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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"THE AND"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Isabel Cavalcanti no monólogo "The  And".
Direção de Isabel e
Claudio Gabriel

"Ah! Os Dias Felizes!" Ela sempre está à procura de sossego! (Foto Mauricio Maia)




    "THE AND", com direção de Isabel Cavalcanti e Claudio Gabriel. A tradução de textos de Samuel Beckett, e o caminho desta personagem interpretada por Isabel Cavalcanti, nos levam a ter uma visão do interior das pessoas que nos habituamos a ver morando nas ruas. Sempre nos perguntamos o que as leva a tal situação, e é claro que sabemos o que as leva a tal situação. Mas nunca, antes de assistir a esta peça, as entendemos como agora, com um simples olhar. Antes procurávamos apressar o passo para fugir ao espetaculo que nos era dado à revelia. Hoje tentamos entender a loucura da sociedade que gera tal anomalia. 

   A situação permanece. Sempre culpamos o “capitalismo selvagem”. Porém, quando nos deparamos com alguém como a personagem do THE AND, ficamos pensando sobre a vida que ela tem que levar. A personagem, vivida por Isabel Cavalcanti, nos leva à indagação sobre estas pessoas morando na rua. Além de termos a impressão de que conhecemos as suas almas, constatamos que entre estas personagens pode estar uma alma ingênua, uma sensível vitima de seus predicados... E constatamos ainda que, para viver decentemente temos que ser insensíveis. Mas isso está ficando um pouco à la Machado de Assis... Quem sou eu? Mas Machado entra na historia...
    
    O espetáculo nos faz pensar na situação das pessoas de rua. E então passamos a acreditar na falta de sorte da personagem, na sua ingenuidade, sua falta de defesa. E buscamos um AND ... e vamos encontrá-lo na sensível  Gelsomina, também uma personagem vítima de seus predicados. A heroína de “La Strada”, de Fellini, é uma frágil que se deixa levar pela sua inadequação para a vida. Mas Gelsomina se rebela, o que não acontece com a nossa personagem! São muitos os AND... mas os THE, facilmente identificáveis, são como os “vagabundos” de Beckett, sempre procurando entender o que lhes acontece, e sempre esperando algo que lhes modifique a vida!

     A nossa heroína tem um pouquinho dos dois, mas pode seguir ainda em sua procura, ad infinitum... Podemos reconhecê-la em diversos personagens, e podemos “ver”, através dela, muitas situações que antes nos passavam despercebidas! Sim, e esta experiência teatral é o desnudamento da alma de um ser que vive no abandono. Muitos já tentaram compreender este abandono radical, este renunciar a tudo, dos mendigos. Muitos pesquisadores da alma humana já tentaram, para compreendê-los, seguir o caminho dos filósofos. Será uma filosofia de vida, “este se negar”? Há um momento, no texto, em que a nossa heroína filosofa. Carregados de filosofia, estes “filósofos modernos” têm força para criticar o que os cerca. Há um importante momento na peça em que a nossa personagem constrói para si um refugio (um barril?). Há um bote abandonado, e ela descobre que não será mais surpreendida por bicho ou gente!
  
     Trata-se, mais uma vez, do AND na colocação do texto. Esta é a nossa leitura. Isabel Cavalcanti criou um texto que aceita várias leituras... e o AND circula, desenhando manifestações! Ele é o acréscimo, em nossa cultura. Temos Beckett e seus vagabundos: este é o THE, e temos também este ser ingênuo que é a personagem de olhar encantado e adormecido pelas negações, e que é acolhida por um outro olhar.  
Quem é este ser?

     Com Samuel Beckett, a autora vai deixando pistas pelo caminho... “aqueles” sapatos becketianos, aquelas roupas, aquele caos... e um de nossos cenógrafos preferidos – Fernando Mello da Costa – nos apresenta, desenhando a cena com seu olhar apocalíptico, nos apresenta o solo de Isabel, o jogo de Isabel, e acabamos por perceber os mendigos em sua volta, os mendigos filósofos das grandes cidades! E acabamos por perceber o clochard de Paris! Este AND... nos faz lembrar os estudantes da capital francesa, de como eles acompanham os mendigos, os "inadaptados, que vivem sem trabalho e sem domicilio", de como os estudantes sentam-se nas ruas a seu lado, e conversam com eles... Os jovens querem descobrir o que há dentro do cérebro destes seres distantes da sociedade! Mas não basta, para eles, os jovens, somente imaginar...

     Serão estes mendigos, incluindo a nossa personagem, alguma espécie renovada de Diógenes, morando em seu barril, procurando a luz, criticando a sociedade em que vive?
     
     A personagem criada por Isabel Cavalcanti também faz a crítica da sociedade atual e, tal como Diógenes, – ela procura o seu barril, para morar em um lugar onde as pessoas possam ficar sossegadas.

     E a personagem o encontra, transformando uma canoa abandonada em uma casa inventada por ela mesma, para lhe dar o aconchego tão procurado!    

      E como percebemos Isabel Cavalcanti, a atriz que personifica esta personagem? A atriz sai desta empreitada mostrando a sua grande sensibilidade. Desenhar uma renúncia, uma rejeição, algo que atormenta essa personagem tão excluída é, no mínimo, revelador. Passar  esta revelação para o público, na dimensão que a atriz da à personagem  é algo a ser respeitado. Não há tergiversação, não há princípio, nem há fim. A situação apresenta-se como sempre foi: uma poesia triste, melancólica, irreversível! (Muito raramente há um final feliz...). 

     Há uma cena em que a autora atriz consegue se sobrepujar. E esta cena  é a do porão, onde as pessoas, suas pernas, seus sapatos, passam, e ela se interessa pela vida daquelas pessoas que passam (meu Deus, já li esta passagem em  algum romance! Talvez seja em Dostoievski!). 

     Mais ainda: na sua ingenuidade e loucura, a personagem abre mão de sua segurança, para dar todo o dinheiro que lhe resta a alguém que se apresenta como detentora do poder, ou seja, como sendo a proprietária do porão em que a personagem passou a viver... em seu desejo de isolamento. Fabricamos a nossa própria vida – diz o principio aristotélico da tragédia – e podemos acrescentar: também fabricamos a a nossa própria loucura.


     Não é mais possível controlar a situação, e a nossa heroína cede ao seu destino. E ressurgem, neste momento, os sintomas da loucura... e este é um importante caminho para compreender o infortúnio desta personagem. Ela se entrega. Ela recebe os acontecimentos como algo que a assaltam, avassaladoramente.
     Isabel Cavalcanti vence com bravura todos os obstáculos colocados em seu caminho de atriz. Todos os obstáculos de sua personagem. E isso é o que podemos chamar de um grande desempenho.


     A personagem é acompanhada pela música de Fauré, na Direção Musical de Marcelo Alonso Neves, e temos assim, “casados”, um dos mais belos momentos do espetáculo, quando a mendiga enfrenta a sua falta de sossego, embalada pela música, a qual ela não escuta. Ela somente enfrenta os bichos (os piolhos) que a atormentam. Temos também a direção de movimento de Cristina Amadeo unida à direção musical de Marcelo Alonso Neves, tudo revelado pela mágica luz proporcionada por Renato Machado. E assim se transforma em beleza um momento tão revelador e desumano! 



     Temos também os figurinos, muito adequados, de Claudio Gabriel – o diretor desta obra tão bela – e de Isabel Cavalcanti. O design visual é de Sônia Barreto, e a tradução das citações de Beckett são de Isabel Cavalcanti. Com a  Produção Executiva de Ana Velloso e Vera Novello, da Lúdico Produções, o espetaculo desliza com perfeição.

     A idealização do espetaculo é de Claudio Gabriel e Isabel Cavalcanti. Podemos ver, na capa do programa da peça, uma alusão a “Dias Felizes”,  de Samuel Beckett (que ilustra também esta crítica), e no texto há várias citações do mesmo autor. Vale a pena conferir. Esta foi "A “Primeira Temporada do Espetaculo”. Ele irá voltar, brevemente. PRESTEM ATENÇÃO... E NÃO PERCAM! 


   

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"HEIDENBERG - A TEORIA DA INCERTEZA"

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Everaldo Pontes e Barbara Paz em "Heidenberg - A Teoria da Incerteza", direção Guilherme Piva
(Foto Nana Moraes)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

HEISENBERG – A TEORIA DA INCERTEZA

     Pois é. Aí surge uma atriz que é uma mistura muito peculiar de Marilyn Monroe e Leila Diniz; ela (Barbara)  coloca no chinelo as duas atrizes. Trata-se do fenômeno Barbara Paz, uma gauchita de Campo Bom (Vale do Rio dos Sinos, região alemã), há algum tempo radicada na Região Sudeste do Brasil, principalmente São Paulo e Rio. Pois Barbara mostra, para  cariocas, paulistas e quem mais vier, como é que se representa (disfarçando com uma alegria brutal) uma mulher desesperada! Aconselha-se a todos que amam teatro a não perderem Barbara Paz e “Heisenberg”, que vai nos deixar no próximo dia 26 de agosto. Não temos a mínima ideia para onde irá este espetáculo puro sangue.

     Outro grande ator, que se propõe a lembrar a quem assiste teatro como se deslocam grandes personagens é Everaldo Pontes. Dele falaremos depois de apresentar  Simon Stephens, criador de “Heidenberg”. O dramaturgo inglês e sua inesperada criação (ele também é professor da “Young Writers for Theatre”, de Londres), nasceu em Manchester, cidade de onde partem grandes gênios...  

     E o mérito também é, e diria principalmente, de Guilherme Piva, surpreendente diretor. Estamos atirando tapetes vermelhos porque Piva surpreende como diretor. Talento puro. Piva desenvolve “naturalmente” o trabalho com seus atores. Quando assistimos a este desregramento de emoções ficamos suspensos para alcançar ao seu desdobramento até o final insuspeitado.

       E voltamos ao ator que acompanha Barbara Paz: Everaldo Pontes. Ele é paraibano. Só uma observação:  Antonio Abujamra considerava os atores vindos do Nordeste com algo muito diferenciado em sua interpretação. É o que podemos presenciar neste espetáculo.

     Os dois atores nos contam a historia de um desencontro ... fatal? Ao externar as mudanças na alma “daqueles dois”, somos levados a uma completude raramente encontrada em uma simples troca de afetos. Trata-se da presença de algo insondável. Talvez a presença da morte. Na verdade a peça é um circunlóquio sobre a morte.

     Esta não é a primeira vez que Simon Stephens é encenado no Brasil. Sua estreia foi em São Paulo, com “Punk Rock”. Quando Solange Badim tomou conhecimento do dramaturgo quis encená-lo no Rio. Guilherme Piva aderiu ao espetáculo. A tradução e adaptação da peça é de Badim.

     Tudo parece se unir para levar a situações construídas passo a passo. Os dias vão se sucedendo, os acontecimentos vão se desenvolvendo através de um dialogo febril, e logo os dois estão envolvidos, irremediavelmente. Há momentos tensos, e momentos  amorosoS, deixando desprotegidas as certezas dos envolvidos.

     A peça quer-se como um grande movimento em direção à vida. Porém, os dois personagens são envolvidos pelo inesperado, algo que costura relações mal definidas. Há doçura e desespero, e há um só caminho: a vida. Porém “é impossível determinar subitamente a posição e a velocidade de um elétron” – que domina a vida. E Simon Stephens nos coloca a questão: Quem é “Heisenberg”? E ele mesmo nos responde:  É o cientista que desenvolve “o princípio da incerteza”: é a Ciência decidindo as nossas vidas.   

      A este destino ninguém pode fugir. Não sabemos em que direção caminha o teatro, se há fatalismo, ou cientificismo em toda esta questão, o fato é que a  coreógrafa Marcia Rubin ficou encarregada dos movimentos de Barbara Paz e Everaldo Pontes, e nos deu varias opções para o julgamento do que pode acontecer com os átomos e com os elétrons.

     Marcelo H não lhe ficou atrás com a sua trilha sonora, e estes dois artistas, a coreógrafa e o músico, conseguiram  momentos fabulosos de união entre estas duas linguagens: o “bordado” de um tango, e as reações de Barbara, secundadas por movimentos de Everaldo em direção à vida!

     O desenho de luz do espetáculo é de Beto Bruel. Ela, a luz, acentua o encantamento, e os figurinos de Antonio Rabadan enfatizam o que pode nos trazer a personalidade dos atores!
“HEISENBERG” VAI ATÉ O DIA 26 DE AGOSTO, NO TEATRO POEIRA.  NÃO PERCAM!        

sábado, 18 de agosto de 2018

"NAQUELE DIA VI VOCÊ SUMIR"





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Camila Márdila e Miwa Yanagizawa em "Naquele dia vi você sumir", direção Areas Coletivo
(Foto Renato Mangolin)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

 NAQUELE  DIA  VI  VOCÊ  SUMIR

     A cena é criada pelo AREAS Coletivo, um grupo que promove espetáculos e estudos teatrais, sediado em São Paulo. Ele encontra-se atualmente no Rio de Janeiro apresentando, até outubro, um trabalho de pesquisa inspirado no livro de Luiz Ruffato, “Eles Eram Muitos Cavalos”, titulo que é, por sua vez, inspirado no capítulo do livro no qual a poeta Cecília Meireles conta os acontecimentos e personagens de nossa historia brasileira, em o “Romanceiro da Inconfidência”!

      Luiz Ruffato dedica seu livro à Cecília, e cita o trecho: ”Eles eram muitos cavalos, mas ninguém mais sabe os seus nomes, sua pelagem, sua origem...” (do Romance LXXXIV “Ou Dos Cavalos da Inconfidência”). Talvez, seja essa a nossa historia, o nosso cotidiano fragmentado em cenas avulsas... 
     
        A ideia é interessante, a e maneira de desenvolvê-la mais ainda. Estes 
“cavalos de que não se sabe a origem”  estão  presentes  na  encenação  do
 AREAS  Coletivo. Por sua vez, o AREAS convidou o grupo Magiluth, do 
Recife, para completar a paisagem, através dos atores Giordano 
Castro e Pedro Wagner.

     E como ficou isso? Quatro atores completando a experiência. O AREAS explica: “Assim, renovamos e inauguramos relações, algo que se estende por toda a equipe, na tentativa de ressoar a natureza colaborativa que nos é tão relevante e primordial”.

     No palco, duas atrizes do AREAS: Miwa Yanagizawa e Camila Márdila. A idealização do espetáculo foi de Camila e Liliane Rovaris. Mas, claro, tem muito mais gente envolvida...

     A cenografia é do AREAS Coletivo, e o que presenciamos é algo insólito: no minúsculo palco do Teatro III do CCBB, no Rio, a cena se tornou gigante. Sabem como? Aproveitando ângulos e luz, um fundo negro e interferências... quebradas por possante iluminação (que é uma das vozes do espetáculo), proporcionada por Beto Bruel. Entre ângulos e luzes, os espaços se definem. Quem opera esta luz? Rodrigo Lopes e Dudu Nobre. (Engraçado, estes nomes nos parecem velhos conhecidos...). Os figurinos, marcando personalidades, são de Yumi Sakate, que também é a responsável pela direção de arte.

     Invertemos o processo, e a ficha técnica veio, quase toda, no início da crítica. Tal fato acontece pela presença, muito íntima, entre a interpretação, o espaço cênico e a indumentária. E há também a consultoria técnica de Bruno Girello. O espetáculo é tão inesperado, como inesperados são os cortes de cena!

     Sobre o aspecto referido acima, o mais impactante (se é que podemos selecionar impactos nesta experiência) é o cão, externando o seu pensamento. Como vivemos cercados de cães, nunca nos passou pela cabeça (ou passa o tempo todo...) o lado humano tão evidente que eles levam... no olhar! Impressionante e acolhedora (no sentido de ser bem recebida pelo público), a interpretação do animal, feita pela atriz Camila Márdila, perfeita em sua expressão corporal. Interessante observar que o elenco feminino se distingue por características muito próprias, em sua maneira de interpretar. Enquanto Miwa Yanagizawa possui uma máscara facial impressionante e com ela o texto adquire força maior, Márdila possui, além da interpretação perfeita, a força do corpo, que se transmuta em “essências”. Olha-se, mas não podemos definir a atuação da atriz.

     E o que se percebe é a voz profunda das Gerais sugerindo uma vida em comum. São cenas do cotidiano, imaginadas por Ruffato, e interpretadas pelos atores. Além do livro de Cecília há intervenções surgidas em outras obras de literatura (e até da filosofia!). São escritos de Sarah Kane (Ânsia), ou de Sam Shepard, (Angel City); ou ainda Deleuze, em “Diferença e Repetição” ... e muitos outros autores. Vocês nem imaginam o poder cultural que o teatro está reconhecendo em si mesmo. Vale a pena conferir.

     A participação do ator pernambucano Pedro Wagner é cativante e sutil, principalmente quando transmite as emoções de um monólogo sobre o amor, escrito por Sarah Kane (e talvez modificado por Wagner, mas são tão bonitas as palavras! Ouçam/leiam só!) - “e escrever poemas para você e pensar porque você não acredita em mim e sentir tão profundamente que eu não ache palavras para expressar esse sentimento e ... vagar pela cidade e achar que ela está vazia sem você ... e achar que estou me perdendo e querer o que você quer ... e me derreter quando você sorrir ... e ficar assustado quando você estiver zangada ...  (e por aí vai!). Belo momento!

     E tem Giordano Castro entrando como se um cavalo de Ruffato fosse. E trazendo sua ternura solicita e desajeitada para sua amada (Yanagizawa). Achamos que esta peça é um poema em prosa! E uma constatação de nosso despreparo para a vida! Há cortes ternos, e cortes violentos, como o impacto do atropelamento, teatralmente muito bem sucedido, com efusões de luzes e vidros!

     E é muito interessante a solução que o AREAS encontrou para contar, em flashes, a vida no olhar de Ruffato! O AREAS Coletivo é o encarregado da criação e direção deste espetáculo que é novidade pura. Ah! Já ia esquecendo! A trilha sonora original é de Azul e Chad Challoub. Muito boa! Só podemos aconselhar este espetáculo: NÃO  PERCAM  ALGO TÃO  INSÓLITO!    

   

domingo, 12 de agosto de 2018

"O GRELO EM OBRAS"

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Carmen Frenzel, Lucilia de Assis e Claudia Ventura em "O Grelo em Obras", direção de Fabiano de Freitas.
(Foto Renato Mangolin)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     A respeito de “O Grelo em Obras”, espetáculo comemorando os 20 anos de “O Grelo Falante”, em cartaz até o dia 19 de agosto, no Teatro Sergio Porto, no Humaitá.
     O Grelo fala, e há diversas maneiras de fazê-lo falar, uma delas é através da “lascívia” de uma Messalina (o que não é o caso), outra pode ser através da consciência histórica do feminismo.... ou da comedia  política, porque a comedia teatral é um dos maiores veículos políticos.
     As atrizes que optaram por levar á cena a fala do grelo, neste “O Grelo em Obras” (ou seja, “em atualização”), optaram por iniciar, no programa da peça, com a evolução histórica da  mulher neste planeta, Lucy, a das cavernas (mas só no programa da peça). O espetáculo surge com outro perfil, e queremos falar sobre este novo perfil.
     Imaginamos que, em se tratando do feminino, a independência deve ser total, porém inovadora. Imaginamos que, ao se acender a luz do palco o “grelo”, unicamente, comece a falar, deixando as atrizes serem o seu porta-voz! E não é fácil fazer o grelo falar! (Às vezes elas se referem pelos nomes). Pois bem, e o que “ele” tem a nos dizer? O mais importante é a sua reivindicação a ter voz e ser ouvido, pois sempre quem fala é o “pau” masculino! Realmente, falar por falar não adianta. Não há nada mais “sabido e requentado” do que a historia pregressa do grelo! Aconselha-se a pensar no seu futuro, apesar de as atrizes do “Grelo” deixarem escapar a tentação de falar no seu passado, mesmo que, às vezes, a narrativa se transporte para o ano 2090. Em consequência, ficamos com a impressão de que tudo continuará igual, com esse jogo de “vai e vem” no tempo. Ad infinitum.
      Será? No programa da peça as atrizes Carmen Frenzel, Claudia Ventura e Lucília de Assis (prestem atenção no trio excelente que resolveu dar voz ao grelo!) se dispõe a dar um tratamento histórico à peregrinação do grelo, começando por Lucy, aquela pré-histórica acima citada, e há mais de 3 milhões de anos fora deste planeta. Não se aconselha dar continuidade a tal evolução – nem daria tempo – pois a proposta das atrizes é abordar o presente à procura do futuro do grelo! Aliás, essa procura começou há 20 anos... O atual espetáculo está comemorando a data, e tentando renovar os acontecimentos que, por ventura, alteraram o caminho do tema abordado.
      O momento mais impactante da apresentação é quando as três atrizes solicitam a colaboração da plateia para continuarem a pensar o texto! (ou talvez para entenderem o que a plateia entendeu do espetáculo...). Vemos que o feminino continua em questão, mas está sendo debatido jocosamente - e com a mesma liberdade que o masculino debate a fala do seu “pau!”.
     Vamos lá? (Ô assunto difícil, esse!). Ele se quer comedia, mas na realidade é uma tragedia! Pelo menos dois pontos devemos adicionar, para ajudar nas obras deste grelo: o primeiro seria o elenco ouvir mais a sua voz e também a do sexo oposto. Aconselha-se às reformistas do grelo prestarem atenção ao que ele lhe fala! Ou seja, deixar de lado o que  aconteceu no passado e construir o presente, para chegarmos a um futuro mais racional?
     Sim, porque “O Grelo em Obras”, além de ser falante, deve se atrever a ser racional...! Já pensaram que hilário seria um grelo filosofal? A propósito, outro dos bons momentos do espetáculo é justamente quando o grelo retruca Freud. Trata-se de uma fala racional. E também quando o grelo declara que possui um pau! É neste momento que o espetáculo se reconstrói, quebrando as barreiras da perigosa mesmice. Sim, “todas e todos” têm pau e grelo! É a conclusão a que chegam as defensoras dos três grelos (pois eles são representados por elas). Uns são dominantes, outros recessivos, mas todos estão ali, atentos a seus desejos... E não só os desejos sexuais, os de vida vivida também!
     Temos quase certeza de que muitos expectadores vão assistir ao grelo em busca de uma boa sacanagem. Que tal botá-los a pensar na historia da “assimilação dos contrários”? Complicado, isso. Será que eles vão ficar decepcionados com o “papo cabeça”? Atenção! Produtores e elenco, não desistam dessa procura, não desistam do espetáculo, ele é necessário, e o contato com o público é essencial, tornando possível o grau de entendimento da plateia a respeito da proposta desse encontro. E, para escândalo de todos nós, vocês já pensaram que as mulheres também têm um fallus? Que coisa! São elas que movimentam a nossa historia, por mais que o machismo queira transformá-las em bobas: são elas que começam as revoluções e se preocupam em “mudar o mundo” ( não as bobas, é claro. Elas existem!).
     Sobre o elenco: são hilárias as intervenções de Carmen Frenzel quando ela fala em estratégia com sua sócia e companheira ausente, Islovina, fazendo a imitação da maneira de falar de Paulo Francis! E Claudia Ventura se revelando também como “a woman show”, cantando e tocando a sua guitarra! E Lucilia de Assis, ótima comediante!
     Seria muito bom que o texto se abrisse para o que está acontecendo atualmente com as mulheres. Tanta coisa! Elas são candidatas a vice-presidência do Brasil; querem igualdade nos salários, o mesmo dos homens, para a mesma função; querem que parem com essa mania de mandar em seu corpo! E muito mais. E as atrizes deste espetáculo são lindas! Nunca haverá mulheres como Carmen Frenzel, Claudia Ventura e Lucilia de Assis. Elas estão fazendo história com “H” maiúsculo!
     Só sentimos, na peça, não haver um olhar mais crítico, mais provocador – irreverente mesmo! - sobre as mulheres e o mundo em que vivemos. Ponham pra quebrar! Sem medo!
     E é interessante lembrar o que Carmen Frenzel diz: “o primeiro slide que apresentamos é de um homem”. Trata-se de Apolônio de Carvalho, um querido líder político voltado à solidariedade e à empatia, sentimentos que são o futuro da humanidade!  
     As três atrizes parecem não acreditar muito em mudanças para o futuro, elas vão e vem, pulando do nosso ano para o 2090, falando sobre o final do milênio da mesma maneira que falariam agora... e com as mesmas limitações para a mulher! Mas, como diz uma expectadora, na hora de conversar com as atrizes:  “o  importante é participar”. Nós também acreditamos que as mudanças dependem muito de nossa participação!
     E há um momento no qual as atrizes comentam a censura ao “Grelo”, no título do programa, quando elas foram chamadas a apresentar seu trabalho em uma televisão, um programa humorístico só delas! Parece até piada, mas o grelo ficou assim, na censura televisiva: “O G.... Falante”. Algo parecido aconteceu também com Antonio Abujamra e o seu “Os Fodidos Privilegiados”, que passou a ser conhecido, na imprensa, como “Os F... Privilegiados”...!
      A coisa está esquentando, aí com vocês. Os gritos e palavras censuradas que vocês proferem mostram a intenção de seu trabalho. E os figurinos! São muito divertidos, principalmente os das “bailarinas” no início da peça, com seu saiote de fru-fru de tule! São de Nívea Faso. O cenário, caótico, também é da figurinista e diretora de arte. Para a direção do espetáculo elas convidaram Fabiano de Freitas, e para a iluminação, Renato Machado e Mauricio Fuzyiane. Tudo para mostrar  que elas não têm nada contra o pau, e porque eles são profissionais supercompetentes.
PARTICIPEM! NÃO PERCAM! LONGA VIDA PARA ESTE “O GRELO EM OBRAS”!

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

"MOLIÈRE"

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Elcio Nogueira Seixas (Racine); Nilton Bicudo (Louis XIV) e Matheus Nachtergaele (Molière). Direção Diego Fortes. (Foto Estudo FB)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     Ora, ora, ora...! Como é bom ver todos estes homens (e mulheres...) de teatro jogando sua carga de ironia (e por que não dizer “safadeza”?) para cima de nós, possuidores de olhos e ouvidos famintos, abertos para uma cena irreverente! Um conselho: expectadores, acreditem só um pouco nas palavras de Molière, quando ele se refere ao caráter sem amarras de Racine! Molière em cena, dominado pela vontade de Matheus Nachtergaele, deixa-se levar pela ilusão da influência benéfica que exerceu sobre Racine, o irônico e também "dominante de plateias", que viveu, como Molière, no século XVII, e teve alguma ligação - enfatizada na peça - com Molière! O nome dele hoje em dia é Elcio Nogueira Seixas! De onde Nachtergaele tirou este ator? Eles criaram o Teatro Promíscuo, os três, pois Renato Borghi também está junto – e como! - e se excederam nesta bendita criação paulista que veio visitar o Rio de Janeiro!

     Mas, segundo ficamos sabendo por Molière (com exagero): foi ele quem  ensinou Racine a se comportar à mesa e a se relacionar com  a Casa Real. Mal-agradecido Racine! E o sensível Molière vai em busca de remediar o que considera falta de respeito com a sua arte, colocando em cena a sua visão! Na nossa versão (já que o jogo é livre), o que realmente aconteceu foi que “o homem de Port Royal” (picuinhas à parte, Racine) via o filho do tapeceiro (Molière), como um vulgar armador de “pecinhas” e de encrencas. Se vamos começar a falar em Port Royal, podemos dizer que Racine, à época, era tão bem visto quanto Blaise Pascal, em sua cultura do século XVII! Blasfemamos? Sem a exaltação religiosa deste último. Que o digam  Voltaire e Saint Beuve, homens que sabiam apreciar as qualidades do talento clássico que tanto aborrecia Molière!

        Mas por que estou me referindo ao passado destes dois artistas, Molière e Racine?  Por que é, de fato, muito divertida a iniciativa da autora mexicana Sabrina Berman, ao destacar furiosamente as desavenças entre os dois preferidos de Louis XIV! Por exemplo, fica bem construída a rivalidade quando “Natchtergaele///Molière” se refere ao aborrecimento soporífero que “Phedra” poderia suscitar ao público de Racine!

     Bendito espetáculo,  e o elenco deste "Molière"! E as citações da política atual e de frases reproduzidas por nossas “excelências”, em acontecimentos sociais do presente, e o cada vez mais impressionante ator Renato Borghi e sua atuação, nos leva a recordações de um "certo espetáculo" de autor brasileiro que ficou na historia, e que recentemente esteve por aqui... Mas não querermos comparações,  "Molière" tem a sua própria loucura! e Borghi sua própria arte! ... Ele interpreta o Arcebispo Beaumont de Péréfixe, que  inspira Molière a criar o seu Tartufo! Elenco de primeira, Georgette Fadel (com cenas cruéis em sua buffonerie), é Gonzago, o factotum de Péréfixe! E Luciana Borghi, como a atriz Madeleine Béjard, companheira de Molière. Luciana interpreta também a Rainha Mãe - a espanhola Ana de Áustria.

... e Nilton Bicudo como Louis XIV? (muito bom); e Rafael Camargo (La Fontaine). E o aderecista Raphael Hubner com suas perucas dá o toque às cabeças coroadas, e a dos artistas da época, ressaltando o apogeu da excentricidade que viveu a França daquela época. É algo a ser comemorado em nossos palcos... E há mais, muito mais... 

     Mas quem é mesmo, afinal, esta Sabina Berman que separa tão bem Aristófanes e Eurípedes - Molière e Racine? Que dá alento a Racine, ao mesmo tempo em que coloca Molière em sua verdade última de ternura e raiva? Ficamos sabendo que a premiadíssima autora mexicana mexeu com a imaginação da troupe do Teatro Promíscuo, que ora nos visita (vinda de São Paulo com “Molière”, depois de ter viajado o mundo...).     

     Mas não paramos as citações... 
  Temos Regina França como Madame Parnelle e Mlle. Du Parc; Debora Veneziani, a “descarada namoradeira” Armande, que fez Molière chorar... e com ela se casar!  ... Fabio Cardoso como Lully (outro preferido de Louis XIV!), ele toca pianola como nos tempos de Versailles, acompanhado pelos músicos Beatriz Lima, Edith de Camargo (que também interpreta um Marquês), Renata Neves (musicista) e muitos mais, além de Thomas Marcondes. E quem é o diretor? Chama-se Diego Fortes, ele amou dirigir este trabalho, o fez como o sonho de sua vida! Também é de Diego a adaptação dramatúrgica do espetáculo, com a escritora Lucy Collin. A tradução é de Renato Borghi com Elcio Nogueira Seixas. Direção musical de Gilson Fukushima. E aí vem a sequencia de músicas: “Dans mon île”, de Henry Salvador, cantada magicamente por Luciana Borghi, e também algumas adaptações de músicas de Caetano Veloso, há “Reconvexo” cantado por Marco Bravo e Edith de Camargo e, encerrando o espetáculo, o belo “Coração Vagabundo” cantado/declamado! pelo ótimo Matheus Nachtergaele. Aliás, sobre este trio – meu Deus – não há o que destacar: Matheus, Borghi e Elcio Nogueira Seixas. (Ficamos enamorados pelo elenco, e surpreendidos com Elcio Nogueira Seixas, ainda desconhecido para nós, o inesquecível Jean Racine!). A cenografia é remarcable, pelas mãos de André Cortez e Carol Bucek. Eles incendeiam o duplo palco... Iluminação: Beto Bruel e Nadja Naira. Aderecista: Raphael Hubner. Vida longa e muita diversão para este MOLIÉRE!