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domingo, 6 de dezembro de 2015

"JULIETTE CASTIGADA & JUSTINE RECOMPENSADA"

"Juliette Castigada & Justine Recompensada", texto Roberto Athayde, direção Paula Sandroni.  Em cena, Betina Pons, Rosanne Mulholland e Alexandre Slaviero.  (fotos Marco Rodrigues)  

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Em cartaz, até o próximo dia 20 de dezembro, no Teatro Maison de France, o espetáculo inspirado no Marquês de Sade, intitulado "Juliette Castigada & Justine Recompensada". O texto, de Roberto Athayde, é dirigido por Paula Sandroni. No dia em que foi possível assisti-lo, o teatro deu-me uma lição de como a arte imita a vida. Pois bem, quando de minha chegada ao teatro, tive o mais insólito recebimento da parte de três policiais, dificultando o meu ingresso. Quase desisto de assistir ao espetáculo. Explico. Ameaçadoramente, as "autoridades" declararam, em gesto de prepotência, que iriam rebocar o meu carro, se não aceitasse as suas "regras". E eu, perseguida, assemelhava-me à Justine, na primeira cena da peça, quando fugia, esbaforida, dos guardas de segurança do Museu do Louvre, em Paris.
     O ocorrido com esta crítica não guarda nenhuma semelhança com o ocorrido com Justine, pois, no caso dela, era ficção... Aconselha-se a Maison de France não acolher uma viatura da nossa perigosa "Polícia Pacificadora", pois, não tendo o que fazer no local, ela põe em risco cidadãos honestos. Dito isso, iniciemos os comentários sobre a peça de Roberto Athayde, um talentoso cidadão brasileiro.
     Antes de iniciar, porém, queremos citar o prazer da boa acolhida da produção de "Justine...", fazendo com que conseguíssemos paz para assistir ao espetáculo. Respiramos descontraídas, nós, a platéia, pois já na primeira cena registramos o alto padrão do que nos é oferecido. A "caixa de surpresas" do teatro italiano abriga o texto de Roberto Athayde, que é inspirado nas duas heroínas do Marquês de Sade: "Justine - ou os Infortúnios da Virtude" e "Juliette", às quais Athayde dá um tom farsesco, tanto na "Paris dos Reis", quanto na que foi descoberta no século XXI. 
     Como sabemos, Sade (que teve sua vida criativa "reconhecida" a partir dos anos 80, do século XVIII), foi perseguido por libertinagem - ele era um "libertino" - porém considerado louco, por seus escritos atingirem extremos. Mas o que ele escrevia era pura crítica aos tempos em que vivia. Talvez, hoje, o autor francês se assustasse com o que veio depois, mas as duas heroínas de Sade, Juliette e Justine, fazem o possível para adiar a surpresa para o seu criador. Athayde as faz dormir durante 230 anos! Inevitável a pergunta: o que pensaria Sade das aventuras atuais de suas heroínas?   
     O espetáculo da Maison mostra "teatro" em sua melhor representação: texto feroz, crítica mordaz, loucura... e  farsa! As duas personagens de Sade acordam em uma Paris onde as carruagens não têm cavalos, e a moral, agora, "é tudo misturado, não tem mais preto e branco" - conclui Juliette, a má, que é adepta das "cores radicais". Filosofa-se sobre o Iluminismo e há uma discussão sobre o bem e o mal, radical! Se o espetáculo é dedicado, por sua diretora Paula Sandroni, a Antonio Abujamra, faz jus ao seu homenageado. Principalmente, a atuação de Betina Pons como a "malvada", cujos ademanes e astucias fazem a delícia da platéia. Como diz o padre, depois de perdida a sua batina (Alexandre Slaviero, outro ator louvável em timming e inteligência cênica): "Vocês são as duas dondocas mais escrotas da literatura francesa". 
     Quanto à infeliz representante da pureza, que em Sade encontrou a desgraça, nesta nova versão de Athayde ela, se no final acaba também aterrorizada pelas maldades da irmã, ao menos pode se considerar agraciada: a defensora de sua  personagem é a doce e gentil atriz Rosanne Mulholland. Pergunta-se: onde a diretora foi procurar este trio tão afinado e cujo requinte parece vir dos tempos "descarados" do reinado dos Bourbons?   
     Na caixa iluminada do palco italiano, com cortinas vermelhas e gestual 'monarquia', eis que nos são apresentados três atores cujo talento é surpreendente: Betina Pons (Juliette); Rosane Mulholland (Justine) e Alexandre Slaviero, no papel de Herdrick, um padre capuchinho prestes a abandonar a batina por não mais acreditar em Deus. Um padre! Juliette quer tanto um Cardeal! Mas agora estamos no Século XXI, e os cardeais se acalmaram, o cenário se altera, e as belas são surpreendidas em uma nova civilização, uma nova Paris.    
     A idéia é excelente, e o poder de crítica e sátira de Roberto Athayde é indiscutível. Estamos em boas mãos.     
     A cenografia, com suas cortinas e móveis à Louis XV, assim como o ambiente moderno, são criações de Nello Marrese; os figurinos (os de época e os modernos), são elaborados por Anete Cota. Os primeiros, settecentistas, representam o 'bom gosto duvidoso' da época em que nossas personagens nasceram - os outros são pontuações do século XXI (a peça de Athayde foi escrita em 2002). Paula Sandroni, além da ótima direção - pelo que sabemos foi assistente de direção de João Fonseca em "Édipo Unplugged" (2004) - Prêmio Shell de Melhor Direção. Portanto, sua visão traz uma boa escola. Atuando como Assistente de Direção temos Gustavo Arthiddoro! A Direção de Movimento é de Priscila Vidca, responsável, talvez, junto com Sandroni e Arthidodoro, pela alta voltagem na comicidade dos atores. A Trilha Musical, pensada por Paula Sandroni, traz-nos acordes de, salvo engano, "O Barbeiro de Sevilha", o que nos reporta aos revolucionários tempos de Beaumarchais.
     E por aqui ficamos: A Iluminação, excelente, é de Daniela Sanchez; Preparação Vocal, Verônica Machado; Assessoria de Imprensa, Sheila Gomes. TRATA-SE DE UM EXCELENTE - E BEM CUIDADO - MOMENTO TEATRAL. ACONSELHA-SE.       


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