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segunda-feira, 22 de julho de 2013

"CAIXA DE PHOSPHORUS"

         Daniela Carvalho e Ivan Mendes em "Caixa de Phosphorus", texto de Renata Mizrhai, direção, Susanna Kruger. (foto Alle Vidal) 



CRÍTICA TEATRAL

IDA VICENZIA FLORES

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

(Especial)



CONHECENDO MIZRHAI...


     Outro dia estava pensando sobre o atual rodízio de peças de teatro, e da oportunidade que temos de recuperar a história, evanescente, de uma época. As coisas mudaram, desde os anos 90. Agora, que conseguimos o tão sonhado patrocínio - depois de muita luta - parece que ainda está faltando alguma coisa; falta muito para chegarmos aos grandes empreendimentos de um Bob Wilson, ou de Ariane Mnouchkine, por exemplo (falando nela, soube que o Rio de Janeiro abrigará uma versão de seu Théâtre du Soleil, em parceria com Luiz Fernando Lobo, no Armazém da Utopia). Espero que estes tempos de bonança e de grandes companhias públicas se estendam também aos palcos de outros artistas brasileiros: os que quiserem fazer esse tipo de teatro, é claro. Teremos, assim, uma cena bem variada.


     Agora, felizmente, podemos recuperar o tempo perdido (para quem não viu as encenações ou não conheceu os novos autores, em tempo hábil), porque, depois do patrocínio inicial, as peças, nestes novos tempos, continuam em circulação. Como sabemos, teatro é o "momento" da encenação, o que fica é o registro. Vamos a ele.


     Começamos a assistir Mizrhai em um espetáculo infantil "Coisas que a gente não vê" (que não será criticado), depois passamos para a "fase primaveril" da autora, em que se acredita no amor: "Caixa de Phosphorus", para finalmente chegar à desilusão das relações amorosas em "Os Sapos", terceiro espetáculo - com texto de Renata -, dos que nos foi dado assistir. Talvez seja pouco, para conhecer uma autora de tantos recursos, mas trata-se de uma boa caminhada, e é bom poder registrá-la. 


     Destaco somente três espetáculos, mas eles serão suficientes para pensar sobre "realidade e ficção", tema que, acredito, interessa a autora. Nunca vamos saber ao certo o processo que une esses dois planos, a realidade e a ficção, mas sempre nos perguntaremos o que é ficção, se ela existe, realmente, ou se é extraída da fantasia do nosso inconsciente? - o que não deixa de ser uma espécie de realidade.


     Aí chegamos ao típico (simplificador?) "Emma c'est moi!", o grito de Flaubert, e o exemplo de Bovary. O encanto (flaubertiano) da heroína, o seu fascínio pela aristocracia, no romance, cruza o limite entre realidade e ficção, pois Gustave Flaubert era, ele mesmo, um burguês apaixonado pela aristocracia. Dizem que o realismo, na literatura foi (re)estabelecido por Flaubert. Será? O certo é que sabemos, agora, que está "tudo junto e misturado", e que o criador coloca a sua personalidade na própria obra... e isso acontece até nos mais alucinados sonhos simbolistas! Passemos a Mizrhai.


     Poderíamos dizer que Mizrhai faz teatro realista....Poderíamos? "Caixa de Phosphorus".ilustra uma trajetória ingênua, porém real.O que se convencionou chamar teatro realista reproduz cenas do cotidiano e são fiéis ao nosso dia a dia. "Caixa de Phosaphorus" disfarça seu realismo através de uma estética moderna, contemporânea, mas seu conteúdo é real, histórico. Ele pode ser vivido por qualquer jovem, em nossos dias. É, portanto, uma reprodução da vida moderna. Mas por que estou me reportando a algo tão... óbvio? Porque estamos frente a frente ao (re)nascimento do teatro realista, na obra descontraída de Mizrhai. Senão vejamos:


     A cena de "Caixa de Phosphorus" tem início com a desmontagem de um afeto, e as armas empregadas são as mesmas que vemos em um teatro de costumes, em comédias, ou em teatro realista! O casal desfaz seu convívio, e o aglomerado de caixas que compõe o cenário, - inspiração dos cenógrafos Lia Farah e Rodrigo Noroes - vai desaparecendo, junto com a sua convivência, deixando o palco nu! Leitura: parte-se para outra vida. O trabalho de direção, seguro, de Susanna Kruger, controla a tensão e a excitação das cenas juvenis. O trabalho de Kruger dá equilíbrio ao jogo dos personagens, na gangorra de separação e reencontro que se estabelece. Eis aí um exemplo perfeito de entrosamento entre dramaturgia e encenação. 


     O texto é simples, uma mistura de comédia e drama romântico; rico em descobertas, ao falar tão naturalmente de amor, ciúme, convivência... ele é incontrolável, em sua entrega e energia. Essa mistura de sentimentos juvenis, proposto pelo texto, está muito bem dosado, seu resultado é um trabalho de precisão. 


     E onde fica o realismo, nisso tudo? Fica no texto. Ele captura os nossos dias e reflete a situação de vida de um casal que se ama. O texto é engraçado e apresenta velhas novas formas de comunicação e de amor, em um "realismo do cotidiano". 

     Mas o mais interessante desse realismo é quando se entra em uma trajetória que só os intuitivos conhecem: é quando não se sabe mais quem está no comando, se a realidade ou a fantasia. Esse é o retrato do amor primaveril, essa eterna inocência. O texto de Mizrhai, como vimos, é uma mistura de linguagens, e as interpretações, bem desenvolvidas, de Ivan Mendes e Daniela Carvalho, nos colocam frente a frente com essa mistura. 

     Trata-se de uma experiência e de uma constatação. É a vida que se repete, e é, ao mesmo tempo, um recurso para conhecermos a autora, até chegarmos ao seu mais amadurecido texto: "Os Sapos". 


     (Encerramos, em crítica próxima, essa visita ao teatro de Mizrhai. O texto enfocado será "Bette Davis e a máquina de coca-cola", a partir de um esquete de Jô Bilac que se transformou em uma fantasia de muitas mãos).


     Os figurinos (do cotidiano), de "Caixa de Phosphorus" são de Arlete Rua e Thais Boulanger; Trilha sonora da diretora Susanna Kruger. Assessoria de imprensa: Daniella Cavalcanti; Direção de produção: Sandro Rabello.

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