Páginas

terça-feira, 12 de julho de 2016

"KRUM"




                                                             Foto "KRUM" (Nana Moraes)

"KRUM". Autoria Hanoch Levin, direção Marcio Abreu.
(Foto de Nana Moraes) 
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     KRUM, do dramaturgo israelita de origem polonesa, Hanoch Levin (tradução de Giovana Soar, adaptação do diretor Marcio Abreu e de Nadja Naira, tradução do hebraico de Suely Pfeferman Kagan), é uma peça psi. Explico: ela vai se escrevendo através das idiossincrasias de seus personagens e, aos poucos, no decorrer das cenas limitadas por blackouts, as "neuras" dos jovens (e não tão jovens) começam a se tornar visíveis, formando um texto possível. A ação se passa em de um lugarejo perto de Tel Aviv, ou em seus arredores - wherever - o fato é que  vive-se em um lugar claustrofóbico. Tal façanha nunca foi fácil, como sabemos.

     Podemos dizer que o mais interessante na "musculatura" da peça é o relacionamento entre mãe e filho. O autor não abandona o arquétipo "mãe judia", mas o faz com total independência dos mestres na questão (não vamos falar em Woody Allen, por favor!), pois nos encontros e desencontros dessa dupla, na peça, grita-se, sim, o tão famoso relacionamento umbilical de dominação materna. Mas, olhem só: há uma interdependência quase escandalosa; há, sublinhando o "quase indecente" da cena, uma antológica interpretação de Grace Passô, que pode transformar em expressão (cênica) tudo o que o autor quer transmitir. Danilo Grangheia, o filho, acompanha à altura o desempenho desenfreado dessa atriz, que está perfeita tanto em seu papel de mãe quanto em sua transformação em mulher fatal (aliás, outro dos grandes momentos do espetáculo, dirigido a "corações de aço!"). Embora com as presenças fortes de Passô,  Sorrah (Renata), e Vianna (Inêz), quem está encarregado de dar estrutura à peça é Danilo Grangheia, (aliás, a "estrutura" dessa peça é algo interessante e fora do comum).

     Estamos lidando com seres medíocres e desinteressantes. Muito bem. Mas tal espécie a temos em qualquer latitude. O que o elenco, diretor e demais agentes dessa produção teatral, conseguem, é nos confirmar o desespero em torno de algo tão insólito. Mais perfeito não poderia ser.  Grangheia, em seu personagem Krum, por exemplo, retrata o desespero sem se deixar sugar pelas aflições do personagem, apesar de sua entrega total. Aliás, as frustrações existem porque nenhum dos habitantes do lugar percebe "que a vida é uma causa perdida", como diria o nosso querido mestre Antonio Abujamra. Mas Levin, como não é brasileiro (e esse é um de seus grandes defeitos), não consegue transformar tudo o que vemos em cena, em algo verdadeiramente insólito, para nós, que estamos vivendo o insólito em nosso dia a dia. Mostram-se bumbuns, fala-se palavrões, desgosta-se com a vida, mas não ficamos impactados, como acontece  no espetáculo do Grupo Galpão, outra direção de Abreu, porque os habitantes desse lugar, em KRUM, estão em um lugar fora do mapa, perto de Tel Aviv, lugar esse que não nos fala ao coração, como nos fala o Brasil atual!

     Mas não é isso o que o diretor Marcio Abreu está querendo nos dizer, quando escolheu este texto para montar com a sua companhia brasileira de teatro. Ele estava pensando nas guerras, no obscurantismo, nos nacionalismos crescentes ...  porém, o que assistimos na peça é o retrato da vida refletida na pobreza do cotidiano de pessoas comuns. Elas parecem tão pequenas, em seus pequenos problemas, mas são, pensando bem, estes problemas que movem o mundo! Neste segmento das pessoas que "movem o mundo", em sua pequena/grande reprodução e inutilidade, vamos ver refletida a personagem de Inêz Viana, patética em sua inadequação para a vida. Ponto para Vianna. Não lhe fica atrás Renata Sorrah, interpretando a mulher apaixonada em seu pequeno mundo do "amor a qualquer preço". Sorrah e sua intensidade artística - dessa vez conduzida com bom humor e certa visão critica - não caindo em dramaticidade desnecessária. Ah! Quem não gostaria de ter Renata Sorrah em seu elenco?

     Os atores são muito bons. Há Rodrigo Ferrarini, como o apaixonado; Ranieri Gonzalez, o homem que resolveu viver; ou Edson Rocha, Cris Larin e Rodrigo Andreolli, tornando possível um espetáculo inovador, em se tratando desse povo tão sem chama própria, como é a pequena burguesia de uma cidade do interior - ou "dos arredores de uma grande cidade", como quer o autor Levin.

     Não foi possível esconder o horror que nos causa Israel e suas guerras. Talvez a intenção do autor seja esta mesma: causar repulsa. Conseguiu. E o diretor conseguiu dar continuidade ao seu trabalho, "um fator essencial" - segundo ele, manter viva uma companhia, apesar dessa condição política adversa que se estabeleceu em nosso Brasil. O eco dos acontecimentos recentes (estamos em julho de 2016), ainda não se refletiu em sua "companhia brasileira", e o diretor está certo, ao procurar mantê-la viva. Coisas terríveis acontecem neste mundo, e a peça trata justamente do tipo de pessoa que só se preocupa com problemas de seu  cotidiano, enquanto o mundo ferve, e o egoísmo impera. Também nesta pequena sociedade, retratada em KRUM, o egoísmo impera.

     Diz o autor Levin, que se trata de uma "comedia". O que mais se aproxima deste gênero, em se tratando de KRUM, é o relacionamento do filho amante, o homem desinteressado em outras mulheres, até o momento em que vê surgir a cópia da mãe, em uma mulher livre e "fatal", que transforma o arquétipo - "a mãe judia" - em um problema freudiano. E há  um segundo momento em que podemos considerar o texto uma "comédia": a maneira pela qual os homens vêem aquela que surgiu "de um mundo estranho", até o momento em que "a mulher" (interpretada por Grace Passô ),  se transforma em modelo de transgressão.     


     Passô, Grangehia, Sorrah e Vianna nos brindam com momentos convincentes no espetáculo. De difícil andamento, para uns; de possível inovação, para outros, assim KRUM surge, no mundo teatral brasileiro. Não deixa de ser algo incomum, mesmo neste rico mundo que se apresenta, atualmente, no teatro carioca. Temos na ficha técnica a direção de movimento da grande Marcia Rubin, que transforma Grace Passô em quase uma bacante, na cena erótica com o "italiano" (será Rodrigo Ferrarini?), em excelente jogo cênico. O movimento dos atores, em sua totalidade, é preciso, incorporando e acentuando a personalidade de cada um. Ponto para Rubin. E as várias modalidades que se entrelaçam, nesta transformação da concepção de cenário (KRUM entra nesta "concepção pós-dramática"?), se podemos assim chamar, o pós-dramático tomou conta da cena atual, quando um certo "simbolismo" (ou o mistério que nos ronda) torna-se uma complementação da imaginação - ou do "caos" - levado em cena. O cenário é de Fernando Marés. Iluminação precisa de Nadja Naira; efeitos sonoros e trilha de Felipe Storino. Figurinos (ótimos) de Ticiana Passos. Interlocução artística, Patrick Pessoa. Assessoria de Imprensa, Factoria Comunicação.  VALE Á PENA ASSISTIR KRUM!          

Um comentário:

  1. Oi Ida, acabei de chegar do teatro. Ver "Krum" depois de ler a sua crítica faz toda uma diferença. Seu olhar é fundamental para a gente apreciar ainda mais o espetáculo. Beijos.

    ResponderExcluir