IDA VICENZIA
(Associação Internacional
de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
Seguindo a agenda de teatro em São Paulo, no último fim de
semana de março, eis a
crítica da "reconstrução" de Antunes Filho, o
CPT e o Grupo Macunaíma para a peça de Thorton Wilder, "Nossa Cidade".
Uma coisa inesperada aconteceu neste fim de semana; os dois espetáculos
assistidos eram releituras: a primeira, de autoria do romeno Matéi
Visniec, falava sobre o fanatismo político na época de Stalin, na União Soviética,
dirigida por Antonio Abujamra; a segunda, dessa vez sobre os Estados Unidos, e a hybris que ataca os poderosos, espalhando sangue e destruição pelo
planeta. Uma releitura de Antunes Filho.
Os Estados Unidos da América - um "Estado
Militarista", segundo o escritor Norman Mailer - e sua conquista do mundo
através das armas. Antunes Filho, em sua releitura de
Wilder, "Nossa Cidade", foi muito claro a respeito da trajetória americana
nos últimos dois séculos: XX e XXI. Utilizando a figura do "Diretor de
Cena" (um excelente Leonardo Ventura), um mutilado de guerra,
Antunes vai "relendo" as crueldades praticadas pelos Estados Unidos no
Vietnã, Afganistão, Iraque, Líbia, e tantos outros países destroçados pela
cobiça americana - e seus sócios - na guerra
dos negócios escusos.
O relato de Wilder (1897-1975), limita-se à Primeira Guerra
Mundial e a queda da Bolsa de Valores dos EUA, em 1929. A conseqüência dos
males do capitalismo e de suas guerras inúteis foram relatadas por Antunes a
uma plateia atenta, ouvindo o horror que este povo comete em outros países.
Ambos, autor e "releitor" não deixam de lado o dia a dia feliz dos
habitantes de Grover's Corners, um microcosmo do país. Nos espetáculos de
Antunes existe a perfeição do jogo cênico, a entonação da voz dos atores, ritmo
e leitura corporal, tudo é perfeito na criação dos personagens.
Há o desesperado narrador, o "Diretor de Cena", alertando
aos espectadores para a cruel realidade de um povo. Este espetáculo deve ser
assistido pelos jovens de todo o Brasil. O alerta de Antunes é de tal maneira
procedente, que dá vontade de aplaudir em cena aberta a fala do "Diretor
de Cena" se dirigindo ao público.
Quanto aos personagens de Grover's Corner, eles são moldados
para terem o comportamento que deles se espera: boas mães, bons filhos, bons
maridos, portanto, uma sociedade utópica! Os únicos acontecimentos que podem
abalar a felicidade daquelas pessoas são os que estão acima de seu controle, como
a morte.
Além das mães, pais e filhos, há os habitantes da "Nossa
Cidade", que dão o tempero para alguns atos fora da rotina como o maestro
improvisado Simon Stimson (Felipe Hofstatter,, se desdobrando também no papel
da professora), que rege, mal-humorado, o coro desafinado de seus pupilos, os
habitantes da cidade. Há também o Professor Schünemann (Antonio de Campos), relatando
a história da conquista do território: "desde que nós, brancos, chegamos
aqui, mais de nove milhões de índios foram sacrificados neste país."
Assim são os habitantes da pequena cidade. Entre mães, pais e
filhos, temos as boas interpretações da doce Emily Webb (Sheila Faermann),
filha cuja inteligência e ternura mobilizam a cidade. Sua mãe, a Sra. Webb (Luiza
Lemmertz, uma atriz que consegue a façanha de se modificar, radicalmente, a
cada personagem que interpreta), faz a mulher preocupada com a boa alimentação dos
filhos, preferindo-a à inteligência dos mesmos. O Sr. Webb (Mateus Carrieri),
tem a resposta pronta a todas as afirmações da esposa, e constata que a cidade,
a respeito de cultura, é muito limitada: "Robinson Crusoé, a Bíblia, o
Largo de Handel [o único compositor que os anglo-americanos aceitam...], e o
quadro "A Mãe" de Whistler ...
Isto é o máximo que atingimos por
aqui."
A mãe do menino que forma o casal romântico: Emily e George
(Lucas Rodrigues), é a sra. Julia Gibbs (Naiene Sanchez), que sonha viajar pelo
mundo. É bom dar um destaque para Ediana Souza como o Índio e Rebecca Gibbs, a
filha. (Desconfiamos que ela interpreta também a "Estátua da
Liberdade"). Essa Rebecca "adora dinheiro" e é uma moderna
cidadã norte-americana.
Em "Nossa Cidade" há os típicos cidadãos preocupados
com o "clima tempo" e com o afeto, como a Sra. Louela Soames (Amanda
Mantovani) uma doce criatura. Os típicos anunciadores do tempo são o Sr.
Marshall (Carlos Sério), Joe Stoddard (Nelson Alexander) e Howie Newsome (Diego
Melo). Wally Webb (Fagundes Emanuel), o irmão admirador de Emily, e Joe Crowell
Jr. (Luis Gustavo Lopes), o estudante, são jovens de "Nossa Cidade".
São muitos os personagens - dezesseis - e alguns atores têm atuação dupla.
Na ficha técnica: o Diretor de Palco - (Felipe Hofstatter,
também assistente de direção); Figurinos e Adereços - deliciosos, em acordo com
a época - de Camila Nuñez; Trilha Sonora, Raul Teixeira e Equipe CPT; Operação
de Som, Lenon de Almeida; Iluminação, Edson FM e Elton Ramos. Preparação de
Corpo e Voz - Antunes Filho; Professora de Canto, Solange Assumpção.
É bom ver bom teatro!
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