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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

"TRIPAS"

Ricardo Kosoviski e as "Tripas". Autoria e direção Pedro Kosoviski.
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Interessante como uma peça de teatro pode proporcionar várias leituras. No último semestre de 2017 estive fora do Rio e, em conseqüência, não assisti às últimas estreias do ano. Mas não fiquei sem notícia das mesmas, pois as nossas boas amigas do teatro, as da divulgação, sempre enviaram aos críticos press releases e convites para as estreias. Eu não pude corresponder aos cuidados de Catharina Rocha, por exemplo,  porque estive em andanças entre Rio Grande do Sul e Amazonas,  aproximando-me dos afetos.
     Felizmente há a retomada, há as reestréias. E este 2018 já me proporcionou assistir "Tripas" e "Tom na Fazenda" - sendo que os próximos teatros serão "Boca do Inferno" e "Alice Mandou um Beijo"... E também há estreias! Como essa dos Fodidos Privilegiados, "Pressa", com direção de João Fonseca e Nelo Marreze. E também vem  Bia Lessa, de São Paulo, nos trazendo Guimarães Rosa e seu "Grande Sertão" nordestino.
         E viva o Rio de Janeiro!
     Ao recuperar, agora, as peças que não assisti em 2017, vejo-me na plateia de  "Tripas", texto de Pedro Kosovski, interpretado por Ricardo Kosovski. Eis que, a talentosa família (há ainda a filha de Ricardo, Lídia Kosovski, no cenário, e Marina Kosovski no design gráfico.
     O que quero dizer neste início inusitado de crítica (como também inusitado o espetáculo), é que fui assistindo e fazendo a minha "leitura" da peça e, quando vi aquela "lula" sendo jogada em cena por Ricardo, não a associei à semelhança com o intestino grosso (o ator carregou uma verticulite aguda), mas a considerei uma citação ao nosso ex-futuro presidente. Quando, no final, há o beijo entre homens, liguei-me nos episódios recentes em que o beijo entre iguais é abominado pelos 'cegos de plantão', e dei razão, mais uma vez, ao diretor (e autor) Pedro Kosovski. Pensei: "teatro é vida, e os acontecimentos políticos fazem parte da vida, por isso o teatro é tão perseguido".  
     Faz sentido, a minha interpretação. Aconteceu assim porque não quis me influenciar pelo press de Catharina Rocha! Tudo aconteceu por causa da minha teimosa: resolvi  assistir munida apenas de visão artística! Ledo engano. Segundo o autor, esta peça é "uma autoficção, onde falo através de meu pai".   
     Mas, impressionada com a interpretação de Ricardo Kosovski, comecei a pensar que temos, neste monólogo, um grande ator e seu personagem. Na verdade, a frase "eu quero agradar vocês", dirigida à platéia inúmeras vezes durante o espetáculo, eu a tomei como uma celebração da vida! Pois bem. A verdade é que a vida de Kosovski passou por um terremoto, e vamos reencontrá-lo com a sensibilidade à flor da pele! Sim, ele esteve entre a vida e a morte, e agora festeja a vida, e repete, às vezes de maneira carinhosa, às vezes obsessiva: "eu quero agradar vocês". Estas palavras referenciam a ação!
     E tudo começa no Golfo de Ácaba - fronteira do Oriente Médio com Israel, perto do Monte Sinai! - onde pai e filho foram buscar a sua historia, as suas raízes. E o texto se constrói a partir destas descobertas. É surpreendente a movimentação corporal de Ricardo, que já nos pega na primeira cena! À medida que a peça caminha as surpresas vão se multiplicando e desistimos da leitura "dos últimos acontecimentos políticos no Brasil", e embarcamos no talento do ator. O que Ricardo Kosovski nos proporciona são momentos surpreendentes de teatro. Estamos na presença de um dos grandes atores cariocas, seu domínio sobre a platéia é total. O inusitado da proposta nos dá a certeza de que testemunhamos algo excepcional: a doença e a cura - e, para a platéia não se recusa nada! Parafraseando Ricardo, trata-se de um trabalho que faz "Das tripas... autoficção"!

     Na Ficha Técnica temos, além dos já citados, a magnífica iluminação de Renato Machado e a música de Pedro Nêgo, com direção musical de Felipe Storino. (e direção de movimento - adorei! - de Toni Rodrigues). Assistente de direção Julia Stockler; Video: Lourenço Monte-Mór;  Interlocução  artística: Renato Ferracini. 

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