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segunda-feira, 21 de abril de 2014

"OLEANNA"

Marcos Breda e Miwa Yanagizawa (os professores), e o arquivo da denúncia, carregado por Luciana Fávero (a aluna "fora de esquadro"), em "Oleanna", direção Gustavo Paso.


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Assistir a "Oleanna", de David Mamet, com direção de Gustavo Paso (tradução Marcos Daud), é uma experiência desafiadora. O texto de Mamet nos joga em diversas situações-limite. E são muitas as leituras a se fazer: a falta de comunicação entre as pessoas, o poder, o politicamente correto. Ao nos referirmos a estes três "paradigmas", estamos nos socorrendo de leituras anteriores. O fato é que o problema enfrentado no palco toma outra dimensão, com o encontro entre professora(o) e aluna.

Há muitas possibilidades a serem pensadas, sendo a principal delas a virada do texto, quando a aluna vê recusada a única oportunidade de ser compreendida pela professora. Esse é o enfrentamento cruel. Ficamos imaginando todas as possibilidades que a aluna perdeu, inclusive a de relatar um (possível) ataque sexual sofrido na adolescência, e que marcou sua vida para sempre. A professora não lhe deu essa chance.

A ação é tão rápida, que não temos tempo em nos deter em tais divagações, e o problema vai se adensando no decorrer da peça. O que teria, realmente, provocado o comportamento "enraivecido", da aluna? Talvez insegurança e recalque. Ou trata-se, realmente, de um caso político? Não se compreende, no princípio, o comportamento da aluna, porém ele vai ficando muito claro a partir do diálogo desencontrado das duas, e das reações de autosuficência da professora. Enfim, é um assunto complicado. Imaginamos que a professora tenha levado a pior.

Ou melhor, quando no final a aluna diz "está bem",  a música que "estala" surpreende a nossos ouvidos e vem a frase: "I love the way you brake my heart". Já não compreendemos mais o que está acontecendo. A leitura do diretor, e a música que finaliza o espetáculo revelam a fantasia da aluna em relação à sua professora, transferindo para ela os problemas sexuais de sua adolescência? É algo a ser pensado.

As protagonistas não poderiam ser mais adequadas. O desempenho das atrizes nos traz o melhor do teatro: a credibilidade. Miwa Yanagizawa encarna a professora que introjetou de tal maneira o poder, não percebendo mais a sua atuação negativa. Luciana Fávero vai da aluna dependente à troca de papéis, tornando-se intransigente em sua segunda visita ao escritório da professora. Seu desempenho vai em um crescendo, com absoluta segurança.

A propósito: o novo espaço em semi-arena é muito bom. O cenário (Gustavo Paso e Teca Fichinski) estabelece o contato entre palco e bastidores através de cortinas, utilizadas ora como interior do escritório, ora como e a saída dele. O efeito é muito bom, e vem acompanhado pela luz rosa e azul de Paulo Cesar Medeiros. Um achado. A trilha sonora (baseada em clássicos) é de Andre Poyart. Ela está dentro do que classificamos como "o estilo Mamet". O figurino masculino/masculino é de Jô Resende Muito bom. Assistente de direção: Mônica Vilela. Assessoria de Imprensa: Alessandra Costa.

Assisti também ao "exercício" feito pelo diretor com os dois professores em cena, sendo Marcos Breda o outro professor. Foi um jogo ainda mais movimentado e sugestivo, sendo a agressão masculina muito mais selvagem, dando um verdadeiro choque na platéia. Miwa prepara-se de maneira sutil para o encontro final, mas os dois apresentam excelentes desempenhos. É bom ver bom teatro!


domingo, 20 de abril de 2014

"O ATO - VARIAÇÕES FREUDIANAS - 2"

O psicanalista Davi Wunschmann (Antonio Quinet), a apresentadora Miranda Souza (Aline Deluna) e Sigmund Freud  (Samir Murad), em "O Ato - variações freudianas - 2" 



IDA VICENZIA
(da  Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Quero ressaltar que "O Ato - variações freudianas - 2", atualmente em cartaz no Galpão das Artes, no Jardim Botânico, texto de Antonio Quinet e direção de Walter Daguerre, é um espetáculo agradável, que relata, com certa graça, a história da psicanálise. Ele parece ser dedicado a desmistificar os padrões estabelecidos para a questão -  em geral complicados. Conhecemos o trabalho de Antonio Quinet, sua paixão pela psicanálise e a forma inovadora pela qual ele a revela. Em "Abram-se os Histéricos", texto de Quinet, teatro e dança sobre o encontro entre Freud e Charcot, direção de Regina Miranda. Inesquecível. O que se presencia agora é um texto onde Quinet brinca com a alma da platéia. Há bom-humor e simpatia de ambos os lados. O Galpão é um local onde acontece o teatro "para pensar". Local muito oportuno e agradável.

Quinet, o nosso simpático e inteligente analista e autor, foi para o palco, como ator, para nos mostrar o pensamento de Freud sobre a morte. Calma! O espetáculo não é sobre morte, porém há um momento em que Freud quer provar que a nossa morte é sempre um suicídio. Trata-se de um fato marcante.

Sobre o desempenho dos atores, infelizmente não posso deixar de observar a voz do psicanalista entrevistado. Mesmo sendo Davi Wunschmann (Antonio Quinet), o "pobre diabo" de Freud. Não quero dizer com isso que o desempenho de Antonio Quinet, esteja equivocado, somente que deve colocar, no início do espetáculo, a sua voz teatral (atenção, Rose Gonçalves!). Penso que ainda há tempo para algumas correções.

Afora essa observação, o desempenho de Antonio Quinet (como ator) nos traz intervenções divertidas a respeito da televisão e do mundo mecanizado em que vivemos. É interessante, também, observar a defasagem que existe entre o analista e a sua entrevistadora. O psicanalista entrevistado se refere ao homem biônico do futuro, o "Deus da prótese" (observação feita por Freud), escandalizando a entrevistadora. Ficamos sabendo também que a ligação psicanálise e auditório de televisão é uma conclusão de Lacan a respeito da platéia de seus seminários. A última cena, com o psicoanalista pensando (seu pensamento é transmitido pelo vídeo), e se recusando a dar "as palavras finas" para encerrar a entrevista, é genial.  

"O Ato" tem várias leituras. Podemos ficar só na comédia, a crítica dos tempos atuais, virtuais, pegando-o na superfície. Mesmo assim vale a pena. O que é necessário, para o público, é perder esse horror a Freud e a Lacan. Aliás, o último citado não aparece em cena. As conclusões do entrevistado Davi têm muito a ver com o pensamento de Lacan e de Freud. Somente em alguns vídeos ( e em algumas colocações do psicanalista entrevistado), a psicologia de Lacan estará presente. Quanto a Freud, ele está ativo e lúcido desde a descoberta do inconsciente, até as suas conclusões finais sobre a morte. No terreno da interpretação o ator Samir Murad segura o espetáculo, o que chamo o teatro puro. Sei que essa foi a intenção, essa divisão de linguagens. Devo dizer que a caracterização de Freud por Murad é perfeita. Também sua presença em vídeo, como o pai de Dora, mostra a marca do ator. Aline Deluma (Miranda Souza) é uma revelação de atriz cômica, suas intervenções como apresentadora são precisas e hilárias.

Temos algo precioso para ilustrar sobre psicanálise, além do programa surreal de televisão. Os vídeos, mostrando o que poderia ter sido a vivência dos pacientes de Freud e Lacan. Eles são muito bem realizados, com direção de Walter Daguerre; e Diogo Fujimura e Marcos Neves na sua realização. Vemos em cena o "Caso Dora" (a protagonista é interpretada por Julia Bernat, uma bela e excelente atriz), e também o depoimento de uma ex-paciente de Lacan, Cristine (interpretada pela grande atriz que é Ângela Rebello, quase irreconhecível em seu despojamento). E ainda o Sr. K, o "dissimulador" do Ato Falho? (Raul Serrador). No encontro da família de Dora, ao redor da mesa de jantar, podemos ver sua mãe (Mônica Daguerre), o pai (Samir Murad), a bela Sra. K (Samantha Gilbert). Na ocasião, Dora faz um irônico brinde, deixando sub-entendido o que se passou entre ela e o Sr. K. (neste momento a atriz Julia Bernat mostra também seus dotes de cantora). Há o depoimento da jovem homossexual, interpretado por Pamela Coto, e a mulher violentada pelo marido em sua noite de núpcias, interpretada por Juliana Terra. Os vídeos trazem um panorama esclarecedor sobre a psicanálise.  

O desempenho dos atores, no vídeo, prima pela perfeição cinematográfica. Os figurinos de época (Isabela Massi) são marcantes, tanto nos vídeos, quanto na apresentadora de televisão. Eles mostram a moda do final do séc. XIX, e do início do século XX. Uma coisa encantadora no espetáculo são os movimentos -  cinematográficos -  das "tomadas" e dos atores nos vídeos.

O cenário, com variações e transparências, é de Aurora de Campos. Ela consegue colocar em cena, naquele espaço mínimo do Galpão, uma emissora de televisão, um escritório, e ainda a sala em que Freud recebia os seus analisados, com o famoso sofá. Há o software "(citado pelo entrevistado) "Freud is alive". Concluímos que é por essa razão, e não pelo "cosmos", que Freud está presente, e "vivo", em cena.

Infelizmente - e devo dizê-lo - , "Variações", ou "O Ato", está mal lançado. A começar pelo programa da peça. Ele não dá a mínima pista do que será o espetáculo. Graças a Deus, quem vos escreve e critica, neste momento, encontrou a gentileza, boa educação e informação correta, recorrendo ao psicanalista e produtor Atonio Quinet. 

Além dos artistas citados, a composição e direção musical é de José Eduardo Costa Silva e a luz de Daniela Sanches. "O Ato - variações freudianas 2" é um espetáculo aconselhável, pela inteligência de seu texto e o alto nível da representação de seus atores (atenção, não se esqueçam do problema da voz!). Tenham todos um bom espetáculo!

terça-feira, 15 de abril de 2014

"ANA - ensaios sobre o tempo e o vento"


Angel Vianna, em "Ana", balé/teatro inspirado em Érico Veríssimo.   


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Em cena, Érico Veríssimo. - ANA TERRA - "ANA - ensaios sobre o tempo e o vento", um balé/teatro dramatizado e dirigido por Marcelo Aquilo. Sua criação é livre. O adaptador elaborou licenças poéticas, como tornar vivo o personagem da avó de Ana, para o público ter a chance de assistir Angel Vianna, em sua interpretação de teatro e dança. Em cena, essa figura hierática, forte como uma mulher dos pampas, ou de uma tragédia grega! Sua participação vai além dos gestos.

Temos Denise Stutz na direção dos movimentos e Jane Duboc nos presenteando com sua doce música: "Destino", "Missões" "O Amanhã", e tantas outras. "Ana" nasceu de uma conjugação de afetos: Aquino e Angel, mestre e pupilo. Sim, o "povo da dança" os conhece bem, porém o público em geral precisa conhecê-los melhor Aconselho a todos este belo espetáculo. São coisas que nos pegam de surpresa. Aquino captou a alma da personagem Ana Terra, criada por Érico Veríssimo. Ela é o desnudamento da nossa sensibilidade.

Carol Machado é a Ana teatral. Um impressionante desempenho. Inesquecível a cena da gravidez de Ana. E Anastácia Murad é Ana menina, cantando com sua voz juvenil e afinada. O que se vê em cena são gestos, vozes, canto e música. Destaque para a cenografia de Daniele Geammal, simulando coxilhas. E para a luz de Rubia Vieira. É quando Ana fica solta ao vento, no plano superior da cena, ou na "sanga", onde ela vê a sua imagem refletida. Há os vídeos de Renato Livera que complementam a ação. Belo achado, principalmente quando coloca em cena o corpo do índio missioneiro.

Temos a bailarina guerreira que é Ana Vitória. Naquele mundo perdido só havia o rancho isolado, cavalos que as mulheres não cavalgavam, um roçado ... e a roca! (onde as mulheres trabalhavam). Os rústicos homens das coxilhas não caíram do céu, eles são paulistas que vieram pensando enriquecer nos campos de São Pedro, e não se preocupavam com a solidão das mulheres (mãe e rilha), privadas do convívio humano... e aí surgiu Pedro, vindo das Missões devastadas pelos portugueses caçadores de índios. Pedro, o índio musicista que mudou a vida de Ana.

O quadro que Aquino pinta é inacreditavelmente belo. Aquelas mulheres e seus cabelos ao vento: bailarinas/atrizes, como Roseane Milani e Ana Vitoria (expressivas em suas aproximações, olhando o público e relatando a alma de Ana com a força do seu olhar). A doce Carolina Aguiar, uma Ana pacificada (mas às vezes em fúria). Ela é a encarregada da preparação corporal, e também atuam as bailarinas Renata Costa, Sandra Alencar e Claudia Castelo Branco que colabora nos arranjos das músicas. Na realidade, há mais gestos expressivos do que dança livre. Os gestos são o tema.

Os momentos de ternura e fúria dessa mulher guerreira que é Ana, nas oito versões representadas pelas oito atrizes/bailarinas, complementam a saga da heroína. E são tantas as expressões gaúchas, que trazem saudades dos pampas: "sova", "sanga" e "salamandra" (uma lenda), lutar "de birra" contra o destino. E a referência ao "quero-quero", o cachorrinho dos pampas! Fica no ar a frase de Ana Terra: "Sempre alguma coisa importante acontece quando está ventando." O espetáculo é uma homenagem a todas as mulheres.


Há gaúchos na produção: o diretor Marcelo Aquino, e o assistente de direção Cleiton Echeveste. O solo e a terra natal de Érico Veríssimo estão presentes nesta montagem. Em tempo: a preparação vocal é de Gabriela Geluda e os figurinos inspirados nos panos e rendas da região, de Ticiana Passos. O visagismo, que tanto aproxima as bailarinas das imagens gaúchas, é de André Vital. A trilha sonora original é de Jane Duboc e Felipe Dias. Não percam este espetáculo! Ele é sobre delicadeza e sofrimento. O contexto, figurinos, cenário (ótimo espaço), iluminação (e os cabelos ao vento...), encarregam-se do clima. Nem é preciso dizer que as pessoas apaixonadas pelas artes devem assistir a este espetáculo. E as que não são também, para entender o significado da poesia.

domingo, 13 de abril de 2014

"2 X MATÉI"

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
O REI O BUFÃO E OS RATOS
Guida Vianna  - (O BUFÃO); Gilberto Gawronki, (O REI)
2 X MATÉI
Beckett e Godot  - Gilberto Gawronki e Gida Vianna:
 2 X MATÉI 



IDA  VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

A idéia é tão boa que dá vontade de puxar os cabelos por não ser a sua. "2 X Matéi". Imaginem Godot cobrando de Beckett por não aparecer na peça que leva o seu nome: "ao menos no final" - reclama Godot (uma excepcional Guida Vianna) - "Em Shakespeare até os fantasmas aparecem!"

O diálogo entre criador e criatura (Gawronski reencarna, até fisicamente, o próprio Beckett), é cheio de nuances e sugestões desbaratadas. O espectador se limita a sacudir a cabeça e pensar "Mas isso é maravilhoso!"

Parece que estou fazendo literatura (a tentação é grande), os diálogos são tão vivos e sugestivos, que a gente só pode gostar demais. O criador e sua criatura só estão abaixo do próprio "Deus", força a que Amir Haddad brinca de se atribuir, pois supervisiona o espetáculo qual um Deus, não tendo que meter a mão naquele universo criado pelo autor. O fato é que ele se diverte. Tudo é concebido com a perfeita tradução de Pedro Sette Câmara.

As queixas de Godot são também sobre o "fim do teatro", do qual ele foi expulso, dizendo que aquilo é um lugar onde só há baganas de cigarro e lixo. Na verdade, Godot encarna o palhaço sonhado por Beckett, e o autor/personagem parece entendê-lo muito bem. E ele se surpreende aderindo ao pessimismo dessa criatura teatral. Em conseqüência, arma-se um brinquedo, que muito bem poderia se enquadrar na criação de Beckett. O autor reinventa a cena, dando dicas a Godot (momento delicioso) "Eu tiro os sapatos e você pergunta: Por que você está tirando os sapatos?" E a cena se cria, colocando subitamente Estragon e Vladimir no palco, junto com Godot... 

O cenário acompanha a vibração da cena. Trata-se de uma criação que, pensada por Matéi, se define muito bem na ficha técnica. Além dos atores/diretor (Gawronski), Helio Dias se une a eles pelo excelente visagismo que os incorpora. A luz de Vilmar Olos faz surgir vultos e transparências, e a direção de movimento de Andrea Jabor não poderia ser mais exata. Há o vídeo e o som de Jorge Neto, e somos envolvidos pelos loucos figurinos de Antonio Medeiros e Tatiana Rodrigues.

A "2 X", do Rei e o Bufão, é transbordante e carnavalesca, porém ficamos com  a impressão de que não há saída para "a inutilidade das coisas." É aí que Matéi resolve dar o seu recado ambíguo. Cita Diderot e deixa subentendida a Revolução Francesa fazendo o povo se rebelar e, oposto às expectativas, fazendo o Rei declarar seu amor viril pela virtude, e  que, "bem pensado, Deus ainda pode convencer". E, ao mesmo tempo, fala maldosamente na "festa dos loucos", e diz que o povo está feliz quando a imaginação se recolhe. O Bufaõ é uma Guida Vianna imperturbável em seus desbaratados conselhos ao Rei. O monarca os segue, avidamente, mostrando, sem o querer, quem é o verdadeiro bufão na cena.

Inesquecível o discurso final do Bufão, indicando ao Rei as palavras que deverá dizer ao seu povo, fazendo o louvor (e repetindo o chavão), da História Oficial. Para o Bufão o Rei será um César ao pronunciar: "Veni, Vidi, Vice", ou "Alea Jacta Est". Enfim, tudo em Latim, o que faz o Rei concluir que o achariam um "louco", ao que o Bufão responde (palavras que são conteúdo): "O povo não entenderá nada e o achará um gênio, e assim o engodo da História Oficial prevalecerá".

O Rei a tudo aceita e se transforma em fiel discípulo do Bufão, embora ainda reaja, cada vez com menos convicção, não querendo se curvar ao povo e dizendo que precisa manter a sua dignidade. (É necessário ver as expressões do rosto do ator). Para Matéi Visniec, o caos da "2 X" se organiza em discurso político, com marchas e contramarchas.

Meu Deus, o povo já não suporta o mau cheiro do engodo e foge (mas não posso relatar o final...). Há os ratos, cuja presença é impossível de ser negada. O Rei a assume e diz, filosoficamente: "O rato é a medida espiritual e física da medida do homem". Não podemos esquecer que os ratos são uma construção "maquinada" por  Iara Borges, e fazem muito sucesso! 




sexta-feira, 11 de abril de 2014

"NOSSA CIDADE"

Na foto, a família Webb: Mateus Carrieri (Sr. Webb), Sra. Webb (Luiza Lemmertz), Wally Webb (Fagundes Emanuel) e Emily Webb (Sheila Faermann), em "Nossa Cidade", de Thorton Wilder, releitura do diretor  Antunes Filho. 


IDA VICENZIA
(Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Seguindo a agenda de teatro em São Paulo, no último fim de semana de março, eis a 
crítica da "reconstrução" de Antunes Filho, o CPT e o Grupo Macunaíma para a peça de Thorton Wilder, "Nossa Cidade". Uma coisa inesperada aconteceu neste fim de semana; os dois espetáculos assistidos eram releituras: a primeira, de autoria do romeno Matéi Visniec, falava sobre o fanatismo político na época de Stalin, na União Soviética, dirigida por Antonio Abujamra; a segunda, dessa vez sobre os Estados Unidos, e a hybris que ataca os poderosos, espalhando sangue e destruição pelo planeta. Uma releitura de Antunes Filho.

Os Estados Unidos da América - um "Estado Militarista", segundo o escritor Norman Mailer - e sua conquista do mundo através das armas. Antunes Filho, em sua releitura de Wilder, "Nossa Cidade", foi muito claro a respeito da trajetória americana nos últimos dois séculos: XX e XXI. Utilizando a figura do "Diretor de Cena" (um excelente Leonardo Ventura), um mutilado de guerra, Antunes vai "relendo" as crueldades praticadas pelos Estados Unidos no Vietnã, Afganistão, Iraque, Líbia, e tantos outros países destroçados pela cobiça americana  - e seus sócios - na guerra dos negócios escusos.

O relato de Wilder (1897-1975), limita-se à Primeira Guerra Mundial e a queda da Bolsa de Valores dos EUA, em 1929. A conseqüência dos males do capitalismo e de suas guerras inúteis foram relatadas por Antunes a uma plateia atenta, ouvindo o horror que este povo comete em outros países. Ambos, autor e "releitor" não deixam de lado o dia a dia feliz dos habitantes de Grover's Corners, um microcosmo do país. Nos espetáculos de Antunes existe a perfeição do jogo cênico, a entonação da voz dos atores, ritmo e leitura corporal, tudo é perfeito na criação dos personagens.

Há o desesperado narrador, o "Diretor de Cena", alertando aos espectadores para a cruel realidade de um povo. Este espetáculo deve ser assistido pelos jovens de todo o Brasil. O alerta de Antunes é de tal maneira procedente, que dá vontade de aplaudir em cena aberta a fala do "Diretor de Cena" se dirigindo ao público.

Quanto aos personagens de Grover's Corner, eles são moldados para terem o comportamento que deles se espera: boas mães, bons filhos, bons maridos, portanto, uma sociedade utópica! Os únicos acontecimentos que podem abalar a felicidade daquelas pessoas são os que estão acima de seu controle, como a morte.

Além das mães, pais e filhos, há os habitantes da "Nossa Cidade", que dão o tempero para alguns atos fora da rotina como o maestro improvisado Simon Stimson (Felipe Hofstatter,, se desdobrando também no papel da professora), que rege, mal-humorado, o coro desafinado de seus pupilos, os habitantes da cidade. Há também o Professor Schünemann (Antonio de Campos), relatando a história da conquista do território: "desde que nós, brancos, chegamos aqui, mais de nove milhões de índios foram sacrificados neste país."

Assim são os habitantes da pequena cidade. Entre mães, pais e filhos, temos as boas interpretações da doce Emily Webb (Sheila Faermann), filha cuja inteligência e ternura mobilizam a cidade. Sua mãe, a Sra. Webb (Luiza Lemmertz, uma atriz que consegue a façanha de se modificar, radicalmente, a cada personagem que interpreta), faz a mulher preocupada com a boa alimentação dos filhos, preferindo-a à inteligência dos mesmos. O Sr. Webb (Mateus Carrieri), tem a resposta pronta a todas as afirmações da esposa, e constata que a cidade, a respeito de cultura, é muito limitada: "Robinson Crusoé, a Bíblia, o Largo de Handel [o único compositor que os anglo-americanos aceitam...], e o quadro "A Mãe" de Whistler  ...  Isto é o máximo que atingimos por aqui."

A mãe do menino que forma o casal romântico: Emily e George (Lucas Rodrigues), é a sra. Julia Gibbs (Naiene Sanchez), que sonha viajar pelo mundo. É bom dar um destaque para Ediana Souza como o Índio e Rebecca Gibbs, a filha. (Desconfiamos que ela interpreta também a "Estátua da Liberdade"). Essa Rebecca "adora dinheiro" e é uma moderna cidadã norte-americana.

Em "Nossa Cidade" há os típicos cidadãos preocupados com o "clima tempo" e com o afeto, como a Sra. Louela Soames (Amanda Mantovani) uma doce criatura. Os típicos anunciadores do tempo são o Sr. Marshall (Carlos Sério), Joe Stoddard (Nelson Alexander) e Howie Newsome (Diego Melo). Wally Webb (Fagundes Emanuel), o irmão admirador de Emily, e Joe Crowell Jr. (Luis Gustavo Lopes), o estudante, são jovens de "Nossa Cidade". São muitos os personagens - dezesseis - e alguns atores têm atuação dupla.

Na ficha técnica: o Diretor de Palco - (Felipe Hofstatter, também assistente de direção); Figurinos e Adereços - deliciosos, em acordo com a época - de Camila Nuñez; Trilha Sonora, Raul Teixeira e Equipe CPT; Operação de Som, Lenon de Almeida; Iluminação, Edson FM e Elton Ramos. Preparação de Corpo e Voz - Antunes Filho; Professora de Canto, Solange Assumpção.

É bom ver bom teatro!

domingo, 6 de abril de 2014

"A HISTÓRIA DO COMUNISMO CONTADA AOS DOENTES MENTAIS"

Foto de ensaio de "A História do Comunismo contada aos Doentes Mentais", de Matéi Visniec.


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

No último fim de semana de março fui a São Paulo assistir a peça de Matéi Visniec, "A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais", com a Cia Anjos Pornográficos. E também assisti, no CPT/SESC e Grupo de Teatro Macunaíma, "Nossa Cidade", de Thornton Wilder. Curiosamente, as duas peças falavam na Utopia e os seus perigos. Começo por Matéi Visniec.

No Teatro Cacilda Becker, Lapa, São Paulo, está em cartaz um texto do romeno Matéi Visniec, em sua releitura dos clássicos. A peça traz à lembrança Peter Weiss, e seu texto baseado em Sade e os loucos do Hospício de Charenton. Só que a missão dos loucos do Hospital Geral de Moscou não é julgar Marat, mas Stalin. Estamos em 1953, dias antes da morte do líder (ditador?) soviético. Enfim, para o Bem ou para o Mal, essa é uma história sobre as Utopias.

Dirigida por Miguel Hernandez e André Abujamra, a participação dos dois diretores é marcada por certa experiência junto a Antonio Abujamra, com quem já trabalharam em outros espetáculos. A presença do "diretor/coreógrafo", como o próprio Abujamra se intitula, é bem viva, porém não ofusca o belo trabalho realizado em cena.

O que está em jogo no espetáculo é a Utopia e seus equívocos. Quando é chegada a hora de colocá-la em prática, a verdadeira natureza corrosiva do fanatismo se revela. Essa é a missão de Visniec: alertar para os perigos da Utopia, e ele o faz em prosa e verso, com tradução de Roberto Mallet e discurso do escritor convidado Iuri Petroviski (um irreconhecível - e ótimo - Miguel Hernandez). Quando ele começa a explicar para os loucos o que é Utopia, seu discurso torna-se claro e lógico: "É quando alguém está na merda e quer sair dela (...) Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da merda junto com os outros camaradas que estão na merda junto com você."

Esse tipo de discurso é recebido com grande euforia entre os loucos, mas também entre os espectadores, na platéia ... O jogo é esse. Segundo o autor, sempre há um momento em que alguém diz "não", e começa a romper com as velhas estruturas da Utopia que não deu certo. Reiterando: o perigo da promessa de um mundo melhor é o fanatismo.

Nesta história se destaca o trabalho de movimento desenvolvido por Nathália Corrêa. Na música, e em certos "achados" de cena, percebemos a mão de André Abujamra. Por exemplo: quando a professora de canto coral do hospício Kátia Ezova (uma excelente Nathália Correa), em seu fanatismo - excita-se - a cada vez que ouve o nome de Stalin. Há uma decrescente excitação e outro fanatismo se impõe (mais concreto e racional), quando Petrovski, o escritor, fala aos loucos e faz Kátia esquecer Stalin e se concentrar nele.

O que pode parecer, no início, uma releitura de Sade, concretiza-se em uma real demonstração de desgosto do autor contra a sociedade "utópica" em que viveu, na Romênia, com a ditadura de Nicolae Ceausescu. A cenografia do espetáculo, bastante funcional e adequada, é de André Cortez, e sua complementação acontece na operação de luz de  Rafael Chamon; Figurinos dos loucos e guardas, com toques de humor, são de Gilson de Melo Barros. Como ator convidado Luiz Amorim, no papel de Grigori Dekanozov.


Destacam-se os supervisores dos louquinhos (loucos de pedra), Alexandre Paes Leme (Kuhkin) e Cassio Prado (Timofei). No elenco mais onze atores, alguns da Companhia, outros de grupos vindos de escolas de teatro, impossível citar a todos. Considerando o texto e a maneira irreverente da construção do espetáculo, torna-se presente a influência de Antonio Abujamra. E é muito bom perceber essa construção de herdeiros, como aconteceu na França, de Dullin a Planchon, passando por vários intermediários, também de Abujamra a Abujamra, passando por vários intermediários. Como na França. Por que não? . Em Tempo: A Cia. Anjos Pornográficos tem sua própria história, nascida em Portugal, na cidade do Porto, em 1999.