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sábado, 24 de setembro de 2016

"CHICA DA SILVA - O MUSICAL"

Vilma Melo interpretando "Chica da Silva - O Musical", produção Alexandre Lino, direção Gilberto Gawronski, texto, Renata Mizrahi (Foto de Janderson Pires)
Cena de "Chica da Silva - O Musical" (Foto de Janderson Pires).

                    IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de                         Teatro - AICT)
                       (Especial)

    "CHICA DA SILVA - O MUSICAL"
     Em cena, no Centro Cultural dos Correios, um musical diferente. Delicadeza, sutileza... e revolta!  Estes são os seus atributos. Dança aleatória? - nem pensar. Os gestos dos atores possuem significados intrínsecos, e potencializam conhecimentos ancestrais. Nada ali  é gratuito. Estamos falando de "Chica da Silva - O Musical", texto de Renata Mizrahi, direção, Gilberto Gawronski, produção de Alexandre Lino e Daniel Porto. A ideia é homenagear Zezé Motta, a nossa primeira Xica!

     A cena aberta é potencializada por música ao vivo (os músicos Di Lutgardes, Reginaldo Vargas, Victor Durante e Tássio Ramos são excelentes e participam, com sua atuação, no conjunto do espetáculo). Os atores entram, no batuque inicial, e se benzem diante de um altar, nele colocando as suas guias. A ação é acompanhada por um "canto velado" dos atores, como ondas batendo na praia, ao som dos atabaques: "Chica-da... Chica-da...".

     E começamos a  perceber o que se desenvolve na cena - a ação em três  tempos: o passado (a história do Tijuco, de Chica e João Fernandes); o plano do "vir a ser" - é quando a imaginação das duas escravas, Francisca Crioula e Chica da Silva, trabalha - e também tem o plano do presente. Os três planos, na dramaturgia de Renata Mizrahi, mostram o caminho da negritude até o momento de sua conscientização. Muito poética, a intervenção de Francisca Crioula (interpretada por Ana Paula Black), no tempo do sonho.  

     Sim, o texto de "Chica da Silva" levanta, poeticamente, o problema do "ser  negro" e, através da vida de uma mulher, nos faz caminhar pela historia da negritude. Estamos na presença de uma historia trágica, contada de maneira original: Renata Mizrahi criou, para essa Chica, um texto racional, que anda de mãos dadas com o lirismo. Caminho nada fácil, sustentando-se a partir de cada momento vivido.

     ... E vamos nos aprofundando, cada vez mais, no problema, até perceber a possível "tomada de consciência" de todas as Chicas, ao nos confrontarmos com Vilma Melo em sua forte interpretação da Chica moderna! Um belo e importante trabalho. A direção de Gilberto Gawronski levanta, com mão firme, o impasse, e faz dessa Chica, - interpretada pela excelente Vilma Melo - em seu primeiro protagonismo - a mulher negra que não abdica da compreensão de sua particularidade (enquanto etnia).

     O jogo que o diretor estabelece, entre a Chica do Tijuco - suspensa e dependente de João Fernandes, no tempo do passado, a Chica "sonhadora e irrefletida" que convive com seus iguais no tempo do sonho e, no plano do presente, a negra moderna,as três personagens interpretadas com arrebatamento por Vilma Melo.

     Interessante observar, nesta montagem de Chica, o forte impasse entre etnias, neste Brasil mulato. Somos, pelo lado dos portugueses, descendentes de "mouros", dos quais nos vem a raiz portuguesa e espanhola.Pois, talvez inconscientemente, neste trabalho os representantes dos "brancos" não são brancos, e o caminho que leva ao desempenho de Luciana Victor, por exemplo, como a mãe branca, é o tortuoso caminho dos brancos brasileiros. Até em seu figurino (de Karlla de Luca), a mãe do noivo é "espanhola", com seu traje vermelho e seu cabelo à sevilhana, fazendo uma leitura sociológica dessa raiz.

      Veremos que nem mãe, nem filho, na cena considerados brancos, realmente o são. Certo, pode ser uma "licença poética", mas a cena, delicada, não se oculta, e é vencida pela luta inglória. Os atores são belos exemplares de brasileiros, mas, como nós não somos um país de brancos, Tom Pires (o filho), acaba nos trazendo uma simpática composição do "noivo branco", sem o ser... O mesmo acontece com João Fernandes, um bom português mestiço, interpretado por Antonio Carlos Feio. 

     Escrever sobre "Chica da Silva" é complicado.  Zezé Motta e André Paes Leme deram a largada para o texto (o trabalho inicial dos atores foi de Zezé), e dar continuidade a esse trabalho ficou por conta de Mizrhai e Gawronski. "Chica da Silva - O Musical" nos apresenta uma intérprete magnífica e as músicas foram compostas para o momento, por Alexandre Elias. Elas são marcantes. E há, também, as músicas tradicionais, fazendo homenagem a Zezé, como a "Xica" do Jorge Bem, e algumas de Luiz Melodia! Destaque para a interpretação de Vilma Melo, e o seu cantar.

     O cenário lembra, na forma, as criações de Beatriz Milhazes. Uma  geometria de círculos suspensos no espaço, fabricados com a palha que leva à arte primitiva, incorporando altares. Aliás, a iluminação de Renato Machado, em conjunto com a criação de Karlla de Luca, dá ao palco um clima de fé, oferendas e de súplicas... E o elenco, ao fundo, acompanha a cena das oferendas, dando, com sua dança, o ritmo da cerimônia. 

      Outros aspectos do espetáculo, que não podem ser esquecidos, são a preparação vocal de Ananda Torres e a direção de movimento de Carlos Muttalla. Complementando a ação, há frases que acentuam o aspecto emblemático que a envolve: "Todas as cores são minha pele", em uma alusão ao preto, que também é a mistura de todas as cores... ou, "Sempre é uma palavra transgressora", frase essa que une a esperança à descrença. Essa frase é enfaticamente repetida por João Fernandes (Antonio Carlos Feio), em sua correta interpretação. É UMA EXPERIÊNCIA INTERESSANTE ASSISTIR A "CHICA DA SILVA - O MUSICAL". 
NÃO PERCAM !!!!!         









Um comentário:

  1. Estamos com tantas opções de boas peças teatrais no momento, que eu nem tinha pensado em assistir a essa. Pronto, mudei de ideia. Você está no Rio? Beijos.

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