sensitivas" do "Grupo Corpo"... E tal imagem surgiu pela maneira que ambos têm de contar uma historia. Os dois grupos vão desenhando historias, narrando-as em quadros que se sucedem,  e que ficam flutuando no ar, qual uma reposição de imagens em uma exposição: arte plástica pura. O trabalho de Paulo de Moraes, ao menos neste "Inútil a Chuva", assemelha-se ao dos irmãos Pederneiras: mais do que historias a serem narradas, são momentos belos, ou não, para serem  apreciados. No caso de Moraes, estes momentos, às vezes, transformam-se em historias compreensíveis, em narrativas.  Como as da vida.
     Neste "Inútil a Chuva", dirigido por Paulo de Moraes, vemos, no decorrer da peça, as situações se sucederem, vagueando entre acontecimentos inacabados. O mesmo acontece com muitas de suas criações. Dessa historia de Lotta (Patricia Selonk) e seu marido desaparecido, o pintor de quem só se ouve falar, há uma vaga, e incontestável, crítica às injustiças praticadas contra a arte e os artistas. Focalizam-se, na peça, as artes plásticas, cujo autor fica célebre depois de desaparecido, tornando-se o ídolo de milhões de dólares e admiradores. Deixa uma carta de suicida. Em vida não tem sequer para o sustento da família. And so it goes...
     Tudo gira em torno de um Tríptico, procurado pelos colecionadores e pelos donos de galerias de arte. A incompreensão e a inutilidade da compreensão. Aprende-se, a cada momento, que o "Cânone" é o que está valendo. E a família vai, sempre remando, apesar da chuva e do naufrágio, em um barco que os deixa à deriva. Os três irmãos e a mãe já não têm mais nada a provar, para ninguém. E a ação vai se arrastando, ora poética, ora brutal e incompreensível. Como a vida.
     A peça, esteticamente, aproxima-se das artes plásticas. A conferir, a beleza das imagens iluminadas pelo mestre Maneco Quinderê, lembrando quadros, iluminuras (a cena das bandejas com as taças, equilibrando-se no ar; ou a tela branca onde as tintas do filho tímido e artista, Slavoj (Leonardo Hinckel) vão se identificando com a pai ausente. Há várias maneiras de passar o tempo, há várias maneiras de fazer arte, e há várias maneiras de denunciar os maus tratos à arte. Esta peça é uma delas.
     E a exposição se faz história, com quadros que são acontecimentos que se refletem na vida da família. Uma jornalista, Vivian (Amanda Mirasci),  antes de iniciar seus trabalhos de pesquisa, declara que a história que vai contar não é nada autobiográfica. E não existe nada mais falso, pois na verdade é uma história universal: a historia de cada um.
     Vivian se  aproxima da família atraída pela fama do pintor, e dela se distancia quando percebe que eles não têm a menor importância, são seres perdidos, que não compreendem o que está acontecendo. Sua busca de compreensão transforma-se em uma descrição de quadros, tintas e cores, que se acumulam nas luzes, na música e nos reflexos da cena. É assim que se faz um arremedo de "vernissage", sem saber o que se comemora, pois o famoso pintor não existe, somente a sua obra - e ninguém quer saber nada sobre ele, a não ser a sua família. A peça termina com a procura de algo que nunca começou, e o remar se reinicia, constante, para não deixar o falso barco (a vida?) à deriva.
     Talvez o momento mais empolgante desse espetáculo "crepuscular" seja o instante em que o amigo do pintor, Matthias (marcos Martins), ensina Slavoj, o temeroso filho do pintor, a se defender. O quadro da luta lembra a pesquisa de Bertold Brecht em busca de uma linguagem física para seus atores. O espetáculo, dirigido  por Paulo de Moraes, com dramaturgia do diretor, e de Jopa Moraes, é uma sucessão de possibilidades: a luta de Slavoj, a nudez de Slavoj, o seu cansaço e abandono da procura. Os desafios do filho Claude (Tomás Braune), e a procura de Sarah (Andressa Lameu),  os filhos que nunca se encontram. A impressão que se tem é que Slavoj é o único personagem que sonha em realizar algo, é o único romântico que ainda se propõe a viver.
      Pergunta-se: o que proporcionou a estagnação dessa família? Em geral a Armazém Cia de Teatro inspira-se em literatura, já tendo montado textos inspirados em Beckett, Shakespeare, Lewis Caroll, e até Mahabharata, como  "Meu Leito Após a Água". A técnica e a construção do espetáculo se dão durante os ensaios. A impressão de desamparo deste "Inútil a Chuva" deixa-nos a mesma sensação bergsoniana de todos os seus espetáculos a que tivemos acesso, com exceção de "Alice através do Espelho". Extremamente intelectualizados, a impressão que nos fica desta Companhia é a de uma Suécia brasileira que atingiu o que procurava, sentindo-se a caminho de algo que talvez virá, algo  que o sonho sempre renovado não deixa fenecer, mas que está cada vez mais distante. Talvez essa saciedade seja o sonho realizado. Receberá todos os prêmios, mas qual será seu caminho? Nossos votos é o de que seja a sua  renovação constante.
     O espetáculo é de uma riqueza evidente, saciada. Os figurinos de Rita Murtinho, principalmente os do momento de festa, apresentam uma realidade falsa, como é falsa a vontade de estar ali. Algo acontece com aqueles três filhos, e a mãe abandonada. Deixemos para os poetas e os intelectuais a solução deste problema. Colaboração de Dramaturgia: Mauricio Arruda Mendonça. Preparação Corporal, Maíra Maneschy e Patrícia Selonk. Não conseguimos perceber se "Inútil" a Chuva" é alguma adaptação literária, o certo é ser uma imitação da vida.
"INUTIL A CHUVA" É UM INTERESSANTE ENSAIO SOBRE A NEGAÇÃO DA VIDA, E UM ALERTA PARA AS ARMADILHAS QUE ELA NOS PREPARA.                                         

     

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