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domingo, 15 de novembro de 2015

"O BEIJO NO ASFALTO"

"O Beijo na Asfalto", de Nelson Rodrigues, direção João Fonseca. Em cena Arandir, o homem que beijou o morto, interpretado por Claudio Lins (na penumbra), e o Morto Beijado (que está mais vivo do que nunca, na foto), interpretado por Pablo Áscoli. (Foto de Renato Pagliacci).
"O BEIJO NO ASFALTO - O MUSICAL"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Com um elenco de treze atores, está em cena no Rio de Janeiro a versão musical de "O Beijo no Asfalto", de Nelson Rodrigues. Inspiração de Claudio Lins, direção de João Fonseca. E eis que volto ao musical, dessa vez com dramaturgia do "nosso Sakespeare", Nelson Rodrigues, já que meu reencontro com essa linguagem teatral se deu com o próprio "bardo" inglês, com "A Megera Domada", em adaptação para musical com o título de "Kiss me, Kate!". Duas experiências maravilhosas. A respeito de Kate já falei, em crítica anterior. Passemos a Nelson Rodrigues.
     Aliás, a inspiração para musical de "O Beijo no Asfalto" foi de João Fonseca, respondendo a uma proposta de Claudio Lins. O Projeto teve inicio em 2009. Há que se respeitar o trabalho de montagem de um espetáculo.  Claudio Lins selecionou (e compôs) misturando as músicas do espetáculo, qual Abujamra fazia com os textos. Podemos dizer que o resultado é surpreendente: músicas já conhecidas e composições feitas por Claudio, exclusivamente para o espetáculo. E o texto de Nelson Rodrigues, na íntegra, sem perder a força!
     Na ficha técnica temos 43 profissionais, destaque para os músicos:
     ... e as músicas. Tocadas ao vivo, têm no Piano e Regência: Evelyne Garcia/Herbert Souza; Baixo: Matias Correa/Pedro Aune;  Bateria e Percussão: Claudio Lima; Trombone: Wanderson Cunha/Bebeto Germano; Sax, Clarinete e Flauta: Alex Freitas/ Raphael Nocchi.
     A historia do "homem bom" - e de como é difícil ser "um homem bom"-, é protagonizada por Claudio Lins que possui, inclusive, o physique du rôle.  Como a bondade não tem nuances, mas só aflições, o desempenho de Lins se resume ao pavor de ser bom. Ele é um ator que canta, e seu solo encerra o espetáculo: trata-se de uma música de Miguel Gustavo, "O Beijo no Asfalto", mas há algo, talvez o "ruído" do cenário, talvez a consternação do personagem, que não o deixa alçar vôo como cantor. Claudio Lins fica nos devendo um grande solo. Outro "ator que canta" é Gracindo Junior (Aprigio, o pai das meninas), que consegue dar uma impressionante interpretação de "Alguém", em "Abismo de amor", de Cândido das Neves. Mas atriz/cantora mesmo (vejam a diferença) é Laila Garin, intérprete de Selminha, a esposa de Arandir, "o homem que beijou outro homem na boca". Laila Garin, nas primeiras cenas, é uma "enfatiotada" mocinha, com cara de tola. Não "apostamos", a princípio, em sua interpretação. Porém ela cresce. Qual o quê! Mostra-se "um monstro" da cena, ao cantar "Toda Noite" e "A Noite do Meu Bem", de Dolores Duran. A gente tem que segurar a vontade de chorar. O seu canto, para o pior dos infernos, atrai o mal. (Assista o espetáculo, e confirme).
     Encarnando o demônio está Thelmo Fernandes, interpretando o jornalista Amado Ribeiro, personagem real, da sessão de polícia da Última Hora, do Samuel Wainer (não esquecer que Nelson Rodrigues trabalhou naquele jornal e sabia do que estava falando). Thelmo canta e conta, como bom ator que é. Destaque para "Sou porco sim". Outro ator que, para mim, andava desaparecido, e que tem uma presença cênica e um tempo de comédia invejável é Jorge Maya, que também canta - e bem - interpretando o auxiliar de polícia Aruba. Sua "cúmplice", a diretora de movimento Sueli Guerra, dá-lhe todas as ocasiões para brilhar, e ele as sabe aproveitar. Parabéns aos dois!
     E chegamos em Claudio Tovar, criatura sempre bem vinda em musicais, tanto pelo seu à vontade em tais apresentações cênicas, quanto em seu desempenho bem sucedido como figurinista destes espetáculos. Tovar desempenha, com brilho, o burríssimo (e descontrolado) delegado Cunha, destacando-se em todas as participações musicais que atua, principalmente em "O ciúme", interpretando "Tenho ciúme de tudo", de Valdir Rocha.
    Outra atriz/cantora é Yasmin Gomlewski, nossa conhecida de outros musicais, interpretando a irmã caçula de Selminha, a traidora Dália e se destacando ao cantar "Rota de Colisão", onde são misturadas as músicas "E daí?" (de Miguel Gustavo) e "Menina Moça" (de Luiz Antonio), reforçando o seu papel de adolescente doce e perversa. Uma boa  interpretação, como, aliás, é uma constante neste elenco, daí o bom espetáculo que é "O Beijo no Asfalto". O que mais gostamos nele são as denúncias, tão atuais, feitas pelo nosso grande Nelson Rodrigues. Nessa peça, principalmente, ele parece estar prevendo o futuro - o Brasil do  século XXI - com a sua imprensa fatídica, corrupta e corruptora. Nada se perde do texto, que, repetimos, está na íntegra! (ponto para o musical!). Nelson Rodrigues brilha, em suas denúncias da "imprensa marrom" - que afinal, no Brasil atual é maioria! E ainda  escancara o problema criado por uma sociedade míope: o beijo entre iguais. No caso de Nelson, o beijo entre homens. Mal sabia ele que esse beijo ia continuar a causar problemas!

     O morto beijado é o belo Pablo Áscoli, que, por ser jovem e belo,  levanta suspeitas...! Temos também a sua Viúva, interpretada com competência por Juliane Bodini ( a cena da delegacia entre os quatro: Selminha, Amado Ribeiro, o Delegado Cunha e a Viúva, é antológica). Há também, na peça, e não poderia faltar,  D. Matilde, a eterna "vizinha fofoqueira", interpretada com segura-implicância por Janaína Azevedo. D. Judith, a mãe de Selminha, e outra vizinha fofoqueira, são interpretadas por Juliana Marins. O Werneck, da repartição, é Gabriel Stuaffer, um aprendiz de feiticeiro. Pimentel (outro colega de Arandir), e também o Comissário Barros, são interpretados por Ricardo Souzedo. Na ficha técnica temos Nelo Marrese caprichando no cenário, fazendo misérias com a reprodução do jornal difamatorio, com os interiores, e a mobilidade que dá à cena. Nos figurinos, nem é bom lembrar, Claudio Tovar arrasa, com figurinos dos anos 80! (Pena que ele não gosta da Dilma...Ô argentino cruel! ). Fazendo eco a tanta perfeição temos a iluminação de Luis Paulo Neném. Sem a sua precisão o espetáculo não andaria! E tem Sueli Guerra na direção de movimento, e isso já diz tudo. A pianista ensaiadora é Evelyne Garcia. E muitos outros profissionais fazem o espetáculo brilhar. Não se esqueçam, eles são 43! Nelson Rodrigues sempre foi bom fomentador de empregos! BOM ESPETÁCULO! - Ele  agora está no Teatro das Artes, na Gávea).      

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