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sábado, 24 de setembro de 2022

         SIMPLES ASSIM

        Pedroca Monteiro, Julia Lemmertz e Georgiana Góes em Simples Assim, direção Ernesto Piccolo.  (Foto Victor Hugo Ceccato)

Ernesto Piccolo e a atriz Julia Lemmertz ensaiando Simples Assim.
 (Foto Victor Hugo Ceccato)


 IDA VICENZIA 

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     Volta ao cartaz, no Teatro dos 4, Gávea, Rio de Janeiro, o espetáculo Simples Assim, extraído do livro de crônicas de Martha Medeiros, em versão para teatro de Martha e Rosane Lima. Idealização: Gustavo Nunes. Direção de Ernesto Piccolo.

     Rosane faz uma interessante observação, no programa da peça: “como na colagem de um quebra-cabeças...” E foi o que aconteceu, quando as autoras misturaram os dois livros de crônicas de Martha Medeiros: Simples Assim e Quem Diria Que Viver Ia Dar Nisso, que resultaram na divertida ilustração de nossos dias, que assistimos no palco do Teatro dos 4. Ernesto Piccolo, e sua segura direção, têm muito a ver com a animação do espetáculo.

     Entramos no teatro, lotado, e percebemos o curioso cenário de Clivia Cohen: dois móbiles que se encarregam da movimentação da cena. Eles podem se transformar em bancadas de telejornal, em poltronas... e, ao fundo da cena percebemos um sem número de telas e nos perguntamos se não seriam suportes para projeções? Sim, a ambientação cênica de Clivia Cohen e as projeções de Rico Vilarouca e Renato Vilarouca, nos fazem imaginar que estamos na presença de vários atores em cena! O início do espetáculo nos mostra um excelente Pedroca Monteiro como âncora de um telejornal, contracenando com a atriz Julia Lemmertz que está hilária, interpretando uma diretora de cena. Aliás, esta abertura do espetáculo nos dá uma amostra do que virá depois. O público se delicia com o que lhe é mostrado, nesta primeira cena, através da fala do apresentador. 
     
       É nesta cena que Julia Lemmertz faz uma homenagem à região em que nasceu, o Rio Grande do Sul, falando com o gostoso sotaque gaúcho. Uma brincadeira de Ernesto Piccolo, este diretor que possui mão segura para desenvolver espetáculos divertidos, como é o caso de outro sucesso seu, e texto de Martha Medeiros: “Doidas e Santas” que, nas mãos de Ernesto Piccolo e da atriz Cissa Guimarães teve casas lotadas enquanto em cartaz. O mesmo vai acontecer com Simples Assim, que voltou em 2022 e do palco não sairá tão cedo. Casa lotadas, e o recado final, em altos brados, estremecendo a plateia - "All You Need is Love"! (dos Beatles...). 

     Continuando... outra vez Rosane Lima (coautora para o teatro de Simples Assim), se referindo à “colagem” de cenas em que se transformou o espetáculo: “Era preciso escolher um formato para a dramaturgia (diz Rosane), e a lembrança de "Ronda", peça de Arthur Schnitzler, nos deu a ideia de uma estrutura circular, com as personagens se revezando”.

     A assim o público vai tomando conhecimento dos aspectos dessa vida que nos foi dada para viver. E morrer... Temos Georgiana Góes interpretando a Morte, assombração que pega  também os poderosos e corruptos! Assim, ficam devidamente enumerados os morceaux de bravure destes três atores: Pedroca,  Georgiana e Julia. Esta última, em outro momento, em destaque, percorre a Boca de Cena interpretando uma viciada em telefone celular! 

       Ernesto Piccolo, o diretor, nos mostra do que é capaz o seu elenco. Destaque para um minuto de fama do Assistente de Palco (salvo engano Alessandro Santos), que compõe o enfermeiro aguardando a saída da "drogada" em celular. 

     E finalmente vamos contar um pouco sobre o que é o espetáculo. Os dois livros de crônicas de Martha Medeiros, acima mencionados, nos levam a uma avaliação dos tempos modernos do Segundo Milênio. Calmamente, vai o espetáculo narrando os nossos dias atuais, o que acontece com o nosso Brasil. Assim, temos o apresentador de TV que se revolta com as noticias que é obrigado a dar, e resolve pedir demissão! Pedroca, o apresntador, está excelente em cena. Vemos ainda as várias maneiras pelas quais a mulher que trabalha (em nossos dias), consegue criar, para se furtar ao stress de não poder cumprir os seus compromissos sociais... ela inventa uma substituta para as coisas da vida! Uma sósia! Ou a cena das irmãs resolvendo uma difícil relação...

     Ou... Simples Assim...! Não quer mais aquele relacionamento?  Diga NÃO! Você não quer mais aquele patrão? Diga NÃO! Brechtiano? Mas, infelizmente,  o subordinado de A Exceção e a Regra não conseguiu dizer não... Os atores de Piccolo nos mostram o caminho do Simples Assim... dizer NÃO!
 
     Simples Assim? 

    E Viva o Teatro! Viva Ernesto Piccolo, o diretor. Viva Julia Lemmertz. Georgina Góes. Pedroca Monteiro. 

     E situações vão entrando em uma roda, dando continuidade ao que, como disse Rosane Lima, se transforma em uma "Ronda", como a do austríaco Schnitzler!

    Na ficha técnica temos os Figurinos excelentes de Helena Araujo. São um espetáculo feito à perfeição. O figurino de A Morte, interpretada por Georgina Góes, é impactante e belo.  A Trilha Sonora é de Rodrigo Penna, e a Preparação Corporal de Cristina Moura. Preparação Vocal de Rose Gonçalves.   Assistente de Direção,  Neuza Caribé. Não percam este ótimo espetáculo. 

        P A R A B É N S !   NÃO PERCAM!

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

O A L I E N I S T A

 


        I D A    V I C E N Z I A 

        (da  Associação  Internacional de Críticos de Teatro - AICT )

        (Especial)         

                        

          Em cena Simão Bacamarte (Romulo Estrela) e D. Evarista (Luciana Fávero) em O Alienista, 
          de Machado de Assis, adaptação e direção de Gostavo Paso (Foto de Luciana Salvatore)


                           

        O diretor-autor  Gustavo Paso  escolhe muito bem as suas inspirações.                      Primeiro virou a nossa cabeça com Harold Pinter e sua Festa de Aniversário!...          e agora nos vem com esta surreal  montagem de Machado de Assis.

        A  Arte se alimenta de Metáforas... E com genialidade. ... como a que os                   autores   Gustavo Paso e seu “companheiro de meninice”, Celso Taddei                     utilizam, para construir essa “figura de linguagem” que é  a adaptação                       destes autores, do magnífico O Alienista, de Machado de Assis!  

        Vamos  a  O Alienista!

       Com uma lista de 14 atores (no dia em que assistimos eram 15, pois Gustavo        Paso resolveu participar da brincadeira, entrando em cena!), e um cenário espetacular, musica idem, iluminação “dançante”, ele nos carrega, através de 1 hora e 30 minutos (mais ou menos), a um brilhante trabalho de analise critica, ironia, selvageria, indignação, falsidade e loucura, para nos advertir que o mundo não muda, por mais que Bertold Brecht e tantos artistas lúcidos tentem mudá-lo. Isso acontece desde sempre, porém agora, confrontando o século XIX com o século XXI, pensamos que ela, a mudança, está sempre e cada vez mais distante, para nossa tristeza!

Mudará, algum dia?

Gustavo Paso credita na Patafísica (uma crítica à lógica racional, segundo o diretor do espetáculo) para nos mostrar o mundo de Itaguai (uma pequena vila onde transcorre a historia), e o estreito caminho entre o mundo do conto de Machado, e a nossa vivência, nos faz crer que estamos, mesmo, dentro de uma lógica irracional. Mas nem tudo está perdido: ocorre, na plateia, o sonho de todo artista! Ela está lotada! De professores, alunos... e amantes de teatro!

Pelo polêmico tema em questão vemos, com alivio, que não atraímos, e esperamos não atrair: os raivosos! (E quando dizemos “raivosos”, esperamos que nos entendam).

Quanto ao elenco, temos só surpresas. (tirando Samir Murad, meu conhecido de outros teatros, os outros são novidade, para mim). Mas podemos reconhecer que Simão Bacamarte apresenta o ator Romulo Estrela, muito empenhado em sua atuação, embora sua dicção ainda tenha momentos de irregularidade. Sua companheira, D. Evarista, interpretada por Luciana Fávero (minha conhecida de outras peças) continua, e cada vez mais, com seu poder de “transformação de um corpo em outro corpo” como o quer a Cia Epigenia em ação.

Aliás, a Direção de Arte, Cenário e Visagismo são de Gustavo Paso. Ele queria algo Expressionista, que lembrasse O Gabinete do Dr. Galigari... e o conseguiu! A iluminação “dançante” é do mestre Paulo Cesar Medeiros.

Em tempo: a Cia Epigenia foi criada por Luciana Fávero e Gustavo Paso, e completa hoje, ano 2022, 22 anos de sua criação! Orgulho nosso, da gente de teatro, ter uma Companhia que consegue estabilidade. Torcemos por ela!     

No elenco Glaucio Gomes, Tatiana Sobral, Renato Peres, Laura Canabrava são nomes que nos soam conhecidos, mas é tão difícil localizá-los na historia do nosso teatro! Longa e meritosa vida a eles! (É estranho para uma crítica não poder se alongar sobre todos os atores... mas o elenco me ultrapassa, confesso!), a maneira com que se apresentam em palco, sua energia e talento já nos preenche a alma! Claro, há também Tecca Maria, Anna Hannickel, Dodi Cardoso, Renato Ribonee, Erik Villa, Eduardo Zayit ... e Vitor Thiré (da família teatral tão nossa conhecida?). Ele faz o pastor, enquanto Dodi Cardoso é o representante da Igreja Católica.

Neste espetáculo todas as classes têm seu momento de cena, principalmente a dos políticos, com suas votações segundo os seus interesses... A semelhança com os nossos dias trouxe o pensamento dos anos 70, e  a preocupação: “Mas como deixaram subir ao palco uma crítica tão clara dos governos e da sociedade atual?”

Eis aí mais um exemplo da independência desta Companhia.    

E todos os detalhes do espetáculo são acertados. Trata-se de uma linguagem moderna. Expressões acentuadas por máscaras pintadas, os figurinos (de Graziela Bastos), dão grande poder estético para a cena... as coreografias são de Edio Nunes (excelente bailarino e ator), e o cenário, surpreendente, é de Gustavo Paso... Há também vozes cantadas, e a música de André Poyart, nosso conhecido de Festa de Aniversario. Neste espetáculo, Festa... (texto de Harold Pinter), Poyart executava seu Beethoven escondido nas alturas da cena! Em O Alienista ele executa sua música nos bastidores da cena... Entendemos este mistério, e o perseguimos!

Durante o espetáculo ouvimos a voz de Machado envolvida com a de Gustavo Paso e Celso Taddei. Seus DOIS projetos de crítica ao estado eterno, de nossas decepções, é impressionante! E funciona como advertência para o que pode vir. 

Vida Longa a O Anarquista!

É BOM VER BOM TEATRO!      

Eles ficam no Teatro das Artes até domingo, dia 10 de abril, depois saem em excursão e participação em festivais.

Produção Executiva: Junior Godim

Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa