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quarta-feira, 30 de março de 2016

"CINCO JULIAS"

Elenco de "Cinco Julias", texto e direção de Matheus Souza.
   (Foto Divulgação)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
"Cinco Julias"
     Abujamra costumava dizer que "teatro é o inferno do ator", mas se formos assistir a "5 Julias", diremos que teatro é o "playground" do ator. Nós, que não vemos TV e não conhecemos as "meninas", achamos estranhíssima a platéia de uma peça juvenil ter, em seu público, uma boa porcentagem de "people" com jeito de turista: chinês, indiano, ou africano. Tal estranheza foi-nos logo apreendida. Vocês também a compreenderão!
     Para complicar a situação, uma pitada de malícia: 50% da peça é falada em inglês! Quer dizer - cantada em inglês! Os adolescentes brasileiros  vivem "in America"! Vejam bem: tínhamos ido ao teatro por se tratar de texto e direção de Matheus Souza, artista que muito prezamos desde que o assistimos interpretando "Deus!", no "Apocalipse segundo Domingos de Oliveira". Pois bem: o tema "apocalipse" permanece o mesmo, pois as cinco atrizes que trabalham no espetáculo se referem a algo semelhante a um "apocalipse" quando falam no dia "em que o mundo virou de cabeça pra baixo" - parece que no ano de 2017, quando a internet e seus YPod!, IPed,ou o que o seja!, pararam de funcionar. O autor pensou em ficção científica,  mas o fato é  que o tal "cataclismo" começou a atirar "m..." no ventilador (pra usar uma linguagem juvenil...).
     O referido "apocalipse" acabou com a intimidade das cinco usuárias da internet. Finalmente percebemos aonde Matheus Souza quer chegar: todo esse estardalhaço é apenas a reprodução do mundo das "seventeens", as adolescentes. Quem tem filhas ou netas nessa idade sabe do que estamos falando: elas só querem ir para MIAMI ou Disney, querem "transar" muito, com homens e mulheres, ir a baladas, tomar porres e se "independizar" do sexo oposto. Ah! e só querem cantar em inglês! Aí começamos a entender o "espírito da coisa". Dizem as notícias da peça que um grupo de "hackers" invadiu as bases das redes sociais. Esse é o mote, mas aí vem a pergunta: "o que acontece com o mundo (o delas...) quando a verdade está em evidência?" Nada! É difícil para Matheus resolver esse pequeno problema. Aliás, ele não o resolve, como autor, mas nos dá até momentos de boa comedia (talvez essa fosse a sua intenção...), principalmente quando entra em cena a "burra"que decora frases fundamentais de filósofos (ou metidos a), para depois replicá-las em público! (Pobre Simone de Beauvoir... ou pobre Karl Marx!).
     São cinco as atrizes: Isabella Sartori, Malu Rodrigues, Bruna Hamú, Carol Garcia e Gabi Porto. Devemos ter paciência com elas, pois, afinal, todos nós temos adolescentes em casa. Elas se queixam de não ter patrocínio para o espetáculo, e pedem para o público que o divulgue, mas quando o telão começa a reproduzir os apoios, praticamente "toda a Rio de Janeiro!" as apoiou! Vá entender! Sim, apoio não é patrocínio, e elas têm também os músicos ao vivo (mas escondidos...) para sustentar (ou será que a banda faz  parte do projeto, entrando no "prejuízo"?). E tem também o aluguel do Teatro das Artes, que não deve ser brincadeira. Mas, voltando à "burra" - que de burra não tem nada... ela é a menos linda das cinco, mas é a mais atriz, embora as outras também sejam boas.
     A atriz "burra" usa o seu recurso (reproduzir a fala dos sábios), para aparecer. Aliás, todas têm um "recurso": as queixas das famílias, os desencontros amorosos... e muitos outros... Aliás, no início o espetáculo  parece um fastidioso desenrolar de queixas de adolescentes, mas, na metade das duas horas de duração do espetáculo, lá pelas tantas é que a coisa começa a esquentar.. e fica tudo muito engraçado! É frágil, e humano...
     Na ficha técnica temos Matheus Souza no texto e direção; Assistência de direção de Hamilton Dias; Direção musical, Pablo Peleologo; Preparação vocal, Felipe Habib; Direção de movimento, Ana Paula Bouzas. Cenário, Miguel Pinto Guimarães. Figurinos (ótimos!) de João Lamego; Vídeos (uma das razões do sucesso) de Dudu Chamou. Ah! O direto Aderbal Freire Filho aparece em um dos vídeos interpretando o pai, ator fracassado e considerado "hiponga" pela filha. Tudo muito divertido!). Direção de produção: Tatianna Trinxet.  SE VOCÊ É ADOLESCENTE, OU TEM ADOLESCENTES EM CASA, NÃO PERCA!         


segunda-feira, 28 de março de 2016

"CHABADABADÁ"

Marcos França interpretando o 'Macho-Jurubeba', em "CHABADABADÁ", texto de Xico Sá, adaptação Marcos França,  direção Thelmo Fernandes.
 (Foto Divulgação)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
CHABADABADÁ!
     A cena é simples: uma mesa, um cabide, uma cadeira, um banquinho e um violão. E assim foi concebido o cenário para o "informal" 'Chabadabadá - Manual Prático do Macho-Jurubeba'. Acho o título um tanto ou quanto óbvio na sua busca do risível, mas quem o escolheu terá lá os seus motivos "mágicos e encantatórios" para  alfinetar o "macho brasileiro". Na verdade, trata-se de um monólogo imaginado em cima das crônicas e livros de Xico Sá - transformados em dramaturgia por Marcos França, que também canta músicas de Wando, em uma adaptação que resolve bem o estilo do autor.
     Dessa vez o "Macho-Jurubeba" ilustra, na interpretação de França, um programa de rádio no qual acontecem "conselhos sentimentais". O referido  programa, hoje, dia 28 de março de 2016, já não se apresentará no Teatro Ipanema, no Rio de Janeiro, onde re-estreou. Ele tem "estrada", esse "Macho-Jurubeba"!... em todos os sentidos, e deixa o gostinho do 'conselheiro das almas solitárias', o radialista que ama as mulheres, encarnado por Marcos França. O ator/cantor faz de seu monólogo um programa que se transforma em um alimento para as 'malamadas'. A idéia é ótima, nesses tempos de amores "escorregadios" e temerosos. O que querem os ouvintes dessas rádios, na vida real? Encontrar a sua "cara metade"! E vocês  acham pouco? Então ouçam os conselhos do "Macho-Jurubeba" (eu ainda não consigo acreditar nesse nome...!).  
     Explico: o jornalista Xico Sá, do qual só conhecemos o que escreve na Folha de São Paulo, anda preocupado com os rumos tomados pelo amor, e a maneira pela qual os humanos o encaram hoje. Como resposta, ou pedido de atenção, ele resolveu escrever alguns livros, e crônicas a respeito. Tudo bem. Seus livros são insólitos, como insólito é o espetáculo que lhe dá guarida. Títulos como "Modos de Machos e Modinhas de Fêmeas", ou o inédito "Os Machões Dançaram" (ainda não o conheço, mas o título diz tudo) ... dão idéia do que se propõe o espetáculo! O fato é que se uniram as vontades, e o sempre ótimo Thelmo Fernandes assumiu a direção (a sua primeira), seguido por Marcos França, na dramaturgia, e o já citado autor, Xico Sá . O fato é que dessa união algo muito bom, em termos de espetáculo e de crítica de costumes, surgiu!
      É o seguinte: o ator (e cantor!) Marcos França imaginou criar uma dramaturgia em cima de três livros (não os citarei), de Chico, preocupados com os rumos do "amor moderno". Dessa "compilação" surgiu "CHABADABADÁ - O MANUAL PRÁTICO DO MACHO-JURUBEBA". Volto a observar: quem pode levar a sério um espetáculo com tal  título? É... talvez ele não seja para ser levado e sério, mesmo, porém, Ó SURPRESA! estamos mesmo precisando de um enfrentamento dessa natureza a respeito dos "sôfregos" tempos em que vivemos, principalmente em se tratando dos  amores - algo rudes - entre o homem e a mulher. O "conselheiro" criado por França, 'que ama as mulheres' (ele até as chama de "meu anjo"...) consegue, com seu figurino excêntrico (um correntão!...) e alguns quilinhos a mais - protegido por uma camisa azul sobre camisa vermelha (!) e blazer (este é o figurino do radialista) - e o personagem de Marcos está pronto para ser o 'aglutinador' desse amor problema!
     Lembramos que o monólogo também é uma homenagem (e uma crítica...) ao "Rei do Amor de Homem", o cantor Wando, com direito a calçinhas atiradas ao público, e reboladas expressivas do intérprete radialista! Mas Francisco Reginaldo (Marcos França), só não 'enfrenta' esse tipo de amor 'que não ousa dizer seu nome'.  Aquele!... tão encontrado hoje em nossos dias. Pois esse não é o propósito do 'conselheiro', e é como se esse amor não existisse: o conselheiro não tem - nem nunca teve - essa preocupação - ele gosta é das mulheres, e seus conselhos abrangem regiões bem mais conservadoras... Falemos, pois, desse amor sofrido entre homens e mulheres, tão frequentado pelos programas de rádio, e pelos conselheiros do amor! Nesse quesito o "Macho Jurubeba", encarnado por França, é imbatível! Mas não é que o "cantor/radialista" consegue até ser charmoso, em seu charme cômico e cafona? E o público se diverte!
     Dizem que é uma crítica ao amor nos dias atuais. Sério? Pode ser uma  brincadeira terrivelmente crítica, mas não é só isso! Trata-se de uma  amizade terna, ingênua... e má!,  que o conselheiro compartilha com 'magníficas atrizes/cantoras' como Gottsha, ou grandes comediantes, como Maria Clara Gueiros e Dani Barros, enfrentando o 'eco inefável' do vazio das que freqüentam estes programas. As vozes marcam as desditas das "mal-amadas" - e elas são inacreditáveis, e  - pasmem! - há homens que também entram  nessa fila de desditas, e também pedem conselhos... Serão "eles"? São os ditos "homens frágeis". Diz o interprete que o espetáculo "é uma devoção ao feminino e uma alfinetada no macho caricato". É, pode ser. É tudo muito divertido, e o diretor Thelmo Fernandes empresta a sua voz ao "Homem Desiludido".
     Podemos dizer que algumas cantoras "insuperáveis" também emprestam a sua voz para a "querida produção": Adriana Birolli, Rafaela Mandelli... e Ana Paula Abreu ... ( a diretora de produção?), no telefone, como a esposa do radialista 'com alma'. (Dizem que Francisco Reginaldo é o nome de Xico Sá, no seu Ceará). Dizem também que ele é o homem que abre o espetáculo. Será verdade? E é ele quem acompanha o radialista, tocando o seu violão? Mistério...! Mas como tudo é possível nesse mundo incógnito dos jornalistas... é possível que seja ele mesmo, Xico Sá! Muito em breve teremos notícias sobre isso.
      A ficha técnica é de primeira... e, ao menos no espetáculo a que assisti, não houve nenhum problema com o som, o que é raro, nos musicais brasileiros. Perfeição absoluta. Sabemos que a direção musical é de André Siqueira, o que é indício de boa qualidade. O cenário e figurino, comentados no início, são de Natália Lana. A iluminação é de nosso querido Aurelio de Simoni, que devia aparecer mais vezes, também, como ator... eu sinto saudades do Tchecov que ele fez! Volte, Aurelio!

QUEM PERDEU "CHABADABADÁ" ... PERDEU! TOMARA QUE O ESPETÁCULO VOLTE. VALE À PENA!                 

sexta-feira, 25 de março de 2016

"33 VARIAÇÕES DE BEETHOVEN"


Nathalia Timberg em 33 variações de Beethoven, direção Wolf Maya
(foto Airton Silva)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Conheci a atriz  Nathalia Timberg interpretando "Antígona", de Anouilh, no Teatro Jovem, em Botafogo. Para mim foi uma iluminação. Muitos anos depois tive ocasião de assisti-la novamente, interpretando a psicóloga Melanie Klein. A mesma sensação me acompanhou: dos anos sessenta até o século XXI, sempre com a impressão de ver a personagem,  através da interpretação da grande atriz. Portanto, considero assistir Nathalia Timberg algo que me alimenta, como pessoa e como crítica.
     Feita essa observação, vamos à crítica do espetáculo em cartaz no Teatro Nathalia Timberg. Ano: 2016. Rio de Janeiro. Titulo: "33 Variações de Beethoven", texto de Moyses Kaufman, tradução de Nathalia Timberg, concepção e direção de Wolf Maya. Nesta peça Nathalia interpreta uma pesquisadora apaixonada, como todas as pesquisadoras, pelo tema de sua pesquisa: no caso, Ludwig van Beethoven. Até aí, tudo bem. Porém, o que vemos em cena é a interpretação de uma "virtuose" (Nathalia), trabalhando voz e gestos de uma mulher tomada por uma "doença sutil", que não é a de Beethoven, como nós a conhecemos, mas a sua própria.
      Antes de falarmos sobre o "organismo" da pesquisadora em questão, e dos motivos que nos levam a considerar a interpretação de Nathalia Timberg magistral, abrimos espaço para falar sobre o teatro que leva o seu nome. Incrustado "como safiras em um anel", na Escola de Atores de Wolf Maya, o Teatro Nathalia Timberg é uma sala de 400 lugares, como uma "caixa de luz italiana" que transforma palco e platéia em um mundo ficcional de máquinas e luzes. No espaço da Escola funciona outra jóia, o teatro "Nathalinha", com 60 lugares e uma surpresa: a encenação de "A Serpente", de Nelson Rodrigues, pelos alunos da escola, em cooperativa independente.
          Mas o texto imaginado por Kaufman,- um dramaturgo nascido em 1963, venezuelano, descendente de judeus ucranianos, e co-fundador do "Teatro Tectônico", realizador de um projeto que nasceu em Nova York, e trata de "assuntos da contemporaneidade". Em seu texto Kaufman resolve falar sobre a tão difundida "síndrome lateral amiotrófica"... e o que vemos agora é mais uma interpretação sutil e dilacerante de Nathalia Timberg! A atriz se transforma na "mais interessada pesquisadora de Beethoven", e na mais dolorida vítima da síndrome acima citada. O texto é um pretexto para falar sobre "essa doença", porém a música domina - e temos em cena um pianista interpretando as "33 Variações de Beethoven", e muito mais:  o músico alemão é interpretado pelo próprio diretor do espetáculo, Wolf Maya. A destacar a interpretação de Maya na cena final, mostrando a sensibilidade de um verdadeiro "régisseur", ao acompanhar as "Variações" interpretadas, na noite em questão, pelo excelente pianista Silas Barbosa.      
     Outra cena a registrar é a imaginada por Kaufman sobre "a vida após a morte". Trata-se de um divertido encontro entre "pesquisadora e pesquisado" (Nathalia/Katrin e Wolf/Beethoven), tendo por cenario as nuvens, local onde os personagens observam a vida dos que ficaram "lá embaixo". Nesse contexto temos a filha de Katrin - Clara - interpretada por Flavia Pucci, e o Editor Musical e compositor da valsinha que se transformou na genial composição de Beethoven. O nome do compositor é Anton Diabelli, jocosamente interpretado por Tadeu Aguiar. E Gustavo Engracia, interpreta Schindler, o secretario e factótum de Beethoven. Lu Grimaldi interpreta, com precisão, a bibliotecária alemã, e Gil Coelho é o enfermeiro-enamorado. O espetáculo é dividido em 2 Atos, sendo o primeiro bastante agitado, no qual Clara (Flavia Pucci), "enerva" o público com seu "excesso de cuidados de filha dedicada", refreando o entusiasmo de sua mãe pesquisadora.
     O espetáculo traz à cena recursos utilizados no teatro italiano, com mecanismos sofisticados onde entram alçapões e coxias que se movimentam, dando vida ao palco. Interessante observar que, no "ATO 1" a cena fica sobrecarregada e muito fracionada. No "ATO 2" a ação ganha  mais agilidade. Tal sofisticação cênica, insuspeitada,  acontece em meio ao funcionamento, na vida real, de uma Escola de Teatro! Vale a pena conhecer o espaço dedicado a atriz Nathalia Timberg, com seu teatro de 300 lugares, e o " Nathalinha", onde os atores iniciantes se exercitam.
     Na ficha técnica temos, além dos já citados, a cenografia muito bem cuidada, com suas subdivisões: ao alto da cena a "mansarda de Beethoven" - a seguir, o palco para o pianista, com a reprodução, em tamanho reduzido, de um palco italiano para concertos de piano - e, na cena baixa, a biblioteca com o acervo de Beethoven - e demais aparatos para a transformação das cenas. Cenografia e objetos de J. C. Serroni. A iluminação, de grande magnitude, é um verdadeiro "tour de force" de Aurelio de Simone, e os figurinos de Tatiana Rodrigues mostram uma bem dosada divisão entre a época atual e o passado do século XIX. No visagismo, Marcelo Dias. Direção musical de Natalia Trigo.  Videografismo e projeções de Rico e Renato Vilarouca. Assistência de direção: Hudson Glauber. VALE A PENA CONHECER O ESPAÇO, E SE DELEITAR COM BEETHOVEN, E SEUS ADMIRADORES!             
        
    










quarta-feira, 16 de março de 2016

"O CAPOTE"


Rodolfo Vaz no papel de Akaki, em "O Capote", de Nicolau Gogol, direção Yara de Novaes.
(Foto João Caldas) 
IDA  VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
     Ex-membro do grupo Galpão, de Minas Gerais, o inacreditável ator Rodolfo Vaz esteve conosco, no Rio de Janeiro, até início de março, no Centro Cultural do Banco do Brasil, dando vida a Akaki Akakievitch, personagem de "O Capote", de Gogol. A peça contou com a excelente direção de Yara de Novaes, e com os atores brilhantes que são Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas. A produção deste espetáculo, e o trabalho dos atores, são de primeira linha, dando ao público amante de teatro a alegria de viver momentos de inteligência e arte. Uma perfeição.
     Senão vejamos: a começar pelo autor, considerado a seiva de tudo o que se passou depois, em termos de teatro, em solo russo. Gogol e Pushkin, o grande poeta, abriram caminho para a grande Russia que se conhece agora, com seus dramaturgos e escritores fabulosos. É de Dostoiévski esta observação: "Somos todos  filhos de Gogol". (E também de Pushkin). Como se não bastasse este passado, "O Capote" traz em si o humor cruel que as naturezas simples despertam: no caso, Akaki. E não podemos esquecer que há a presença de seu fantasma,  que todo mundo vê (principalmente os que o fizeram sofrer em vida)!
        Mas voltemos ao espetáculo do Centro Cultural do Banco do Brasil,  e seus participantes. Como se não bastasse o desempenho da musicista  Sarah  Assis, para dar o clima misterioso - e às vezes malicioso - ao acompanhamento de sua música, Sarah apresenta também  momentos - discretos - em que se envolve com a cena!  E, enriquecendo ainda mais o espetáculo, há a complementação, dada pelo 'design e projeção' das cenas de Rogerio Velloso, em dantesca fantasia. A cenografia e figurinos (ótimos), são de  André Cortez. Milagres acontecem, e esta encenação de "O Capote" foi um deles! Peço licença para fazer uma observação: como todos nós sabemos, ingleses e russos são primos irmãos (as "Suas Excelências"), e não  há nada  mais saboroso do que colocar um fantasma em cena acabando com a sua paz de "justos"!  E, mais gostoso ainda,  se esse fantasma tiver o phisique du role de Rodolfo Vaz, para nos brindar com o susto dos que a ele ficam submetidos - após a sua morte! Vocês já imaginaram como ficariam as "Suas Excelências" nativas (que adorariam ser primas das acima citadas) se o fantasma de Getulio Vargas aparecesse para eles, cobrando os motivos de sua morte?  Na adaptação de Drauzio/Cassio, a brincadeira virou uma diatribe de Akaki contra os desumanos (e o nosso momento permite). No caso de Gogol, foi uma simples "lição de moral". Era 1842. (Os tempos mudam).
      Ah! Sim, "O Capote" é a historia de uma amanuense que teve que mandar fazer um capote novo para protegê-lo no gélido inverno peterburguense. Para tanto, teve que sacrificar-se, economizar, e uma vez com seu novo capote, teve-o furtado, o que lhe subtraiu a saúde, o juízo e a vida. Daí a historia do fantasma. Mas é preciso ler este conto. O amante de teatro, Dr. Drauzio Varella, fez a "leve e bem humorada" (e às vezes cruel),  adaptação, complementada pela dramaturgia de Cassio Pires. Desse confronto com o original ficou o momento - marcante - em que o personagem Akaki tenta se situar, no espetáculo, perguntando a seus colegas  maldosos: "Vocês podem voltar para as marcas originais, por exemplo?"  Sim, porque adaptação e direção tomam um caminho tão livre para contar a historia desse pobre funcionário subalterno, que há momentos em que ele fica ainda mais perdido, em sua pobre vida. Tudo o que ele quer é fazer com perfeição as copias que lhe são exigidas.

      A idéia de montar "O Capote" já vem de muito longe, desde que Rodolfo trabalhou com Paulo José em outra produção do notável dramaturgo russo, "O Inspetor Geral" -  e desde que diversos fatores se uniram para indicar que esse era o caminho certo para todos nós. Destacamos Rodolfo Vaz porque a sua interpretação é insuperável. Porém, atores, cenógrafo, iluminador, trilha sonora, videoarte, adaptação e, principalmente direção, acertam no clima imaginado por Gogol, o artista que criou o sonho russo da perfeição teatral que assombra a todos nós. Na produção paulista de "O Capote", destaque para o trabalho corporal de Kenia Dias, que também é assistente de direção de Yara de Novaes. Trilha sonora e música original marcantes, de DR Morris.
         Em hora: o ator Rodolfo Vaz resolveu montar a sua produtora, com Fernanda Vianna, parceira de vida e de trabalho, e trouxe sua experiência  para o Rio de Janeiro. É muito bom quando São Paulo teatral vem ao Rio, temos ocasião de assistir teatro com letra maiúscula!  Desejamos um breve retorno!