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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

"ABAPORUTAÇÃO"

"Abaporutação" - espetáculo encenado em Manaus, pelo ator performático Dimas Mendonça, no Espaço das Companhias. (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional dos Críticos de Teatro – AICT)
(Especial em Manaus)

“PENSA QUE SABE” é o nome do panfleto que recebemos no início da Performance Teatral “ABAPORUTAÇÃO”, no Espaço das Cias, teatro de Ricardo Risueño.  

     Que nome complicado é esse, que leva à Tarsila do Amaral e ao seu “Abaporu”? Pois leva mesmo... esse “gente que come gente” (que vem do Tupi Guarani, ou ‘Língua Geral’, como nós no Sul a conhecemos), alimenta um espetáculo que tem como subtítulo um ‘Processo Natimorto’. Vá entender! Há ramos e ramos dessa Língua Geral... dessa ABAPORUTAÇÂO, mas vamos ficar por aqui, nessa “natimorta” ação!

     Obedecendo a um impulso de assistir (e destacar) artistas e teatros experimentais das cidades que visito, e aproveitando a minha visita a Manaus, fui assistir a um dos bons atores da região, Dimas Mendonça, em cartaz ‘por um dia’, na performance criada por ele. Ao chegar ao teatrinho de Ricardo Risueño ficamos em dúvida se o público vai assistir ao espetáculo, aos personagens que irão ser retratados, ou à equipe  do teatro, que se desvela, proporcionando o espetáculo? Claro, fui assistir a tudo isso. Afinal, quem “Pensa que Sabe”? Como não temos nada a perder, fomos assisti-lo. (Só como esclarecimento: o ator em questão pertenceu ao extinto TESC (Teatro Experimental do SESC do Amazonas), fez parte de alguns grupos de palhaçaria de Manaus, e assistiu cursos em São Paulo. A seu favor, ainda, o público jovem que lotou o  pequeno “Espaço das Cias”, do paraense Risueño. O “teatrinho” está situado no quarteirão do Teatro Amazonas, “o local onde as pessoas se encontram”.

     Pois bem, em sua única apresentação, Mendonça escolheu seis personagens para representar a potencialidade de sua performance: primeiramente, um “amante do teatro” (um egocêntrico fanático); depois uma mãe amantíssima - seguida por um pastor evangélico; um cantor (que não consegue cantar, mas que, com o desenvolver da performance, encontra o seu tom), e também um bailarino. Pelo que podemos compreender, os personagens saem da criação do ator - que poderíamos chamar de ‘o diretor do espetáculo’.  (Não há ficha técnica).

     Como podemos perceber, essa é uma apresentação sem pretensão de receber criticas, tal a sua simplicidade, porém, a criação e o desempenho do ator é tão boa que é necessário registrá-la! Dimas incorpora também o personagem do raivoso “machoman”, e tal composição de “elenco de seis em um só ator” mostra o grau de desafio que o ator se propôs enfrentar.

    Ao chegar ao teatrinho recebemos uma pequena publicação, uma única folha de papel  – um ‘jornal’, o nº 1 - escrito pelo ator, e por amigos convidados. O “Pensa que Sabe” (assim se chama o jornaleco), convidou o poeta e acadêmico Aldísio Filgueiras, nome bastante conhecido e prestigiado em Manaus, para abrir o programa com um poema de sua autoria: “Ai de ti, Manaus”: ..”tu viste/na televisão/ o crime/ suprir/ tua lei – no teu olho – & preferiste/ voltar/as costas/ para o rio/ & a floresta//... Este poeta nos deve uma visita ao Sul, talvez para o lançamento de seu livro de poemas “A Dança dos Fantasmas”.

     Diz Mendonça, no "Pensa..." : ”Para um país invadido, um estado roubado e uma cidade inventada, um eterno esforço de reconhecimento de origens. Para isso, um inútil processo de pesquisa e experimentação artística numa busca burra pelo novo, diferente e original nas artes.” É o que veremos, a seguir. (Se é “novo”, e “diferente”, não sabemos... mas é inesperado, principalmente para quem visita a região), é o “grito” de um ator não deixando a sua arte cair no “oblivium”. A performance de Mendonça nos faz encontrar personagens fortes, angustiados, passíveis de crítica, caricatos, mas sempre em uma procura que se agiliza, conforme o espetáculo vai se desenvolvendo. Assim, temos, sempre as inesperadas reações do “amor ao teatro”, que levam o “ator-amante” representado a realizar malabarismos impensáveis para defender o seu amor. (A concepção, direção e desenvolvimento do espetáculo, inclusive a coreografia, é de Dimas Mendonça, que também atua). O ator interpreta o ‘bailarino’ - excelente - ou o ‘cantor’, que inicia desafinado e aos poucos vai encontrando o seu tom. A seleção de músicas - ou o que podemos chamar de ‘a trilha sonora do espetáculo’ é um destaque positivo, seguindo a proposta.

     Dimas Mendonça ultrapassa, com ímpeto, a todos os desafios. Trata-se de uma performance profissional que pode ser apresentada nos principais centros de nosso país. (ATENÇÃO, PATROCINADORES!). O desenvolvimento dos personagens vai em um crescendo quase insuportável, atingindo uma velocidade digna dos ‘modismos internacionais’ encenados, atualmente, nos teatros do Sudeste. Há o mesmo afã de contar histórias em 30 minutos!...  os outros 30 minutos do espetáculo sendo preenchidos pela comunicação de Dimas com o público... que interage com entusiasmo, terminando todos de mãos dadas com o ator!

     O que se apresenta no palco de Risueño, inclusive o  cenário, coberto de plantas, e com seus bancos surgidos no meio das “árvores”, onde as luzes se assemelham a borboletas noturnas, e onde o breu finalmente se estabelece - deixando espaço para uma luz ao fundo da cena, filtrada pelos vidros da "parede-janela" que integra o exterior, tornando-se a sua respiração! É a iluminação dos edifícios que, ao fundo da cena, se acendem e apagam. Um belo espetáculo extra, a luz dos edifícios. Elas dão um bonito efeito final ao espetáculo. Talvez o bom resultado de ABAPORUTAÇÃO dependa, mesmo, desse improviso, dessa união com o espaço exterior. Não sabemos se o espetáculo funcionará, com o mesmo encanto, em outro espaço cênico. Talvez sim. E talvez essa experiência funcione, em outros Estados do país. ONDE ANDARÁ O “ABAPORUTAÇÃO” AGORA?                
         


Final de ABAPORUTAÇÃO, com o comentado efeito dos edifícios que iluminam a cena. O 'Breu' veio depois... (Foto de Thais Vasconcelos e Fabiano Barauna). 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

CLARISSE ABUJAMRA E O LIVRO DE ABU

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

QUERIDA Clarisse! 

     Mando para você um trecho do livro de Antonio Abujamra "CALENDARIO DE PEDRA" - que escrevo). Gostaria que você completasse algo sobre você e Abu. (Sei que estás fazendo sucesso com novo espetáculo, em São Paulo. Quando vocês vierem ao Rio quero assisti-lo). Agora mando um trecho em que falo na família, nas mulheres artistas da família. Gostaria de me alongar sobre você, Clarisse, sua experiência como artista, com Abujamra. Pode ser? Estou fechando o livro e senti falta da sua palavra sobre vocês, que foram tão próximos.  O trecho (no livro) começa assim: 
 ______________________

     Maria Abujamra é a única "mana" viva. Maria é professora de expressão corporal para teatro, e (é) era sempre convidada por Abujamra para acompanhá-lo aos espetáculos, quando ele estava no Rio de Janeiro. Maria assinou, entre outros, a expressão corporal de "Exorbitâncias". A "mana" era boa companheira nos grandes momentos da vida de Abu. Fica a lembrança carinhosa da 'Família Abujamra' ... de seus filhos Alexandre e André. De Belinha...  e da querida Clarisse Abujamra que, mesmo sem saber, colaborou! Ela dirigiu o tio em seu primeiro monólogo "O Contrabaixo". O "histórico" de Clarisse é nosso conhecido: bailarina, atriz e diretora. Um de seus mais recentes trabalhos foi apresentado no Rio de Janeiro, em 2013. Um monólogo de sua autoria, "Antonio - da Tua Necessaria Poesia", sobre os três "Antonios" de sua vida, incluindo o tio-diretor. 

     Há muitas diferenças entre os dois projetos, o de Abu e o de Clarisse; principalmente pelo fato de o monólogo da atriz/bailarina ser sobre sua experiência de vida, o que não acontece com "O Contrabaixo". Clarisse está há mais de 10 anos nos palcos com o seu monólogo sobre os Antonios,  em intervalos e mudanças, inclusive as de direção, que no início era feita pela prima Márcia Abujamra, e agora Clarisse se autodirige. O seu "tio Totó" (é assim que os sobrinhos chamam Abujamra), apresenta sempre a sobrinha como "um grande talento". Há outras sobrinhas talentosas: entre elas, a atriz Yara Jamra, de voz metálica e vocação para a comédia. Yara adotou o nome original da família, o "Jamra" dos "Abu-pai". "Jamra" quer dizer "a que mantém o fogo acesso".


     Voltando à Clarisse ... (aqui você pode falar o que quiser sobre você, seu tio, sua carreira). O espaço é seu! Pode ser uma página, duas... um parágrafo! Como você se sentir melhor. Estou pensando em entregar o livro dia 31 de janeiro para o editor. Você pode me mandar algo sobre vocês para este e.mail? 
(vicenziada@gmail.com). Fico muito agradecida. Beijo e sucesso sempre! Feliz 2017!  Ida Vicenzia

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

"CABEÇA (um documentario cênico)"

Guilherme Miranda, Lucas Gouvêa e Leonardo Corajo em "Cabeça (um documentario cênico), direção de Felipe Vidal. (Foto Ricardo Brajterman)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

CABEÇA – (um documentário cênico)

     Elenco em ordem alfabética: Felipe Antello, Felipe Vidal, Guilherme Miranda, Gui Stutz, Leonardo Corajo, Lucas Gouvêa, Luciano Moreira, Sergio Medeiros. 8 atores que se metamorfoseiam em 8 músicos, compondo a divisão clássica dos Titãs, a banda de rock que o grupo “Complexo Duplo” oferece ao público, para contar a historia daqueles anos 80, ainda de repressão militar. Esse é um detalhe histórico do espetáculo, mas – e é bom não esquecer - há outro detalhe histórico, que diz respeito ás mulheres: a banda nasceu em um tempo em que as meninas eram só as companheiras, as fãs. Mas isso é só um detalhe ... não vamos falar de Yoko Ono, e dos estragos que ela fez em uma conhecida banda. Isso não é dos anos 80!    

     Mas o que nos interessa, agora, é a homenagem que os atores do “Complexo Duplo” fazem aos Titãs, no “documentário cênico” de Felipe Vidal. Talvez essa banda rock-pop tenha tudo a ver com teatro, a começar pelo vocalista (ou ex-vocalista) Paulo Miklos, de ascendência grega? Miklos é o nosso “vocalista dramático”, que deu o que falar (assim como Arnaldo Antunes, Tony Bellotto), e outros músicos da banda, nos anos 80. Eles enfrentavam, pacificamente, a “banda podre” da ditadura militar.  

     Constatamos que é surpreendente o que os atores do “Complexo Duplo” conseguem com a própria voz, inclusive dar a impressão de que compõe uma banda! Eles relembram os tempos em que os Titãs viviam de música e ofereciam, anarquicamente, aos ouvidos dos jovens daqueles tempos, o seu compasso acidentado. Os atores músicos de hoje, do grupo de Vidal, oferecem ao público a sua própria historia. Tudo isso  acontece diante dos olhos e ouvidos do público, no palco do Teatro Sesc-Ginastico, no Rio de Janeiro, e irá acontecer novamente, em 2017! Mas não são os Titãs que estão no palco, são os atores do “Complexo” dando o seu recado.

     Os atores (em sua maioria) saíram dos bancos da CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), fundada pelo nosso saudoso Yan Michalski, que, com certeza, estaria agora felicíssimo com os frutos que ela deu. Os atores tocam seus próprios instrumentos, cantam e interpretam criando, realmente, um “teatro documentário”.

     Na verdade, não devemos nos surpreender tanto com isso, pois essa foi a intenção, bem sucedida, do diretor: o “teatro documentário”. Mas não podemos deixar de observar que os atores, em outros tempos, consideravam um grande desafio cantar, e se tornar crível como cantor. Agora, com esse “novo teatro”, ser ator-cantor se tornou uma capacidade para muitos, o que faz o ser humano entrar na categoria de um “Deus” que tudo pode. Esse é um fenômeno irresistível, e podemos fazer tal afirmação sem ironia ou espanto. Registramos esse “Cabeça (um documentário cênico)”, como mais um “musicaos”, não muito distante de “Contra o Vento”, de 2015, do “Complexo Duplo”. Portanto, Felipe Vidal foi o inventor de todo esse “imbróglio” músico/teatral, e tem conseguido fazer – ele e seus companheiros de cena - têm conseguido fazer-se acreditar em sua função de atores, cenógrafos, figurinistas, diretores... Não é uma leviandade, é uma realidade. O “sapiens” ocupa todos os espaços, e os companheiros do “Complexo Duplo” não se fazem esperar: e ainda inovam, no caso da dramaturgia, colocando em jogo o ‘caos’ de suas próprias vidas.

     E foi assim que Felipe Vidal chegou, aos poucos, a este gênero musical que até o levou a ganhar prêmios. O primeiro “musicaos” foi em 2015. Era sobre a Tropicalia, os anos 70 - mas não se rendia a Caetano ou Gil! Lembramos bem. Vidal tratou de misturar cenas e épocas, nessa criação que se transformou em ‘ação’ e que promete se transformar em uma “trilogia paramusical”. Como o nome diz, há um caminho, um terceiro espetáculo. Não se espantem com essa afirmação, Vidal não se transformou em um “diretor de musicais”, ele apenas possui um senso afinado para o novo, e sua música e teatro são independentes do que hoje é chamado de “musical made in Brazil” – uma recriação da Broadway. Nada contra, mas Felipe parece preferir, pelo trabalho que tem apresentado, um texto próprio, feito em parceria com o elenco. Dessa vez, a historia é sobre a vida de seus atores que, por sua vez, são os protagonistas da banda improvisada! Há uma linguagem anárquica perpassando todo o espetáculo. Enquanto essa linguagem  estiver dando prazer a eles, os artistas estarão lá, falando sobre o seu teatro e a sua vida.  

    Para tanto, há uma projeção de cenas, em vídeo e tela gigantesca, contando passagens da vida 
pessoal dos que compõe a banda. E textos proferidos pelos atores. Trata-se de um ‘trabalho coletivo’ que se transforma em teatro, pela ação da palavra. E nos perguntamos: o grupo é formado de músicos, ou de atores que interpretam músicos? Para aguçar essa afinidade, Felipe Vidal ainda “problematiza” a questão, dizendo que os seus espetáculos fazem uma analogia com a ópera! Trata-se de uma ópera-rock? Se for, não o é nos moldes habituais.  


     Outro desafio do grupo: essa “máquina adaptável”, que é o homem, alavanca outro tipo de espetáculo, mostrando, nestes tempos moderníssimos, que a vida do “sapiens” tem uma impressionante capacidade de mutação, e embarcamos nessa loucura, e não sabemos se fomos ao teatro para ver uma banda de rock, ou algo que se assemelhe a uma banda de rock! Talvez o caso mais esclarecedor – se é possível esclarecer o mistério dessa “mutação” - seja partir para a análise de um ator, em particular. Escolhemos Lucas Gouvêa, que preenche o palco e nos dá a impressão de que a façanha de um ator é ser capaz de reproduzir, em perfeita mimesis, a sua habilidade musical! Será Gouvêa um músico? Independente de sua capacidade musical, sua façanha abrange essa nova capacidade do gênero humano - do artista em particular - de tornar real “esse jogo ilusório que é atuar”, deixando uma interrogação entre a plateia e o ator.

     Talvez Gouvêa, pego ao acaso, seja o exemplo marcante da linguagem de Felipe Vidal. Outros exemplos há, como Gui Stutz. Porém, esse ator veio do curso de interpretação da Uni-Rio e tem, reconhecidamente, experiência anterior de músico. Os outros seis atores também estão ligados, de certa forma, à música, o que nos dá a certeza de que essa manifestação é o “momento” do grupo, não esquecendo  que as músicas interpretadas fazem parte da historia que eles querem contar. Especialmente a censurada “Bichos Escrotos”. Até agora (2017), esse "musicaos" vem funcionado positivamente. A ficha técnica também faz parte, para incrementar esse jogo. Por exemplo, é estreita a convivência do iluminador Tomás Ribas com o grupo, o que proporciona uma facilidade tranquilizadora para a vida do espetáculo. Ribas trabalha em conjunto com o videografismo de Eduardo Souza, o Pavê, e eles reproduzem as ‘historias de vida’ dos atores. O mesmo acontece com os figurinos de Flavio Souza  (roupas discretas, negras, sem exageros, como são a dos Titãs – com algumas delas inspiradas no seu dia-a-dia), facilitando a performance. O diretor do espetáculo estabelece a cenografia, e também toma parte como músico, porém seu papel é mais o de maestro tocando o seu ‘baixo’ e dando o compasso da ação. Acertamos? Vidal faz a direção musical em parceria com Luciano Moreira (que também é ator e músico, no espetáculo). A ‘veracidade’ da performance roqueira no palco é dada pela direção de movimento de Denise Stutz, sendo a assistência de direção de Tainá Nogueira. Uma ficha técnica para ninguém botar defeito. Captação de Imagens e Making off de Luciano Dayrell e Rodrigo Costa Monteiro. OBS: Pela sua visão política, histórica e musical, “Cabeça” é um espetáculo que fica na lembrança.