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domingo, 5 de novembro de 2017

"DANÇANDO NO ESCURO"

Elenco de "Dançando no Escuro", de Lars vo Trier, adaptação teatral de Patrick Ellsworth. Ao centro, Juliane Bodini e Greg Blanzat, o menino, seguidos por componentes do elenco. 

Elenco de "Dançando no Escuro", de Lars von Trier. No Brasil, direção de Dani Barros. 
(FOTOS DE ELISA MENDES)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro o- AICT)
(Especial)

DANÇANDO NO ESCURO

     Eis um espetáculo que não é só para a gente assistir e ficar por isso mesmo! Ele permanece conosco, a aí vamos assistir o filme, e novamente o teatro, para ter certeza se isso aconteceu mesmo... Temos a impressão de que é vida real, e bem poderia ter sido. Quantas injustiças com pena de morte não acontecem naqueles famigerados EUA!

     Mas não esqueçamos "Dançando no Escuro" no teatro, no Brasil, Rio de Janeiro. Foi a primeira direção da atriz Dani Barros (que teve como mestre, em sua formação, Antonio Abujamra), inspiração (e incitação) de Juliane Bodini e Luis Antonio Fortes! Foi também a primeira vez que Lars von Trier liberou o seu texto e argumento para com ele se fazer teatro. A adaptação consentida foi feita por Patrick Ellsworth. No Brasil, os direitos foram comprados em 2015, e sua estréia se deu no Rio de Janeiro, em 2017.

     Marcelo Alonso Neves dirigiu a parte musical. Para vocês terem uma idéia, este estranho espetáculo decorre todo em torno dos ensaios da "A Noviça Rebelde" que é também um pretexto para as músicas. Pelo que deduzimos, é cantando e interpretado por amadores de uma cooperativa de teatro organizada pelos operários da metalúrgica na qual Selma Jezková, uma quase cega, trabalha.

     Os absurdos feitos por Jezková para salvar o seu filho da cegueira congênita já começam a contar desde a sua escolha para trabalhar. Uma cega trabalhando em máquinas de corte? É desastre na certa. Tudo bem, trata-se de Lars von Triar, e as emoções se iniciam com o começo da peça.

     Nesta montagem, sonhada por Juliane Bodini e Luis Antonio Fortes (ele faz, muito e bem, o apaixonado de Selma), há músicas criadas por Bjork e executadas por Vanderson Pereira (multi tecladista), Johnny Capler (Baterista), Allan Bass (baixo) e Dilson Nascimento (multi tecladista). Dois deles são cegos, Vanderson e Johnny. Enfim... no final de algumas sessões há aulas de libra para inclusão e profissionalização de pessoas carentes. O "teatro humanitário", como deveriam ser todos os teatros.

     Outro senão interessante é que os atores se reportam, discretamente, ao momento atual em que vive o Brasil, terminando com "A Última Canção", da sofrida Selma. Jeff,  seu namorado, como ator Luis Antonio Fortes replica, desde o palco: "Não será a última canção "eles" não nos conhecem..." (referindo-se à possibilidade de o momento político atual tentar calar a boca dos artistas de teatro (e de outras artes). Para os atores de "Dançando no Escuro", isso não vai ser fácil.  E não será, mesmo, para todos os artistas!

     Tradução fiel ao contexto, de Elidia Novaes. O que podemos chamar de "O Calvario de Selma" começa no Segundo Ato. Sim, o belo Teatro "SESC- Ginástico" nos leva ao "Segundo Ato"... e vamos, em um crescendo, em direção à iniquidade do ser humano, à sua falsidade, à sua maldade - e Selma Jezková, atônita, percebe, finalmente, essa maldade.

     A primeira vez que assistimos à peça, pensamos que Selma queria morrer, pois as tolices que fazia, em direção a um final trágico eram óbvias ( faziam parte do texto de Trier, ele não confia na Humanidade, e muito menos nos Estados Unidos). Depois de confrontar filme e peça chegamos à conclusão de que Selma era uma pessoa boa (os perigos da bondade), e foi cruelmente colhida por suas qualidades. Juliane Bodini também é boa, e diz, ao citar a importância de montar "Dançando no Escuro": "É preciso enxergar o outro".

     A escolha do elenco é feita a dedo: temos o menino, interpretado por Greg Blanzat, um ótimo ator-mirim que leva o público às lágrimas. Há também Cyrua Coentro interpretando a amiga Carmen Baker, outra aquisição para o nosso teatro (não a conhecia), ou Julia Gorman interpretando a fútil Linda Houston, a causadora da tragédia. Há Suzana Nascimento no papel da guarda Brenda Young, um ser humano que leva um pouco de humanidade (boa) para a prisão. (Há situações-limite, porque esta peça é um musical trágico, finalmente! Aliás, há uma velada crítica aos musicais que nos rondam (tudo Hollywood), cujos cantos "nascem do nada"...).

     O elenco de "Dançando..." é bom, e não deixa nada a dever. Há Lucas Gouvêa, que desencadeia a tragédia interpretando o personagem de Bill Houston, o policial, marido da fútil Linda. E os professores e encarregados do serviço na fábrica: Andreas Gatto (Samuel), Marino Rocha (Norman).

     Direção de Produção de Jéssica Santiago. Toda esta produção, bem cuidada, é apoiada pela iluminação belíssima de Felicio Mofra; cenário de Mina Quental, reproduzindo, de forma pós-moderna, o interior de uma fábrica. E o figurino, marrom, sóbrio, de Carol Lobato. Direção de Movimento e Coreografia (ponto para Denise Stutz). Sapateado: Clara Equi, que também colabora com a Coreografia. Preparação Corporal, Camila Caputi. A parte da preparação musical e das danças está muito bem assessorada. Aliás, a direção de Dani Barros também é brilhante. A Versão das canções é de Marcelo Frankel e Juliane Bodini. (A atriz já foi indicada ao Prêmio Bibi Ferreira por sua participação como coadjuvante em "Cassia Eller - O musical"). Bodini é uma ótima surpresa, e possui uma voz privilegiada.  

NÃO SABEMOS SE O ESPETÁCULO VOLTA AO CARTAZ. ULTIMAMENTE, DEVIDO AO POUCO ESPAÇO DEDICADO AOS ESPETÁCULOS QUE ESTREIAM, EM GERAL ELES AMPLIAM A SUA PRESENÇA NA CIDADE INDO PARA OUTROS TEATROS. NESTE CASO, DESEJAMOS VIDA LONGA PARA "DANÇANDO NO ESCURO".                    

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