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domingo, 28 de julho de 2013

"RAIN MAN"

Fernanda Paes Leme, Rafael Infante e Marcelo Serrado em "Rain Man", direção, José Wilker (foto Priscila Prade).





CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)


Houve tempos em que Hollywood só dava Oscars para paraplégicos, surdos-mudos, cegos... e autistas! (Desculpem ser justamente eu a fazer essa observação!) Dustin Hoffman ganhou, é claro, o Oscar pelo seu Raymond Babbit, um autista. Marcelo Serrado, um ator sempre à procura de novas possibilidades para o seu talento, certamente ganharia o Tony Award (o Oscar do teatro americano), se lá nos EUA habitasse. Nada mais merecido. 


     A estréia do Teatro dos 4, no Rio de Janeiro, indica que Serrado é forte candidato ao Shell 2013. Eis um personagem que dá chance para mostrar talento. No caso de Serrado, uma composição perfeita, lapidada pela genial bailarina/coreógrafa que é Marina Salomon. A concepção de Raymond Babbit é detalhista, bem trabalhada, nervos à flor da pele. O conjunto dessa elaboração cênica também deve muito ao diretor José Wilker, um conhecedor de cinema que se revelou um talentoso diretor de teatro.


     Serrado é acompanhado pelo também excelente Rafael Infante interpretando o irmão mais moço, Charlie Babbit, o ambicioso e rejeitado filho caçula. Não o conhecia, porque só assisto televisão quando meus sobrinhos estão em alguma novela: o ator está excelente no papel do "empreendedor" que só quer o seu dinheiro no bolso. Fernanda Paes Leme é uma grata surpresa, como a namoradinha de Charlie Babbit. Há, ainda, Sara Freitas, em papéis menores, e os psis que atendem Raymond, interpretados por Jaime Leibovitch e Roberto Lobo. Fechado o elenco, o trabalho foi iniciado, e nunca antes neste país um ensaio foi tão sigiloso, só tomamos conhecimento da escolha de Marcelo Serrado no dia da estreia. "And so it goes".


     O texto é de Dan Gordon, e a adaptação, livre, solta, é de Miguel Paiva. Com "time" e respiração teatral, Miguel e Wilker vão levando o público, acompanhados por estes dois "bichos de teatro" que são os irmãos Babbit da Gávea. Sente-se o respirar da platéia, regido por risadas, soluços e suspiros bem orquestrados, quando o momento se impõe. Uma verdadeira catarse. Não sei se a proposta era para ser tão aristotélica assim, mas, quando Charlie faz a ligação de seu "amigo imaginário", de uma infância desconhecida, - o "Rain Man" - , com o seu irmão mais velho, Raymond, há uma pausa teatral. É o momento da emoção. Os dois manos, colocados frente a frente, transmitem essa compreensão instantânea do sublime. Acho que são momentos como estes que devem alimentar, no ator, o desejo de fazer teatro. Há uma verdadeira comoção, e o silêncio que se estabelece traduz o momento forte. Há uma sensação de completude, entre palco e plateia.


     A cenografia de Marcos Flaksman, iluminada por Maneco Quinderé, vai destacando os momentos da ação, onde o ponto alto é a chuva dourada que representa o Money, a "salvação" de Charlie Babbit. Os ambientes se modificam conforme a iluminação, e os figurinos de Beth Filipecki servem à perfeição, aos personagens. A trilha sonora de Marcelo Alonso Neves, com a projeção da dança de Ginger Rogers e Fred Astaire (de Eduardo Chamon) é uma declaração de amor ao cinema. Teatro e cinema, como sempre, se complementam, mas, dessa vez, o teatro levou a melhor...

 Casas lotadas. Imperdível !!!!


sexta-feira, 26 de julho de 2013

"BETTE DAVIS E A MÁQUINA DE COCA-COLA"

César Amorim, Carine Klimeck e Anderson Cunha em "A máquina de coca-cola ", direção de Diego Molina, texto de Renata Mizrhai em parceria com elenco e direção. (Foto Diego Molina) 



CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial



Finalmente, consegui assistir "Bette Davis e a máquina de coca-cola", agora em temporada na Casa de Cultura Laura Alvim. Pasmem! A emoção deste espetáculo tem a estética e o ritmo de uma História em Quadrinhos! Sim, uma HQ. Explico: A agilidade do desenho de texto que os atores memorizam dá a impressão de cenas sobrepostas, e tudo acontece muito rapidamente. Flashes instantâneos, jogados por uma direção organizada. 

     No comando, Diego Molina. É ele também o autor da alucinada cenografia de "corpos/manequins" voando e naufragando no espaço. Assim, temos "Bette Davis" (um dos atores, acho que César Amorim, acertei?), fazendo a transposição, -hilária- da atriz hollywoodiana, no filme "Que terá acontecido a Baby Jane"? Ela castiga, com maldade, a mana Joan Crawford (Anderson Cunha?). Não esquecer que Crawford era a dona da pepsi cola... Terríveis e engraçadas, as divas do cinema lidando às turras com um presente sem glamour.Dejà vu?  Mas não com a interpretação de Cunha e Amorim...


     Temos, também, entre outros eventos cotidianos da super-cidade nossa de cada dia, a atriz Carine Klimeck como a "desesperada/ apaixonada" que faz tudo para chamar a atenção do amado: a cena tem uns cinco minutos de queixas ininterruptas, para no final ser aplaudida em cena aberta: um tour de force inimaginável 


     Meu Deus, do que esses atores são capazes!


  Os "esquetes voadores" acabaram surgindo de um trabalho conjunto com Renata Mizrhai (que fora convidada por Bilac para completar o texto e hoje, confessa, não sabe quem fez o que!). Colaboram, ainda, no texto, elenco e direção. O que podemos ver em cena são "histórias relâmpago"sequestradas no texto. Divertidas e consequentes. Pode isso? 


     Então, o que no início era um esquete de Bilac escrito para concorrer a um sem número de concursos que andam aí, pela cidade do Rio de Janeiro, transformou-se em uma seleção de  comportamentos estranhos que acometem o "tipo urbano" de cada dia. Assim, as incontáveis síndromes, como a incontrolável "repetição de lugares comuns", ou a repetição de notícias catastróficas lidas nos jornais, ou captadas no google, são jogadas para o público.


     Finalmente, temos a certeza de estar compartilhando aventuras de HQs quando o elenco, nas alturas lá do cenário (espaço que se desdobra), aboletados em aviões e paraquedas (acho que os dois atores) fogem de alguma coisa, que bem poderia ser do gas lacrimongêneo lançado pelo inimigo, nas últimas manifestações de rua da moçada. Quem viu, viu, quem não viu, ainda pode assistir.


     Ficha técnica muito alerta:


Iluminação de Anderson Ratto; Direção de movimento (detalhe importantíssimo! Juliana Medella; Direção de arte, figurino e programação visual: Bruno Perlatto; Trilha sonora: Isadora Medella; Frisamos: o cenário é de Diego Molina, o diretor. O espetáculo é uma brincadeira - "imperdível!" - com a verdade!


segunda-feira, 22 de julho de 2013

"CAIXA DE PHOSPHORUS"

         Daniela Carvalho e Ivan Mendes em "Caixa de Phosphorus", texto de Renata Mizrhai, direção, Susanna Kruger. (foto Alle Vidal) 



CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)



CONHECENDO MIZRHAI...


     Outro dia estava pensando sobre o atual rodízio de peças de teatro, e da oportunidade que temos de recuperar a história, evanescente, de uma época. As coisas mudaram, desde os anos 90. Agora, que conseguimos o tão sonhado patrocínio - depois de muita luta - parece que ainda está faltando alguma coisa; falta muito para chegarmos aos grandes empreendimentos de um Bob Wilson, ou de Ariane Mnouchkine, por exemplo (falando nela, soube que o Rio de Janeiro abrigará uma versão de seu Théâtre du Soleil, em parceria com Luiz Fernando Lobo, no Armazém da Utopia). Espero que estes tempos de bonança e de grandes companhias públicas se estendam também aos palcos de outros artistas brasileiros: os que quiserem fazer esse tipo de teatro, é claro. Teremos, assim, uma cena bem variada.


     Agora, felizmente, podemos recuperar o tempo perdido (para quem não viu as encenações ou não conheceu os novos autores, em tempo hábil), porque, depois do patrocínio inicial, as peças, nestes novos tempos, continuam em circulação. Como sabemos, teatro é o "momento" da encenação, o que fica é o registro. Vamos a ele.


     Começamos a assistir Mizrhai em um espetáculo infantil "Coisas que a gente não vê" (que não será criticado), depois passamos para a "fase primaveril" da autora, em que se acredita no amor: "Caixa de Phosphorus", para finalmente chegar à desilusão das relações amorosas em "Os Sapos", terceiro espetáculo - com texto de Renata -, dos que nos foi dado assistir. Talvez seja pouco, para conhecer uma autora de tantos recursos, mas trata-se de uma boa caminhada, e é bom poder registrá-la. 


     Destaco somente três espetáculos, mas eles serão suficientes para pensar sobre "realidade e ficção", tema que, acredito, interessa a autora. Nunca vamos saber ao certo o processo que une esses dois planos, a realidade e a ficção, mas sempre nos perguntaremos o que é ficção, se ela existe, realmente, ou se é extraída da fantasia do nosso inconsciente? - o que não deixa de ser uma espécie de realidade.


     Aí chegamos ao típico (simplificador?) "Emma c'est moi!", o grito de Flaubert, e o exemplo de Bovary. O encanto (flaubertiano) da heroína, o seu fascínio pela aristocracia, no romance, cruza o limite entre realidade e ficção, pois Gustave Flaubert era, ele mesmo, um burguês apaixonado pela aristocracia. Dizem que o realismo, na literatura foi (re)estabelecido por Flaubert. Será? O certo é que sabemos, agora, que está "tudo junto e misturado", e que o criador coloca a sua personalidade na própria obra... e isso acontece até nos mais alucinados sonhos simbolistas! Passemos a Mizrhai.


     Poderíamos dizer que Mizrhai faz teatro realista....Poderíamos? "Caixa de Phosphorus".ilustra uma trajetória ingênua, porém real.O que se convencionou chamar teatro realista reproduz cenas do cotidiano e são fiéis ao nosso dia a dia. "Caixa de Phosaphorus" disfarça seu realismo através de uma estética moderna, contemporânea, mas seu conteúdo é real, histórico. Ele pode ser vivido por qualquer jovem, em nossos dias. É, portanto, uma reprodução da vida moderna. Mas por que estou me reportando a algo tão... óbvio? Porque estamos frente a frente ao (re)nascimento do teatro realista, na obra descontraída de Mizrhai. Senão vejamos:


     A cena de "Caixa de Phosphorus" tem início com a desmontagem de um afeto, e as armas empregadas são as mesmas que vemos em um teatro de costumes, em comédias, ou em teatro realista! O casal desfaz seu convívio, e o aglomerado de caixas que compõe o cenário, - inspiração dos cenógrafos Lia Farah e Rodrigo Noroes - vai desaparecendo, junto com a sua convivência, deixando o palco nu! Leitura: parte-se para outra vida. O trabalho de direção, seguro, de Susanna Kruger, controla a tensão e a excitação das cenas juvenis. O trabalho de Kruger dá equilíbrio ao jogo dos personagens, na gangorra de separação e reencontro que se estabelece. Eis aí um exemplo perfeito de entrosamento entre dramaturgia e encenação. 


     O texto é simples, uma mistura de comédia e drama romântico; rico em descobertas, ao falar tão naturalmente de amor, ciúme, convivência... ele é incontrolável, em sua entrega e energia. Essa mistura de sentimentos juvenis, proposto pelo texto, está muito bem dosado, seu resultado é um trabalho de precisão. 


     E onde fica o realismo, nisso tudo? Fica no texto. Ele captura os nossos dias e reflete a situação de vida de um casal que se ama. O texto é engraçado e apresenta velhas novas formas de comunicação e de amor, em um "realismo do cotidiano". 

     Mas o mais interessante desse realismo é quando se entra em uma trajetória que só os intuitivos conhecem: é quando não se sabe mais quem está no comando, se a realidade ou a fantasia. Esse é o retrato do amor primaveril, essa eterna inocência. O texto de Mizrhai, como vimos, é uma mistura de linguagens, e as interpretações, bem desenvolvidas, de Ivan Mendes e Daniela Carvalho, nos colocam frente a frente com essa mistura. 

     Trata-se de uma experiência e de uma constatação. É a vida que se repete, e é, ao mesmo tempo, um recurso para conhecermos a autora, até chegarmos ao seu mais amadurecido texto: "Os Sapos". 


     (Encerramos, em crítica próxima, essa visita ao teatro de Mizrhai. O texto enfocado será "Bette Davis e a máquina de coca-cola", a partir de um esquete de Jô Bilac que se transformou em uma fantasia de muitas mãos).


     Os figurinos (do cotidiano), de "Caixa de Phosphorus" são de Arlete Rua e Thais Boulanger; Trilha sonora da diretora Susanna Kruger. Assessoria de imprensa: Daniella Cavalcanti; Direção de produção: Sandro Rabello.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

"BEATRIZ"

"Beatriz", direção Daniel Herz. Na foto Paulo Hamilton (Paulo Donetti) e Ana Paula Secco (Beatriz)     
                                (foto divulgação Dalton Valério)



CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"Um ressentido à procura de uma justificativa para se livrar de algum tapete infantil que lhe retiraram dos pés" é a justificativa de Paulo Donetti, o escritor (interpretado por Paulo Hamilton), para destilar tanta amargura e ironia a respeito dos escritores? Ninguém sabe, ao certo, o que move um escritor a realizar a sua obra, não é mesmo? "Beatriz", reestreia do Teatro do Leblon, Rio de Janeiro, é a grande procura dessa descoberta. 

     A adaptação de Bruno Lara Resende para o livro de Cristóvão Tezza, "Um erro emocional" e dos contos de "Beatriz", também de Tezza, vão além do jogo dos atores, ela desvenda o mistério que é o pensamento (não articulado) entre as pessoas. Não conhecemos os originais, mas certamente o trabalho de Lara Resende (organizar essa estrutura) dá vida ao contexto. Talvez, neste espetáculo, o público tenha oportunidade de testemunhar o primeiro contato: o mais intenso- de um relacionamento que se constroi. O final do espetáculo nos brinda com algo belíssimo, raro em teatro. 

      A constante troca entre pensamento e diálogo, de "Beatriz", faz com que o público participe, vivamente, da construção afetiva que brota entre um homem e uma mulher: uma mistura de encantamento e submissão que, em boa hora, a dupla de atores desenvolve. O cenário de Aurora dos Campos que se desloca, estabelecendo vários espaços para o encontro do casal, está muito bem desenvolvido e trabalho com perfeita afinação com a luz de Aurelio de Simoni, dinamizando a ação. Também o jogo corporal estabelecido pela diretora de movimento do espetáculo, Márcia Rubin, dá leveza e agilidade ao desempenho dos atores, agilidade essa facilitada pelos figurinos de Patrícia Muniz. A ressaltar o sex-appeal acrescentado à personagem feminina pela audácia de seu figurino, quase uma lingerie. Belíssimo! A trilha sonora de Lucas Marcier e Fabiano Krieger é marcante.

     Enquanto os atores vão se familiarizando - e ao público - com a linguagem (original) do espetáculo, a dinâmica dessa linguagem complementa o texto. Um bom exemplo é o afastamento paulatino de Caio - o escritor rival de Donetti na conquista da fêmea, e na vida literária- através do afastamento da "cadeira amarela", que o simboliza. Uma vez eliminado o rival, ficam somente os personagens e o desejo de realização amorosa. 

     E é aí, neste orquestrar de tons e expressões, que podemos avaliar o trabalho de direção de Daniel Herz. Há toda uma dinâmica entre a fala e o pensamento que deve ser muito bem compartilhada pelos atores, para dar clareza ao intrincado do texto: há todo um desafio de sincronismo. A rapidez com que as falas e os pensamentos são trocados estabelece uma crescente tensão, que atinge seu ápice na cena final, reveladora. Ana Paula Secco e Paulo Hamilton seguram muito bem o desafio, estabelecendo grande empatia entre público e personagens. Aconselha-se, com veemência, a experiência de assisti-los. É bom ver bom teatro. 

Ficha técnica: Texto: Cristóvão Tezza; Adaptação: Bruno Lara Resende; Direção: Daniel Herz; Figurinos: Patrícia Muniz; Direção de movimento: Márcia Rubin; Iluminação: Aurélio de Simoni; Cenário: Aurora de Campos; Trilha sonora original: Lucas Marcier e Fabiano Krieger; Projeto gráfico Mauricio Grecco; Consultoria psicanalítica: Evelyn Disitzer; Preparação vocal: Leila Mendes; Assessoria de Imprensa: Lu Nabuco.