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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

"MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO"

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Bruce Gomlevsky em "Memórias do Esquecimento", texto de Flavio Tavares, direção e atuação
Bruce Gomlevsky.
(Foto Dalton Valerio)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
MEMÓRIAS  DO  ESQUECIMENTO
Bruce Gomlevsky - um dos mais brilhantes atores e diretores de teatro do Rio de Janeiro, está fazendo a sua parte, neste ano de 2018! Ao comemorar os 25 anos de carreira, o ator/diretor encena o monólogo “Memórias do Esquecimento”, inspirado no relato da tortura sofrida pelo jornalista Flavio Tavares, nos anos da ditadura militar.

     Bruce Gomlevsky é uma presença constante na ‘Iluminação’ dos momentos cruciais de nossa historia. Há doze anos em excursão com Renato Russo - o Musical – ele se revela um cantor à altura do rebelde Renato, que cantou o desencanto de uma época em seu célebre “Que país é esse?” e tantos outros sucessos. Bruce revela-se o cantor, como é o ator ou o diretor - e mobiliza as plateias. Neste ano de comemorações ele também encena Tartufo, inspirado em Molière – com a sua Cia Teatro Esplendor, criada por Bruce em 2008. São 10 anos de atividade completados com este Tartufo:  “um  substantivo masculino, sinônimo de hipócrita, impostor, cínico, fingido”, diz a Companhia.  

     Ainda sob o impacto da interpretação de Gomlevsky, com Flavio Tavares nos “corredores da morte” (Flavio, e mais 14 jovens presos políticos foram resgatados em troca do embaixador dos Estados Unidos, Charles B. Elbrick, sequestrado na ocasião, anos 60, estão lembrados? ). Queremos falar sobre este momento em que o teatro cumpre o seu papel de ressonância de uma época.
     Não devemos esquecer o que aconteceu durante quase 30 anos, em nosso país. Este episódio deve ser contado e recontado. Devemos chamar atenção, como o fez Tavares e como faz agora Bruce Gomlewsky, pois a humanidade está doente, ‘prenhe’ de maldade! O inimaginável acontece em Memórias do Esquecimento, e o ser humano  desperta!   O público sai do teatro com desejo de agir, de modificar, de revelar nossas dores ao mundo. A plateia se reúne na saída do teatro para falar em amor, em solidariedade, democracia. No final do espetáculo as pessoas comentam o que estão fazendo para esclarecer os que ‘não frequentam o teatro’. E questões são levantadas, contadas historias do que é feito e do que é possível fazer, para alertar as pessoas do perigo que estão correndo. Declaramos que tudo deve ser feito, para que esta historia macabra não se instale novamente entre nós!  

     O espetáculo está em cena em um momento histórico, às vésperas de outro futuro incerto para a nossa nação. O diretor/ator reúne as emoções e o terror de quem viveu aquela época, e ressalta o  sadismo dos algozes do jornalista Flavio Tavares. As cenas são desenvolvidas com tal veemência, que congelamos a emoção e penetramos no horror!

     É impressionante a categoria de ator de Bruce Gomlevsky, seus gestos, sua contenção. Seus 25 anos de teatro são apenas um quarto do que um ser humano consegue viver nesta a terra. Nestes 25 anos  Bruce atingiu o controle para dominar a emoção.

     Quando descreve a historia carinhosa da saudade de sua ‘não vida’  ao lado da filha, Tavares se emociona e chora! Ele só voltou a ver a menina de 4 anos, quando ela já era uma moça ...   mais alta do que ele...!  E o ator ri e chora, passando, no momento seguinte, para o relato dos mais terríveis suplícios! ... ou incorporando a alma do agressor, do sádico:  ‘Sadismo, humilhação – o ‘apodrecer na cadeia’ – tão desejado, idealizado pelos seus algozes!’

     Este pode ser o espetáculo de sua vida. Bruce já ganhou um prêmio Categoria Especial “pelas escolhas dramatúrgicas da Cia Teatro Esplendor”. É impressionante a carga dramática que o ator coloca em seus personagens. A preparação corporal, a iluminação, todos os detalhes acompanham o tom sufocante de Memórias do Esquecimento...Teatro Poerinha modificado, irreconhecível! Até domingo, 28 de outubro.              

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"A IRA DE NARCISO"

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"A IRA DE NARCISO", de Sergio Blanco. Em cena Gilberto Gawronski. Direção Yara de Novaes.
(Foto de Produção)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
A  IRA  DE  NARCISO
A 9ª edição do Festival Internacional de Artes Cênicas do Rio de Janeiro, o TEMPO FESTIVAL, apresenta espetáculos à procura do novo.  No teatro do Oi, Flamengo Yara De Novaes dirige a interpretação de Gilberto Gawronski para o texto de Sergio Blanco, talento uruguaio radicado na França. A tradução e a montagem brasileira foi idealizada por Celso Curi. Trata-se de um texto de grande impacto.

     E aí começam as diferenças. O Festival Internacional de Artes Cênicas do Brasil, em sua encenação no Rio de Janeiro abrange os oito núcleos, que se estendem pelo país afora. Incluídos nestes núcleos o Festival de Londrina e Porto Alegre em Cena. Há também espetáculos vindos de outros países, como Espanha, Croácia, França, Alemanha, Suiça ... Há  internacionalização de projetos artísticos e culturais. A 9ª Edição do Tempo Festival começou no dia 19 de outubro e irá até o dia 28 deste mês. Aproveitem a ocasião. O TEMPO FESTIVAL é patrocinado por múltiplas associações culturais, particulares e governamentais, com resultados de primeira grandeza, como “A Ira de Narciso”. Vamos a ele!

     Novo gênero de teatro contemporâneo, o “teatro da narrativa” revoluciona a maneira de contar uma historia. A  fórmula criada por Blanco é inovadora, há uma dinâmica fragmentada do teatro pós-moderno, mas o espetáculo se configura pela procura do “outro”. Rimbaud é o símbolo, com o seu “Je est un autre”. E há outras observações culturais que leva o público à construção do pensamento do autor: de forma poética são citados Heidegger e sua “metafísica” (onde o autor Sergio Blanco se pergunta sobre arte do ator, se não teria ela esta fórmula metafísica do filósofo alemão? 

     Há, no espetáculo, várias citações (belas) sobre a poética da ação e da atuação – a poética do ator - deslumbrando com as ligações que Blanco estabelece entre Rimbaud, Heidegger, Deleuze, e a sua própria criação artística. Trata-se de um autor que sabe conduzir o “tempo” – que pode ser o da ação, ou o do pensamento. Enfim, o "tempo", os acontecimentos do presente e a revolta contra a morte. Marcantes os momentos da indignação do ator, quando grita, no texto, a indiferença com que a humanidade vê passar os acontecimentos presentes - acontecimentos dantescos que destroem a vida. O grito do autor se faz ouvir, marcando o lugar da sensibilidade. É impactante a forma com a qual Sergio Blanco nos leva ao que está destruindo o nosso “agora”, e a nossa vida futura.

   A troca entre os acontecimentos do presente - o ator/narrador está envolvido em uma palestra que o leva a um local pouco conhecido do planeta – e a crítica que Sergio Blanco faz a estes encontros sinaliza o sentimento humano, muito humano... dos intelectuais; sentimentos como a vaidade, a mentira, a dissimulação, o desinteresse...e outra fragilidades... Há um embate entre a sensibilidade e a razão. 

     E quem sustenta este embate? Quem sustenta o “ser” sobre o qual a narrativa é realizada? Gilberto Gawronski, em brilhante interpretação, consegue passar a firmeza e as certezas daquele personagem que se transforma constantemente no “eu” e no “outro”, numa tempestade de sensualidade, procura, indignação e ironia, transformando sua atuação em um momento mágico do teatro. Os acontecimentos vão se concretizando, e a lucidez, que não deixa o personagem recuar para o fácil convívio de seus colegas intelectuais, o faz declarar: “Eu não era movido pela curiosidade, mas por um defeito profissional“.  O personagem se ironiza, enquanto escritor.   
   
     Este “teatro da narrativa” – se assim o podemos chamar – deixa UMA QUESTÃO PALPITANTE NO AR: Estamos, ou não estamos? - na presença de uma inovação teatral? Na presença de uma nova linguagem, inaugurada neste TEMPO FESTIVAL? Só o futuro o dirá. Por enquanto, o que nos deixa perplexos é a capacidade da linguagem teatral abranger tantos universos, na simplicidade de uma montagem que conta com dois atores: Gilberto Gawronski e Murilo Basso (também assistente de direção) ou Carlos Jordão. A música, responsável pelos modificação da cena e dos sentimentos, tem direção de Dr. Morris. A percussão selvagem que nos é dado ouvir anuncia perspectivas sensuais, porém tal disposição é intermediada pela música de Bach, que o personagem Sergio Blanco prefere ouvir. Um Bach, e a percussão inquietante, eis o jogo musical. A iluminação faz trabalhar a imaginação da plateia, e do personagem. E a cenografia, composta principalmente de caixas de luz que refletem aspectos da cidade de Liubliana (e seu parque misterioso e romântico), em uma região da Croácia, onde se passa a ação. Destacamos também o figurino de Blanco/Gawronski. Estas são, respectivamente, as criações do já citado Dr. Morris e de Wagner Antonio na Iluminação, André Cortez e sua moderna cenografia, além do figurino muito revelador do nosso já conhecido Fabio Namatame.

     Como se trata de uma pré-estreia, talvez haja oportunidade de a mesma ser encenada ainda no Rio de Janeiro. Como diz o programa: é “uma jornada fascinante e arriscada pelo confuso labirinto do eu, da linguagem e do tempo”. Gawronski está concorrendo ao Prêmio Shell por São Paulo. NÃO PERCAM! TRATA-SE DE UMA NOVA LINGUAGEM PARA O TEATRO!