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quarta-feira, 29 de maio de 2013

"AOS DOMINGOS"

"Aos Domingos", de Julia Spadaccini. Em cena, Juliana Teixeira (Ana) e Jorge Caetano (Edu). (Paprica Fotografia) 



CRITICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)



     Talvez seja o caso de os críticos de teatro não irem a estreias teatrais. "Aos Domingos", que vimos na estreia, não é a mesma peça que se apresentou, no dia 26 de maio de 2013, justamente um mês depois, no Teatro Gláucio Gill. Faço questão de destacar essa data, porque a partir dela "Aos Domingos" se configurou, para essa crítica, como um marco na nossa dramaturgia. Comparável, pela sua sutileza, aos melhores clássicos da dramaturgia universal. É preciso saber ver e distinguir os nossos. Claro que o espaço entre a estreia e a visita da crítica especializada não deve ser tão longo, porém, não se pode negar que, na primeira apresentação de "Aos Domingos", havia algo fora de compasso, algo que não deixava o texto correr. Talvez fosse emoção demais, a emoção da estreia. 


     Hoje, o prazer com que essa peça flui deixa perceber as suas nuances. E não é porque sabemos a história. Quando crítica da Tribuna da Imprensa, no suplemento Tribuna Bis, os criadores de teatro (dramaturgos e diretores), mandavam com antecedência o texto de suas peças para serem lidos antes da estreia. Nada impede. Quantas peças já vimos e revimos, em montagens as mais diversas, e degustamos como se fosse a primeira vez? Hoje, ao rever "Aos Domingos", foi possível captar a sua perfeição. Vamos a ela.


     Dois irmãos se reencontram, após seis anos de separação, em um almoço de domingo na casa da irmã. Antes do encontro, nos primeiros momentos da peça, somos apresentados à protagonista, Ana, uma mulher metódica, detalhista até quase a obsessão. Este será o cartão de visitas da personagem e, ao mesmo tempo, um trunfo para o dramaturgo. Nesta abertura percebemos que Ana possui a boa vontade dos amorosos.  


     Em um segundo movimento, percebemos a chegada de Edu, o irmão. Através da transparência de uma porta, ele nos deixa ouvir seus pensamentos. Trata-se de outro momento marcante do texto, o desvendar de sentimentos. Há ênfase e, ao mesmo tempo, delicadeza, na apresentação dos momentos cruciais, no texto e na encenação, é quando  presente e passado se alternam. Uma ferida aberta. Há o movimento dos personagens, ligados  profundamente por laços de sangue e convivência. 


     O que os impulsiona a ação é a ansiedade de Ana: momentos de entendimento são perdidos pela precipitação do personagem. O público, ao tomar conhecimento do que está por trás das emoções, tem, também, servido o seu banquete. Não se trata apenas de uma tragédia burguesa, o texto, intercalado de avanços e recuos, vai jogando luz sobre vários aspectos da difícil convivência entre as pessoas, burguesas ou não. "Aos Domingos" coloca emoções que já foram trabalhadas pelos grandes clássicos da dramaturgia universal, porém coloca, à sua maneira, uma abertura para o futuro, uma vontade de romper, de vencer obstáculos. 


     São tantos os momentos-chave que levam à mudança, que somente a mão bem treinada de um especialista poderia nos conduzir com segurança por este caminho. Aí entra o detalhe e a perfeição da escrita de Julia Spadaccini, talvez a melhor das surpresas dessa nova geração de dramaturgos brasileiros, pelo poder de aprofundar assuntos tão complexos. 


     "Aos Domingos" foi escrita para Juliana Teixeira (Ana), e Jorge Caetano (Edu). O texto  possui um tranquilo equilíbrio entre (todos) os personagens, dando a cada um deles o seu "morceau de bravure". Neste aspecto surge o decisivo personagem de João, amigo de infância - e epicentro da ação - interpretado por Bruno Padilha. Este personagem destaca o lado racional e  psicológico da ação, ao tornar claras as motivações dos irmãos. Trata-se de um desempenho sóbrio, marcante. E temos a intervenção precisa de Paulo Giardini, interpretando Sergio, o marido de Ana. Os quatro  personagens  equilibram a narrativa,  deixando-a fluir e apresentando-a com a força dos grandes eventos. Soma-se a esse conjunto de acertos a direção de Bruce Gomlevsky, assistido por Glauce Guima. Sente-se a mão do diretor dando aos atores a precisão e a consciência de poder alcançar o máximo que seus personagens solicitam. É sempre uma grande emoção poder assistir a um espetáculo com a qualidade de "Aos Domingos". 


     É bom não esquecer que teatro é esse desnudar de situações limites que levam à interpretação emocionada de um texto. Há vários aspectos a abordar, neste texto. Inclusive há  leves toques, que iluminam o caráter dos personagens. Como, por exemplo, a constatação bem humorada de Ana, ao declarar que, durante a vida, devemos ir mudando de nome, conforme a nossa personalidade vai se modificando. À primeira vista parece uma observação frívola, porém há todo um jogo de imaginação e originalidade mostrando o raciocínio do personagem. Ou ainda sobre o conceito de liberdade, que, para Ana, é um sentimento só acessível a pessoas muito egoístas! Pequenas observações vão iluminando a psique do personagem, para além de seu desempenho. No caso de Ana, trata-se de um  personagem patético e amoroso, interpretado com acerto por Juliana Teixeira. Esse personagem desenvolve grande empatia e se comunica muito bem com a plateia. 

     O Edu de Jorge Caetano respira ironia e é construído com sutileza. As nuances do personagem estão muito bem desenvolvidas pelo ator, neste terreno perigoso que é o das emoções bem controladas. Paulo Giardini faz uma intervenção curta, porém primorosa, com o seu debochado e histriônico Sergio. E Bruno Padilha, como João, o namorado de infância de Ana que, ao transmitir, pontual e controlado, suas certezas, parece-nos materializar o personagem positivo. 


     É sempre um prazer ver um elenco tão bem afinado. Sendo assim, o texto de Spadaccini flui. Compondo a cena, os altos e baixos, fisicamente, e acertadamente, do cenário de Nello Marrese e Natalia Lana. Ana se movimenta entre toalhas e objetos, entre sons de Piaf e telefones, enfatizando a sua ansiedade. Edu marca seu espaço, ora no jardim, participando e cedendo espaço para o discurso da irmã, ora na mesa, observando e analisando o desamparo de Ana. O desenvolvimento deste personagem, da ironia inicial ao envolvimento final, é de grande riqueza de detalhes. Não há um momento em que Jorge Caetano não esteja vivamente presente em Edu. Esse desempenho visceral acompanha também a atuação de Bruno Padilha, atento às reações da mulher em cena. Trata-se de uma orquestra bem regida, e o maestro é Bruce Gomlevsky. Porém, tais qualidades, é preciso destacar, só foram surpreendidas após alguns dias da estreia. "Aos Domingos" está apenas começando a sua trajetória nos palcos cariocas. Desejamos-lhe vida longa!


Os figurinos, atuais, são de Flavio Souza. 


Iluminação de Luiz Paulo Nenen.

Trilha Sonora de Bruce Gomlevsky.  


Plano de Mídia: Mauro Vianna.


Assessoria de Imprensa: João Pontes e Stella Stephany.           

sábado, 18 de maio de 2013

"A IMPORTÂNCIA DE SER PERFEITO"

Elenco de "A Importância de ser Perfeito", de Oscar Wilde. Da esq. p/ a dir. (acima) Pedro Tomé (Pastor); Marcio Fonseca (Dona Glorinha); Andereson Mello (Tia Augusta); Samuel Toledo (Felicio  ou Ruas).
    Na linha de frente: João Pedro Zappa (Cecília, e seus cabelos de campo); Leandro Soares (Agenor);  Leandro Castilho (José) e George Sauma (Patrícia).     
                 (Foto Dalton Valério)



CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)



Uma inteligente montagem de Oscar Wilde. Com citações da nossa realidade, a essência do dramaturgo e dândi irlandês está intacta. Trata-se de mais uma arriscada versão deste autor, já que voltamos aos primórdios do teatro, como nos tempos em que as mulheres não eram permitidas a bordo. Há, neste tipo de esptáculo, pequenos riscos de entrar no terreno da comédia besteirol com travestis (e, perigo maior: pode uma facção mais ortodoxa de nossos críticos assim julgá-la). 

     Mas qual! Ao ter início o espetáculo, com aquela banda reproduzida pelos atores, e abrindo com os compassos de Steppenwolf ("Born to be Wild"), "A Importância de ser Perfeito", de Oscar Wilde, Daniel Herz e Leandro Soares conquista ao primeiro som (com música e letra adicional de Leandro Castilho). O cenário convencional de uma Inglaterra vitoriana é descartado: por detrás de panos transparentes passam-se as mudanças. Ah, para que todas aquelas montagens de "A Importância...", com aquelas imagens primaveris de chaise longues e cadeiras de jardim...? Aquilo é passado. O cenógrafo Nello Marrese nos brinda com algo totalmente inexistente, nesse aspecto. Para ele, o cenário é composto de quatro cadeiras, alguns objetos de cena e uma cortina de fundo.

     A luz de Aurélio De Simoni e os figurinos de Thanara Schönardie preenchem algumas carências do cenário. E o diretor optou, para enriquecer as cenas, colocar as falas de alguns personagens (eles são 25, ao todo, no original), diluídas no conjunto, para dar movimento à ação. 


      Os intérpretes, autorreferenciados como "Coletivo Achado Numa Mala", vindos, alguns, dos Atores da Laura (Anderson Mello é a "nossa" tia Augusta (Lady Bracknell), o maravilhoso personagem de Wilde que retrata os preconceitos de uma classe social que se diz privilegiada. (Inesquecível a frase de tia Augusta decretando que "só fala mal de sua classe quem não pertence - mas quer pertencer - a ela..."). O tradutor e adaptador Leandro Soares nos dá uma versão micro do texto de Oscar Wilde.  


     Uma das versões levadas à cena no Brasil, na íntegra, foi protagonizada por Nathalia Timberg (Lady Bracknell) e Barbara Paz como a Srta Gwendolen (podem vocês imaginar a tradução do diretor para a jovem ardilosa). Pois essa versão pecava por ser muito reverente ao autor, não possuia o descaramento saudável e transgressor (Wilde aprovaria) da atual, não possuia o envolvimento de folhetim dessa "comédia frívola para pessoas sérias". As duas mocinhas (Cecília, João Pedro Zappa) e Patrícia (George Sauma) estão de tal maneira dentro de seus papéis que, em dia de estreia, o figurino de George despencou, e "ela" observou, com naturalidade: "fiquei nua!" Era uma mocinha ajeitando a saias, com a ajuda de Cecília. A platéia aplaudiu. 


     Os arranjos para casamentos de conveniência (para os jovens seria um casamento por amor), correm soltos, em meio a serviços de um buffet de canapés de pepino proporcionados por um hilário (e discreto) serviçal, interpretado por Samuel Toledo (em dois personagens: Felício e Ruas). As críticas ao momento atual de nossa sociedade estão presentes, principalmente com o pastor Saulo (Pedro Tomé) representando os descaminhos de qualquer religião (estava inseguro, na estreia. Poderia enlouquecer mais), e Dona Glorinha (Marcio Fonseca), como a fofoqueira folhetinesca. Eles são quatro, dos inúmeros personagens secundários de Wilde que sobreviveram, e são imprescindíveis para a peça funcionar.  
  

     Tudo se passa entre Londres, e a "casa de campo" - do civilizado ao "rustique". Para tia Augusta o campo é folclórico em demasia. Os figurinos são um espetáculo à parte, junto com a direção imaginada por Daniel Herz, onde os sexos são estimulados por esboços "andróginos" (para muitos, a sexualidade do futuro). Nomes de família, árvores genealógicas, a importância da aparência física, o camuflar a idade, o trato ao subalterno, as manias, a vaidade exacerbada e muito mais é apresentado, entre uma frase de espírito e outra: como é notório em Wilde.   


     A inspiração para essa montagem vem de José Celso Martinez Correa, que apresentou aos atores o livro da americana Camille Paglia sobre o irlandês. O desafio de olhar Wilde sobre esse prisma foi aceito, e daí surgiu essa direção precisa de Daniel Herz, cujo detalhes na interpretação dos atores vem unir-se ao trabalho de tradução de Leandro Soares. Esse ator/tradutor interpreta um dos apaixonados. 

     O texto, partindo de um enredo cotidiano, deflagra uma ação simples em aparência, porém com profunda reflexão de costumes. Em meio às incertezas reinantes, os dois Leandros, Soares e Castilho, interpretam os apaixonados Agenor e José: eles querem ser rebatizados para agradar às suas amadas. Como a história é bastante conhecida, abstemo-nos de relatá-la. A aconselhamos ao público. São momentos de teatro insólito e extravagante. E o elenco como um todo, principalmente os cinco protagonistas,  respira inteligência. Uma delícia. 


FICHA TÉCNICA ADICIONAL:


Assistência de Cenografia: Lorena Lima


Assistência de Iluminação: Ana Luzia De Simoni


Direção de Produção : Tárik Puggina

Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti      

terça-feira, 14 de maio de 2013

"O TEMPO E OS CONWAYS"

Elenco de "O Tempo e os Conways"
                                                                (foto de Guga Melgar)       



CRÍTICA DE TEATRO

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)


Cumprindo este início de temporada teatral carioca, eis que surge uma peça que vem complementar o ciclo dominante de "revisão do comportamento familiar" estabelecido em nossos palcos. Dessa vez trata-se de "O Tempo e Os Conways", de J.B. Priestley, dirigido por Vera Fajardo, e levado em cena na Casa da Gávea.  O problemático espaço cênico da Casa é brilhantemente contornado pela concepção de cenografia de Mirella Maniaci, cujo recurso ao papel de parede unificando o ambiente -   entrada, portas e aberturas, saguão e palco -  dão a sensação de cena e ação expandidas. Para quem está acostumado ao espaço da Casa da Gávea, esse recurso é realmente surpreendente.
     No saguão, logo após a escadaria (que também é utilizada na ação), o piano e o canto de Kaleba Villela recepcionando o público e dando o colorido da época. Cole Porter, o americano, é  interpretado por Villela. Em  "O Tempo e os Conways" é  a história de uma geração, sendo  a trajetória dos Conways um reflexo dos acontecimentos vividos pela aristocracia inglesa  entre o fim da Iª Grande Guerra e os anos 30. O drama possui um sabor tchecoviano (pela falta de preparo dessa classe para viver a adversidade) e coloca, para  o público, problemas e escolhas que se assemelham aos de  "O Jardim das Cerejeiras", ou seja:  seguir os novos tempos, ou sucumbir. E sempre há um Lopakin (no caso, Ernest  Beevers, o comerciante,  interpretado por Marcéu Pierrotti), para estabelecer a ascensão inevitável do futuro, da classe média (no caso). Tal como acontece com os personagens de Tchecov. Compete ao público tomar conhecimento  do impasse.
     Assim relatado, parece que estamos nos referindo a um requentado thriller dos problemas de ascensão de classe. Puro engano. A transição que se concretiza no palco de Priestley, sob a direção de Fajardo, segue a escrita da escola clássica, sim (com orientação de Renato Icarahy), mas  salva o espetáculo de se tornar um déjà vu. Há uma inquietação constante que pertence ao texto, e  cuja proposta é a investigação da alma humana e das escolhas de vida. Acrescente-se a isso o jogo do autor, colocando  a juventude e a beleza do elenco sobrepondo-se ao inevitável, e teremos a adesão do público, predisposto a tomar parte no drama, a recebê-lo com simpatia. 
       O viver à beira do abismo, a inconsciência, o charme da  juventude, faz as pessoas acreditarem estar na presença de seres perfeitos e imortais. É somente quando a sensação de tragédia eminente se estabelece, e a realidade se torna mais forte do que o sonho, é que o público percebe que a ação, no palco, não se caracteriza como sendo a  de uma comédia. Em Priestley não há ironia, como em  Tchecov.
     Os personagens, diversificados (há o amigo da família(o advogado Thorton) , a apaixonada (interpretada por Maria Ana Caixe), o homem de negócios), enfim, são tipos que estabelecem a variedade humana e estão visceralmente ligados ao tempo, ao efêmero. E aí passamos aos acertos na escolha do elenco: a mãe, interpretada com arrebatamento por Stella Maria Rodrigues (atriz convidada), mulher vaidosa e frustrada - e o caráter dos filhos - o pusilânime; o sonhador; a intelectual, enfim - uma sequência de tipos muito bem desenhados, em contraposição à cena, que é leve a frívola, principalmente no início da peça. Os filhos são interpretados por Igor Vogas (Alan, o sonhador); Johnny Massaro, (Robin, o bêbado); Julia Fajardo (Kay, a desiludida); Camila Moreira (Hazel, a bela); Mariela Figueiredo (Maggie, a socialista) e Tahis Muller (Carol, a caçula talentosa). Os amigos e namorados (já citados) não lhes ficam atrás. O entrecho é complementado pela  a ação do advogado, o qual assume a consciência dessa classe inconsciente que é a aristocracia (Pedro Logan interpreta o advogado Gerard Thorton).
     A iluminação, impecável criadora de ambientes e passagens de tempo - de Paulo César Medeiros - complementa o fugaz. Os figurinos, excelentes, de Paula Accioli, são destacados pelos rituais de mudança (como no caso de Kay, entre outros), que sinalizam a passagem de tempo. A precisa direção de movimento é de Duda Maia. Preparação vocal, teclado e trilha sonora de Kaleba Villela (o último item, acompanhado por Vera Fajardo). Assessoria de Imprensa Bia Sampaio; Renato Icarahy é também o tradutor da peça; Produtor Associado, José Mayer. Trata-se de um espetáculo cuidado, que merece a atenção do público.               
               
                   

segunda-feira, 13 de maio de 2013

"DO TAMANHO DO MUNDO"

Isabel Cavalcanti, Mateus Solano e Karine Teles em "Do Tamanho do Mundo"
                                                              (foto de Guga Melgar)



CRÍTICA TEATRAL
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Sutileza. Eis o que parece se propor Paula Braun em seu primeiro texto, " Do Tamanho do Mundo". Não se trata aqui de questionar se a autora  consegue ser sutil, o fato é que temos  uma ótima oportunidade para refletir sobre a escrita teatral contemporânea. A sutileza (irônica) fica subentendida no texto, e transparece em certas falas, em certos gestos dos atores. Porém, o que se desenha com mais força, neste texto, é um minimalismo que, talvez, não seja proposital. Minimalismo no sentido de voltar ao mesmo texto, e ao mesmo movimento dos atores. Tudo isso poderia ser ótimo, se a encenação tivesse conseguido coesão suficiente para lhe dar personalidade. Ao menos no dia da estréia, tal coesão não se fez presente.
      Um dos pontos fortes do texto é a crítica à sociedade atual. Essa crítica está muito bem estruturada nos personagens, porém ela não foi desenvolvida com ênfase pelo diretor Jefferson Miranda. A vocação da peça  é destacar a loucura dos humanos, mesmo em seus movimentos mais prosaicos. Talvez a falta de ênfase tenha sido somente uma questão de ritmo, problema a ser resolvido no decorrer da temporada.  
      No início da peça há uma virada de 180 graus na vida dos protagonistas: algo insólito  acontece, alterando o dia a dia da dupla burguesa que compõe um casal que se ama. Eles já não suportam a rotina de suas vidas. Mais: pela imprecisão de alguns acontecimentos em cena, temos a sensação de que se trata de uma peça vinculada ao teatro do absurdo, onde tudo é possível e nada precisa ser explicado. O público assimila a estranheza, e tenta interpretá-la. A atuação do casal é convincente. Principalmente o marido Arnaldo (interpretado por Mateus Solano, ator que possui grande empatia com o público).
     O problema da autora é que as boas tiradas do texto se repetem, como se Paula Braun estivesse surpresa com os seus achados, e os quisesse enfatizar para o público. Por exemplo: Arnaldo, o marido, volta sempre ao texto inicial;  também  sua esposa Marta (Karine Teles) se desespera e volta sempre ao desespero inicial. E não é o único exemplo, a tia Lila (Isabel Cavalcanti) é pródiga em seus refrões. Compreende-se tal deslumbramento em uma autora  iniciante. Vejam bem: as idéias são boas. A atriz Isabel Cavalcanti dá ao absurdo personagem da tia um caráter extravagante. Há  uma realidade que convém à cena: a tia maluca não deixa o casal se comunicar. Também a esposa Marta, tornando-se insegura com o comportamento do marido, extrapola, produzindo tortas e mais tortas, correndo o risco de comprometer a  silhueta (outra das maluquices  dos personagens de Braun, e da  sociedade atual).
     Sim, o texto aborda todas as incongruências do mundo moderno; e joga  com um "diabo" fora dos padrões habituais, um diabo "bonzinho" (ele se revela, sutilmente, no decorrer  da cena), interpretado por Alcemar Vieira, que também interpreta o apresentador. Os quatro atores mostram competência, mas não conseguem ultrapassar as limitações do texto, tornando a cena lenta e repetitiva.  Daí passar a sensação de a estreia ter sido  precipitada. Em uma palavra: o espetáculo  pode, até, ser estranho; o que não pode é ter alguns momentos bons, e repeti-los ad aeternum… pois acaba cansando o público. (A autora assemelha-se a um músico extasiado com a sua obra, mas que não consegue terminar  a canção). O texto é original e poderia render outros "insights".   
     Na ficha técnica temos a direção musical de Felipe Storino, servindo com envolvimento à   ação. O cenário de Cristina Novaes joga com a boca de cena muito ampla do espaço Tom Jobim, o que dificulta a já precaria acústica do local. A luz de Felipe Lourenço é correta, o mesmo acontecendo com a preparação corporal de Toni Rodrigues. O figurino de Antonio Medeiros serve a ação, complementando com sutileza as características dos personagens, principalmente em se tratando da sensual Lila e da insegura Marta. Há um toque irreverente no figurino  carnavalizado do diabo de Alcemar Vieira, e Mateus Solano endossa, no figurino, as características de seu personagem: um homem com  ideais em transformação. Observação final: para que "Do Tamanho do Mundo" se torne um espetáculo envolvente é preciso ter mais afinação, mais  ritmo. Os adereços são de Márcia Marques. Assessoria de Imprensa, João Pontes e Stella Stephany.