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domingo, 18 de março de 2018

"PARA ONDE IR"

Yashar Zambuzzi  em "Para Onde Ir", direção Viviane Rayes. (Foto Lu Valiatti)   

IDA VICENZIA
(da  Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

PARA  ONDE  IR
     ... E volto à questão do espaço cênico. Há, no Rio de Janeiro, pequenos teatros que passaram a ser cult devido aos espetáculos neles celebrados. No caso, e especialmente, o Espaço Rogerio Cardoso, no "porão" da Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema. Trata-se de um espaço privilegiado, pela intimidade que transmite entre a cena e  o espectador. Em um passado recente tivemos oportunidade de constatar a experiência, através dos mesmos artistas que agora estão em Para Onde Ir.
     Blackbird, o texto do passado em questão, de autoria de David Harrower, nos colocou diante de questões humanas, como a pedofilia.
      Para Onde Ir  nos coloca diante de outras questões humanas.  
      Viviane Rayes e Yashar Zambuzzi, cuja intervenção na cena teatral é conhecida como  "teatro de ação", abrem o espetáculo para acontecimentos do presente, às vezes inspirado em  cenas do passado. Eles operam com a ficção - dramaturgia ou não - refletindo a vida real. Em sua última encenação, Para Onde Ir, (adaptação de Zambuzzi para os textos de Dostoiévisli, Rimbaud e Brecht), está incluída a verdadeira tragedia que se apoderou do povo brasileiro nestes últimos anos, e da qual vemos o reflexo no desolador espetáculo dos moradores de rua. Vemos o povo brasileiro em abandono, como cidadão e como ser humano. Zambuzzi pesquisou essa realidade.
     Em resumo: ao acompanhar a montagem destes dois artistas, constatamos que se trata de um caminho difícil, onde o solidário e o generoso se expõe. Essa transposição do bêbado, em Dostoiévski, para os acontecimentos brasileiros é de ligação difícil, mas não impossível. Não esqueçamos que o autor russo lutava contra vários vícios. O que importa, agora, é que o grande romancista era grande conhecedor da alma humana e Zambuzzi-Rayes souberam operar este conhecimento, em favor do espetáculo. 
     Em Para Onde Ir há uma homenagem de Zambuzzi a Bertold Brecht com o refrão da poesia A Infanticida Maria Farrar,  que acompanha e dá vida ao espetáculo.
     Eis o refrão - "Os senhores, por favor,/ não fiquem indignados,/ pois todos nós precisamos de ajuda,/ coitados.//" - e ele é repetido, a cada "transgressão" do personagem. Talvez uma solução do adaptador para mostrar o lado escuro de nossas almas?
     O texto do espetáculo é rebuscado e difícil de acompanhar, apesar de sua vibração poética. Tal vibração nos faz admirar a presença de grandes poetas... e da generosidade do ator!
     Aliás, uma das características marcantes do espetáculo é a generosidade com que o ator abre seu coração, e sua voz, para levar ao público a miséria do protagonista, e tentar compreendê-la! Também é sensível a estréia de Viviane Rayes na direção, completando com dignidade a tarefa que se propôs.
      Estamos em um bar-teatro, muito bem armado pela cenografia (de Zambuzzi e Rayes), onde objetos antigos convivem com um envolvimento de adega - com suas rústicas paredes de pedra. O  cenário também é idealizado pelo casal de artistas. A registrar, na noite da apresentação do espetáculo em seu penúltimo dia em cena, a presença de uma  senhora dotada de natural talento para expressar uma resposta aos acontecimentos. Registrada a presença, o ator contracena com a senhora (alias, Smerdiákov contracena com o público em geral), e é impressionante a compreensão deste público ao sentimento de exclusão do personagem (exclusão em todos os aspectos, principalmente a social) transmitido pelas cenas.
     Na ficção, o personagem é extraído do romance Crime e Castigo, do autor russo, com passagens pelo inferno de Rimbaud. Interessante observar que, através da pesquisa para criar o personagem, o ator Yashar Zambuzzi conversou com moradores de rua. E  testemunhamos, no texto que nos é apresentado, a inclusão do catolicismo desenfreado do autor russo. Catolicismo esse que encontra eco nos moradores de rua brasileiros. Não é à toa que somos um país católico... mas o catolicismo de Dostoiéviski, na proporção do impacto da cena, impressiona pelo seu desespero.
      Eis um ótimo espetáculo que nos deixa, talvez para sempre, porque (se imagina), não é todo dia que um ator se propõe a tanta submissão ao personagem. Em compensação, teremos o retorno de Blackbird, em futuro não muito distante. Feliz retorno! Os espetáculos de Rayes-Zambuzzi são sempre carregados de bom teatro! Não percam!
FICHA TÉCNICA: Além dos já citados temos - Iluminação: Elisa Tandeta; Trilha Original: Chico Rota; Figurinos: Rogerio França; Ilustrações do Programa (ótimas): Raphael Jesus; Fotos de Cena: Lu Valiatti; Idealização: Te-Un TEATRO; Produção: Rayes Produções Artísticas; Assessoria de Imprensa: Minas de Ideias.



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