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quinta-feira, 7 de abril de 2016

"NORDESTINOS"

Espetáculo "Nordestinos", direção Tuca Andrada, texto Walter Daguerre, inspiração de Alexandre Lino. Cena com os  "painéis de fuxico". (Foto Janderson Pires)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

NORDESTINOS

Atualmente temos, no Rio de Janeiro, um criador-inspirador de textos dramáticos de grande originalidade. O nome dele é Alexandre Lino. Primeiro surpreendeu-nos com “Nordestinos”, e agora estreia com outro texto por ele imaginado: “Volúpia  da Cegueira”, primeira direção de Lino, que promete ser de grande interesse para a plateia amante de teatro. Alexandre limita-se a imaginar seus temas, convidando dramaturgos para dar-lhes o tratamento final... até o dia em que, ele próprio, se reconheça dramaturgo – e esse dia não vai tardar. Tive a alegria de assistir, há poucos dias, já se despedindo do Rio de Janeiro e do Teatro Eva Herz,  “Nordestinos”, texto de Walter Daguerre, criação de Alexandre Lino e direção de Tuca Andrada. Chamara-me a atenção, a peça, por ocasião de sua estreia, no Teatro do SESI/RJ, mas compromissos impediram-me a presença. “Nordestinos” tomou-nos de surpresa, e escrever sobre ele é imprescindível.
     O que leva um ser humano a reconhecer-se artista? Há vários caminhos, e o de Alexandre Lino é marcante: em seu “relato documental” transformado em dramaturgia por Daguerre, Alexandre surpreende-nos com a inesperada tomada de consciência de sua vocação. Descontente com a experiência de trabalho no Rio de Janeiro, ouviu o conselho do irmão que, por considerá-lo tímido, receitou-lhe “um curso de teatro”. Foi o suficiente para o pernambucano Lino se reconhecer (e ser reconhecido) como ator!    
     Após essa brilhante descoberta, Alexandre Lino criou uma Companhia de Teatro, dedicada ao ‘Teatro Documentario’. “Nordestinos” é a sua quarta experiência no gênero, e a sua atual “Documental Cia.” nos brinda com várias outras escolhas bem sucedidas.  O espetáculo a que me refiro se inicia com uma demonstração de teatro de mamulengos indicando o caminho que vamos seguir, nós, o público. Ideia excelente, que introduz a plateia em um mundo muito particular. E, mais interessante ainda, o seu idealizador insere no espetáculo um ‘glossário’ para explicar o mundo e as palavras daquele “país-região”: o Nordeste. Diga-se de passagem (e todos nós o sabemos), o nosso país-continente possui, em cada região, uma maneira peculiar de falar. Assim, somos confrontados com uma divertida brincadeira de reconhecimento de nossas diferenças. Um achado.
     O idealizador do espetáculo também participa do elenco, ou participava... pois agora esstá envolvido com “Volúpia da Cegueira”, e não o assistimos em “Nordestinos”. Essa peça segue em apresentação no Rio e depois viaja por diversas cidades brasileiras. A direção, precisa e divertida, é de Tuca Andrada, um mestre em espetáculos dessa categoria: comédia inteligente! Vamos ao espetáculo. Antes, porém, uma observação: o dia em que o assistimos, “Alexandre”, um dos personagens, era interpretado pelo ator Murilo Sampaio, em ótima interpretação do ‘alter ego’ de Alexandre Lino.
     A historia é contada em episódios, desenvolvidos graças ao expediente criado pelo seu idealizador, que solicitou cartas de nordestinos radicados no Sul (Rio de Janeiro e São Paulo), contando as suas aventuras na região. O assunto foi tanto que rendeu um livro, editado pela Giostri, e um documentario que está sendo filmado para ser apresentado ao público nordestino, em noite de convite especial.
     São quatro atores contando as aventuras que todos nós conhecemos,  historias do Nordeste e o confronto com o Sul. Mas há um novo olhar sobre a questão, e estamos bem longe de tudo o que nos contou João Cabral de Melo Neto em “Morte e Vida Severina”. É bem melhor assim, pois o que assistimos foi uma historia contada, com altos e baixos, mas muita alegria. Os personagens nos relembram, comunicando-nos: “poderiamos ter montado Saussuna, ou Nelson Rodrigues” (que também são pernambucanos, como  Lino!), mas resolveram trilhar o próprio caminho. Excelente ideia. O elenco, formado pelo cearense Paulo Roque, a paraibana Rose Germano, e a pernambucana Erlene Melo, salvo engano, já nossa conhecida da peça  “Domésticas”, e Murilo Sampaio, um advogado-ator, que está substituindo Alexandre Lino. O olhar alegre (e digno), que eles nos transmitem, é um fator de encantamento. São pequenos episódios, rimados pela musica de Alexandre Elias, encarregado desse acerto musical que é a historia da musica do Nordeste. Há despedidas, à la Caetano Veloso, sim, mas breve e passageira, como são as canções da esperança de tempos melhores. E Alexandre Elias acertou.         

     A iluminação de Renato Machado - como sempre - é um espetáculo à parte. Iluminador de grande sensibilidade, ele nos brinda, em um dado momento do espetáculo, com “silhuetas” refletindo a ação dos personagens. Karlla De Lucca, cenógrafa e figurinista, prepara o palco para a “tela de painéis”, nos quais se reproduz a cena das silhuetas e a dos bonecos de mamulengos, e onde se refletem os desenhos dos “bordados de fuxico” - uma citação à arte pernambucana. A elaboração dos figurinos, feita por Karlla, são simples reproduções do cotidiano nordestino. Trata-se de um trabalho que flui, com perfeição. O movimento dos atores e a preparação corporal está a cargo de Paula Feitosa. É um prazeer vê-la de volta aos palcos: seu trabalho com os atores é digno dos melhores aplausos. A ficha técnica é um acerto só. Assistência de Direção e Dramaturgia: Fabricio Branco. NÃO PERCAM “NORDESTINOS”! AINDA HÁ TEMPO PARA CONFERIR.              

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