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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"A FAMÍLIA ADDAMS"

Cena de "A Família Addams" - o jantar. Em primeiro plano Gomez (Daniel Boaventura) e Mortícia (Marisa Orth)
(Foto de João Caldas) 

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial) 

“A Família Addams”, produção da Broadway, onde estreou em 2010, está agora no Vivo Rio. Não a mesma, mas a montagem brasileira que veio para o Rio, depois de uma bem sucedida temporada paulista. É a primeira vez que “A Família Addams” viaja para fora de seu país, para  longe da Broadway. Portanto, o público brasileiro nunca esteve  tão próximo  a uma família americana. E nem precisa ir a Nova Iorque para se manter atualizado - não há problema algum de adaptação. Só não sabemos se, ao certo, se trata de “uma família americana”. Em todo caso, podemos comemorar as pazes com as montagens feitas no Brasil. É verdade que até agora vimos poucas, mas a pobreza de ideias (textos lamentáveis), e algumas vezes das montagens, fez com que o ímpeto desmoronasse.    
     Essa “A Família Addams”, com adaptação de Claudio Botelho e direção de Fernanda Chamma (bailarina e conselheira artística do Festival de Joinville, coreógrafa que nos proporcionou, na versão brasileira de “A Gaiola das Loucas”, o mais fantástico can-can a se apresentar em nossos palcos), é um verdadeiro musical, destes que faz com que as crianças “se apaixonem por teatro”:  a verdadeira – e bem sucedida - finalidade dos autores-adaptadores americanos para essa história em quadrinhos de Charles Addams. (No dia em que assisti, havia crianças na plateia. Boa, a ideia dessa matine). 
     A história – fantástica – de uma família “estranha”, atrai jovens de todas as idades – perdoem o chavão. Mas não se trata de situações banais: o que vemos no palco é uma bem urdida história de amor adolescente. E, como se não bastasse o enredo, encantador, dos dois garotos que se apaixonam – o normal e a esquisita - há todo um “arrepiante” envolvimento familiar, que tanto mobiliza os muito jovens da plateia.  Conhecemos essa história, do cinema.
     Com adaptação de Marshall Brickman, Rick Elice, e músicas de Andrew Lippe, ela estreou na Broadway. A família é espanhola... Gomez é o nome do pai. Dança-se o tango! (Marisa Orth e Daniel Boaventura dão um show). Mas, no final – e este é o único desconforto, aliás, risível - quando os dois resolvem brincar com a tradução de sua língua, ou seja, o espanhol, para o inglês (talvez na “América” tal brincadeira  funcione), fica tudo tão... absurdo! Don’t work! O espanhol é tão parecido com o  português, não há nuances. Na hora pensei: que tal se, no Brasil, a família fosse russa? Scaramá mói zdaróbia! (desculpem, mas já deliro...).
      Pois bem. Na montagem brasileira há um perfeito equilíbrio dos componentes cênicos: efeitos especiais, cenários, figurinos, maquiagem, músicas, bailarinos, atores-cantores.  Há empolgação, segurança na medida. Rendemos homenagens artísticas a Marisa Orth, uma Mortícia encantadora e refinada, não permitindo a desatenção da parte do marido, que a idolatra! A Mortícia devia ser exemplo para muitas mulheres. Ela sabe se valorizar. E, surpreendendo, o seu marido, Gomez Addams (Daniel Boaventura), um verdadeiro ator-cantor. Os dois possuem forte empatia cênica.
     No elenco podemos contar ainda com interpretações muito interessantes, como a do tio Chico, o conhecedor de explosivos que se apaixona pela Lua e para lá se muda, com o seu foguete (Cláudio Galvão, outro que é ator e cantor lírico). Ou o mordomo “Tropeço”, com cenas horripilantes! (Rogério Guedes); ou ainda Wandinha (Laura Lobo), a adolescente apaixonada;  e a Vovó vidente, interpretada por Iná de Carvalho. Temos ainda o mano “Feioso” (Nicholas Torres)... e o garoto apaixonável  Lucas Beineke (Beto Sargentelli). E ainda, graças à técnica, o “Primo Coisa” – uma montanha de cabelos, membro muito acatado na Família – e a Mãozinha – detalhes que nascem da fecunda  imaginação de quem os criou.
      Enfim – não menos importantes, e com certeza grandemente profissionais,  os bailarinos. Dão vida – na morte!... – ao espetáculo! Marcação (que vem pronta dos EUA, seu criador a supervisiona), a cargo da diretora e bailarina Fernanda Chamma.  O cenário, as canções e os músicos são fatores que somam e tornam este espetáculo tão especial.  Perdoem não citar-lhes os nomes: dos bailarinos, e o dos músicos.           
    

domingo, 27 de janeiro de 2013

"FREUD - A ÚLTIMA SESSÃO"

Leonardo Netto e Hélio Ribeiro em "Freud - A última sessão"
(foto divulgação)

CRITICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)

(Especial)

      Em cartaz no Teatro dos Correios “Freud – A última sessão”, texto de Mark St. Germanin, direção de Ticiana Studart.  Interessante observar que a razão de ser dessa “A última sessão” é o embate de dois cérebros privilegiados a respeito de ciência e religião. Se, por um lado, o judeu  Freud desenvolve, no texto, a questão central da ciência como o domínio das práticas da razão; C. S. Lewis (mais conhecido entre nós por ser o autor de “As Crônicas de Nárnia”), defende a  religião (católica) como o domínio da prática da contenção. Diante desse impasse desenvolve-se o texto de St. Germain. Trata-se, ao que parece, de uma ficção, pois até onde se sabe, tal encontro entre os dois cérebros jamais ocorreu.

     Entretanto, palco e plateia participam de momentos deliciosos de puro prazer teatral, fortemente influenciado pelo dialogar primoroso dos dois personagens. De nacionalidades diversas, o irlandês Lewis e o austríaco Freud compartilham da mesma preocupação com o futuro da civilização.  Se o ceticismo aparente de um, e a boa vontade do outro os mobiliza, os  “chamados da natureza” em declínio vão se tornando cada vez mais prementes para Freud (a ação se passa em 1939, o ano de sua morte).  Lewis, muitos anos mais jovem – o embate se dá entre um homem de 73 anos e um jovem na casa dos 30 – apresenta outras preocupações.
     O embate se dá no já famoso consultório de Freud, dessa vez na Inglaterra, durante a sua fuga do nazismo. Trata-se de um bom pretexto para o autor colocar em jogo acontecimentos históricos grandemente reveladores da alma dos dois “contendores”. No papel de Freud temos o ator Helio Ribeiro, em impressionante absorção da personalidade do pai da psicanálise. A perfeição da composição é tão detalhada que, por momentos, temos a impressão de estar na presença do mesmo. Se houvesse, no Brasil, prêmio para composição de personagem, com certeza Ribeiro ganharia em todos os itens. Não se trata de um “ator camaleão”, porém de um autêntico identificador de almas.
     Imagina-se que a composição de Freud por Ribeiro tenha a intervenção cuidadosa de Ticiana Studart, premiada diretora, novamente na direção de espetáculos após seis anos de ausência dos palcos.  Compondo a dupla de atores, Leonardo Netto surpreende com a emoção se desdobrando entre o convicto defensor de suas idéias e o emocionado amigo (em que se transforma, durante a peça), de Freud. Netto desenvolve a sua composição entre o solícito e o irônico.     
     Há, no espetáculo, o ácido humor judeu e as observações cáusticas do irlandês assimilado pelos ingleses, sendo um bom cartão de visitas a frase “Nós, os ingleses, levamos o senso de humor muito a sério”. Há frases do ideário judeu de Freud, tais como “A Bíblia é ao Bestiário da Sexualidade”, ou “A Religião fez do mundo um grande berçário”, em oposição às de Lewis, “O amor de Cristo é um mito que é também um fato”, ou “Os mitos são verdades impossíveis de serem ditas”, transforma o espetáculo em um duelo bem-humorado, entre um católico defendendo suas contradições, e um ateu convicto. Espetáculo imperdível, por seu texto e sua apresentação/recepção – ou seja, a comunhão entre atores e público.
     Com produção de Cássia Vilasbôas, tendo José Dias como cenógrafo - acertando no alvo e compondo, com a iluminação de Aurélio di Simoni, uma dupla imbatível. Figurinos corretos de Kiara Bianca. Direção de movimento de Sueli Guerra, e direção musical de Marcelo Alonso Neves.  É bom ver bom teatro!

domingo, 20 de janeiro de 2013

"TARJA PRETA"

Érico Brás e Letícia Isnard em "Tarja Preta"
(Foto Dalton Vale)

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)


     “Tarja Preta”, texto de Adriana Falcão, direção de Ivan Sugahara, em  cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal. Estamos diante de um trabalho cheio de vigor e lucidez. Tempo de conferir. “Tarja Preta” é um capítulo de um livro de Adriana, que foi adaptado para o palco. Chama-se "Serial Killer", o texto, e fala de amor, de carência e desespero. E de excessos. O sem-limite da vida sem controle! Alcool e outras drogas. Fármacos. 
     A cena teatral começa com a chegada da protagonista (Letícia Isnard) em casa, vinda da night, acompanhada somente por seu cérebro (Érico Brás). É quando tomamos conhecimento da dimensão de seu desespero. Os gestos, abusivos, têm o poder de mostrar o controle absoluto do corpo dos dois atores. A cena de Érico Brás (o cérebro bêbado), tentando vestir a roupa para dormir é antológica. É o cartão de visitas do espetáculo. 
     Olhos mais críticos se perguntam: como vão os dois atores sustentar este ritmo? Súbito, a jovem abandonada pelo marido, (Isnard), despenca em um profundo sono reparador, enquanto o cérebro (Brás), continua a lutar com o seu calção de dormir. A cena é, neste momento, inteiramente de Érico Brás. Finalmente, os dois - cérebro e emoção -, dormem o sono dos justos... para tudo recomeçar,  na manhã seguinte.
     Como estamos na presença de dois atores agraciados com a mais absoluta perfeição cênica, o que temos pela frente é uma delícia de desavença erótico-racional. Não há, na agitada desrazão da moça contrariada pelo amor, o mais leve resquício de inteligência - porém seu cérebro reage, atento: “Eu sou inteligente, ela é bonita, isto não pode acabar mal”. Voilà!  
      Não percam tanta loucura! Trata-se de uma "serial killer de neurônios” – assim Leticia Isnard define o seu personagem. A adaptação é de Sugahara, em colaboração com os atores. Cenografia a cargo de Rui Cortez, com pequenas intervenções (descontroladas!) da atriz, em cena. A iluminação (correta) de Tomas Ribas - não é necessário nenhum black-out acompanhando o curto-circuito cerebral da moça. Os figurinos de Bruno Parlatto elaboram a sequencia do estado de espírito dos dois parceiros. Trilha sonora do diretor. Bom teatro para todos os gostos.          

(Notícias da AICT: reunião em março, textos a serem enviados, pelos seus membros brasileiros, para a WEB Magazine. Aguardem!).

sábado, 19 de janeiro de 2013

"MARCHA PARA ZENTURO"

Cena de "Marcha para Zenturo", dramaturgia de Grace Passô, direção, Luiz Fernando Marques.
Coletivo XIX/Espanca!
(foto Divulgação) 

CRITICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Já dizia Camus (o argelino Albert), nos idos dos anos 40, do século XX: “num universo repentinamente privado de ilusões e de luz o homem se sente um estranho”. Essa seria uma afirmação que conduziria, no pós-guerra, ao rótulo “Teatro do Absurdo, o estranho”. Mas não é coisa do pós-guerra, a juventude de hoje continua a se sentir um estranho neste mundo. Ou ao menos a juventude que pensa. Nela podemos incluir dois grupos que se apresentam, até o dia 20/01, ou seja, até amanhã, no Teatro Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro. Essa fusão de trabalho, essa união entre grupos, o mineiro Espanca! e o paulistano Grupo XIX de Teatro, apresenta uma visão desesperançada do presente (e do futuro).
     Na verdade, os dois grupos estão trabalhando com o “Teatro do Absurdo” (com pitadas de ficção científica), ou nele inspirados (talvez mesmo sem o saber): Beckett, Ionesco, Adamov, Genet, e mesmo Harol Pinter! Autores tão díspares subitamente viram-se navegando no mesmo mar. Entretanto, o mesmo não havia ocorrido (ainda), com os brasileiros, ou melhor, com os grupos jovens como o Espanca! e o Grupo XIX. O parentesco tornou-se óbvio, ao menos com o Grupo  Espanca! já em 2008, quando os mineiros aqui estiveram com a peça “Congresso Internacional do Medo”, inspirada em poema de Drummond.
     Agora, no comentado “Marcha para Zenturo”, os dois grupos se unem para fazer um espetáculo estranho. O Grupo XIX existe desde o início do século XXI (como o Espanca!), e coleciona prêmios com montagens de títulos sugestivos, tais como Hysteria, Hygiene, Arrufos, e agora esse “Marcha para Zenturo”, com direção de Luiz Fernando Marques (Grupo XIX) e dramaturgia de Grace Passô (Espanca!). Neste espetáculo ficamos sabendo da identificação de ambos, e seus questionamentos sobre estilos e escolas.
     “Zenturo” é um possível lugar no futuro, ou um grito de guerra para uma revolução? Nada fica bem claro, na correria louca de incomunicação e amizade que se estabelece  no palco, nessa comemoração do novo ano 2400 e tal. Ficamos com a impressão de que há uma falha na direção, e o reencontro entre amigos não acontece, ou fica somente esboçado. A ação começa a se tornar intrigante a partir do momento em que se intercalam várias situações envolvendo passado e futuro, com atores tchecovianos convivendo com os agitados atores do século 2400. Há comentários desses “seres do futuro” (em tudo semelhantes aos seres do nosso presente), a respeito dos atores do passado: “Como eles são técnicos!”. A junção entre A Gaivota e Nina - com seu realismo -, e o Teatro do Absurdo é uma opção do diretor e da autora, que foram beber na mesma fonte.     
         Resumindo: o que parecia, a um primeiro contato, uma algarravia de atores perdidos no palco, vai aos poucos fazendo sentido, e vamos compreendendo o choque entre passado e futuro. Aí começa a se esboçar um estilo “ficção científica-ao-contrário”, com os “futuristas” (se assim os podemos chamar)  extasiando-se com  máquinas obsoletas como liquidificadores, rádios, engenhocas eletrônicas do início do século XXI, e o funcionamento do corpo humano no longínquo 2012, ou, ainda, a obsolescência da religião... A proposta do espetáculo acaba se esboçando, embora fique apenas em uma promessa.  
        No elenco não há destaques. Aqui e ali identificamos atores do Espanca! tais como o personagem Gordo (Gustavo Bones), ou Marcelo Castro (Patalá), além, claro, de Grace Passô, dessa vez mais autora do que atriz, repetindo gestos que se tornaram a sua marca registrada. Do Grupo XIX pouco (ou nada) conhecemos. Os atores, em geral, cumprem com eficácia os seus papeis. Interessante o destaque dado ao personagem Marco, o enfermo (Rodolfo Amorim), e a crítica que o “coletivo” faz à Medicina. Aguardamos com ansiedade a incursão de “Hysteria”, do Grupo XIX, nos palcos cariocas. (Perdoem se eles já andaram nesta capital. Neste blog sou “a primeira crítica desligada” (embora eficaz), e não me incomodo com rótulos!). Quanto ao mais, registro a ficha técnica. Interessante a movimentação do cenário, o brinquedo com o gelo - que pode ter muitos significados - e a projeção da plateia, ao fundo do palco.

Ficha Técnica:
Concepção do Espetáculo: Grupo XIX de Teatro e Espanca!
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Grace Passô
Elenco: Grace Passô (Nina), Gustavo Bones (Gordo), Janaina Leite (Noema), juliana Sanches (Lóri), Marcelo Castro (Patalá), Paulo Celestino (Boris), Rodolfo Amorim (Marco), Rodolfo Serruya (Konstantin) e Mariza Junqueira (Noema) – Temporada Rio
Iluminação: Guilherme Bonfati
Projeto audio-visual: Pablo Lobato
Treinamento de viewpoints: Miriam Rinaldi
Oficina de Interpretação: Ana Lúcia Torre (a conhecida atriz?)
Cenário: Luiz Fernando Marques (que também assina a trilha sonora), Marcelo Castro, Paulo Celestino e Rodolfo Amorim
Figurino: Gustavo Bones, Janaina Leite, Juliana Sanches e Ronaldo Serruya
Assessoria Imprensa no Rio de Janeiro: Astrolábio Comunicação

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

"BONIFÁCIO BILHÕES"

José de Abreu, Márcia Cabrita e Tadeu Mello em "Bonifácio Bilhões"
(foto divulgação)

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

      Está em cartaz, no Teatro Vannucci, uma peça de João Bethencourt, “Bonifácio Bilhões”. No elenco, Márcia Cabrita, José de Abreu e Tadeu Mello. Direção de Ernesto Piccolo. Para quem não sabe, João Bethencourt foi, dos anos 50 até seu falecimento no século XXI, o representante da comédia popular irreverente, ao estilo brasileiro, uma espécie de Atlântida teatral. Suas peças tinham forte apelo popular, e eram subestimadas pela crítica especializada, apesar de ele ter ganhado alguns prêmios, sempre dirigindo textos alheios. Formado no exterior (Master of Arts em Yale) Bethencourt possui em seu currículo peças abordando os mais variados assuntos, desde religião até incômodas irreverências aos poderosos do momento. É o autor brasileiro mais encenado no exterior. O espaço dado a ele agora é muito apropriado para mostrar às novas gerações  a sua exuberância.
     Sim, às vezes essa exuberância torna-se óbvia. Os tempos e contratempos levantados pelo espetáculo perdem um pouco, por repetitivos. Compreende-se que o diretor Ernesto Piccolo optou por respeitar as marcas do autor. Neste sentido, temos a impressão de estar assistindo a uma direção de Bethencourt. O húngaro/brasileiro se divertia com a ênfase dada às suas marcas, porém algumas delas podemos credenciar a Piccolo. Um bom exemplo é a cena das contradições do intelectual burguês, interpretado por Abreu, cujas fumaças de marxismo só vêm à tona quando fuma, verdadeiramente, um baseado. Suas mudanças de humor nos fazem recordar certos filmes de Chaplin, nos quais o amigo milionário se torna generoso com o vagabundo somente quando bebe. A generosidade de Antunes (Abreu) em relação a Bonifácio (Mello) é semelhante.
     Márcia Cabrita talvez seja a peça mais importante dessa encenação, o temperamento “quebra arestas” de Alzira Antunes, seu personagem, torna mais humana a “situação limite” imposta por seu companheiro, em relação a seu opositor na partilha dos bilhões, representado pelo funcionário subalterno Bonifácio Brilhante. Quem quer saber de pobre, não é mesmo? Alzira, à qual Cabrita dá o tom perfeito de comédia, quer saber de pobre, e é solidária. Tadeu Mello (o pobre) interpreta com precisão o comportamento de um honesto (e inteligente) representante do povo. Ele está de parabéns, lutando pela parte que lhe toca dos bilhões da loteria esportiva.
     Em contrapartida, José de Abreu não perde nenhuma das alusões irônicas do autor a respeito da classe a qual Walter Antunes, seu personagem, pertence. As mudanças de personalidade de Antunes são jogadas para a plateia, por Abreu, com o maior acerto. É  quando o professor retruca, com desfaçatez, para o representante do povo, que é para “esquecer todos os livros que escrevera no passado”. Para surpresa do professor economista, Bonifácio Brilhante lera (e entendera) dois de seus livros. É nesse momento que o autor Bethencourt faz uma clara alusão a certo político (FHC). José de Abreu sabe aproveitar cada momento que seu papel exige.                 
     É uma grata surpresa poder assistir novamente a um autor que foi ignorado (por ser considerado vulgar e mau autor), pelos “homens de bem” dos anos 70. Bethencourt conhece os mecanismos de uma boa comédia. Ver em cena um elenco que soube recriar a cumplicidade que esse autor sempre desperta na plateia, e assistir ao trabalho de um diretor (Piccolo), que entende a hilaridade que o texto proporciona, é um grande prazer. A apresentação de  Bethencourt nos palcos nos trás, novamente, o destemor com que ele enfrentava o perigo de ser rotulado de autor primário e repetitivo. Ernesto Piccolo soube compreender, e reproduzir o autor, nos termos em que ele gostaria de ser compreendido.         
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sábado, 12 de janeiro de 2013

"OPORTUNIDADE RARA"

Lena Brito, Bel Kutner e Saulo Rodrigues, em "Oportunidade Rara"
(Foto Guga Melgar)

CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional dos Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)


   Quando me mudei para o Rio, nos idos do século XX, “Trate-me Leão” estava se despedindo da cena. Do Asdrubal Trouxe o Trombone, infelizmente, não assisti nada. Fica a imaginação do que poderia ter sido. Podemos dizer que, volta e meia, Hamilton Vaz Pereira nos deixa entrever alguma coisa do que aconteceu. Como nesta "Oportunidade Rara”, talvez um dos espetáculos mais representativos da época de ouro do Asdrubal. Dessa vez, Hamilton juntou seu pensamento em vários “flashes” da vida cotidiana - e também de suas fantasias. Se a crítica especializada, anteriormente – leia-se Magaldi, Michalski e outros -, se queixava de uma certa alienação do grupo, hoje em dia não podemos deixar de reconhecer, nas encenações de Hamilton, um excesso de informações, alguns nada alienados, sobre assuntos da atualidade. Nem todos são relevantes, às vezes até mesmo se tornam cansativos.
     Um exemplo bem sucedido é a Cena 1: “Humanidade Suicida”, que apresenta um casal que sabe o que é o amor e pretende defender seu oásis das investidas de “estrangeiros de origem nebulosa”, como a “suspeita” Nora. Essa cena lembra o Oriente Próximo, Marrocos, e faz citações de figurinos, nas quais a burka tem presença intrigante. Em cena Bel Kutner, Saulo Rodrigues e Lena Brito. Ao todo são 5 Cenas, todas bastante febris, elétricas. Assim levado, várias se tornam as possibilidades, neste espetáculo, de o autor apresentar seu pensamento.  
     Em destaque, a banda que acompanha a história, composta de adolescentes – um deles é o filho de Hamilton e Lena (seu nome é Iuri) – criando climas necessários para a narrativa. As “cinco pequenas peças teatrais”, como o autor as chama, têm um prólogo cantado por Hamilton, que assume seu lado cantor. Bela voz, embora muitas vezes a gente não entenda nada do que ele articula. Faz parte. Seu espetáculo apresenta erros e acertos, desafiando a perfeição e o “politicamente correto”.
       Na 1ª Cena temos Bel Kutner interpretando a mãe e esposa (nada convencionais, diga-se de passagem); o pai – também uma criatura “informal”, interpretado por Saulo Rodrigues, e a “estrangeira de origem nebulosa”, Lena Brito. Essa atriz, que dispensa apresentação, demonstra impressionante gama de recursos para interpretar desde a socialite no tiroteio da favela, na Cena 2: “Malditos Filhos de Adão”, até a nordestina matreira se virando em Paris (Cena 5: “Volta Depressa”). Lena aumenta e diminui de tamanho, muda a voz, a expressão (cuidado com as caras e bocas da massagista Valentina, que, às vezes, se assemelham às da socialite Lupe). Os três atores (aliás, quatro, pois também contamos com a excelente Luana Martau e seu doce canto...), se desdobram em vários papéis, com exuberância admirável. A Cena 3: “Business e Saúde Corporal” nada acrescenta, além da truculenta Valentina (Lena Brito), Soraya, a cliente boazuda (Bel Kutner), e uma situação financeira e emocional não muito definida entre as duas e Mário (Saulo Rodrigues). A Cena 4: “Bonito”, algo tolinha, é passada em uma suposta Grécia, onde há pavões e ruínas mitológicas (apesar da beleza da projeção das ruínas, realização de Laís Rodrigues).
     Mas tudo é relativo. O que é fraquinho para a crítica, pode ser maravilhoso para o “pai do besteirol” que é Hamilton Vaz Pereira. Apesar dos altos e baixos, assistimos com prazer às suas peças. Principalmente essa “Oportunidade Rara”.

Ficha técnica:
Texto, Música e Direção:
Hamilton Vaz Pereira
Elenco (ordem alfabética):
Bel Kutner
Lena Brito
Luana Martau
Saulo Rodrigues

Banda – Arranjos e Trilha Sonora:
Iuri Brito
Thomás Jagoda
Guilherme Lírio
Pedro Fonte

Cenário:
Hélio Eichenbauer
Luz:
Jorginho de Carvalho
Vídeo:
Laís Rodrigues
Figurino:
Antonio Medeiros
Projeto Gráfico:
Luiz Stein
Colaboração/Dramaturgia:
Melanie Dimantas
Assessoria de Imprensa:
JS Pontes