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quarta-feira, 16 de março de 2016

"O CAPOTE"


Rodolfo Vaz no papel de Akaki, em "O Capote", de Nicolau Gogol, direção Yara de Novaes.
(Foto João Caldas) 
IDA  VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)
     Ex-membro do grupo Galpão, de Minas Gerais, o inacreditável ator Rodolfo Vaz esteve conosco, no Rio de Janeiro, até início de março, no Centro Cultural do Banco do Brasil, dando vida a Akaki Akakievitch, personagem de "O Capote", de Gogol. A peça contou com a excelente direção de Yara de Novaes, e com os atores brilhantes que são Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas. A produção deste espetáculo, e o trabalho dos atores, são de primeira linha, dando ao público amante de teatro a alegria de viver momentos de inteligência e arte. Uma perfeição.
     Senão vejamos: a começar pelo autor, considerado a seiva de tudo o que se passou depois, em termos de teatro, em solo russo. Gogol e Pushkin, o grande poeta, abriram caminho para a grande Russia que se conhece agora, com seus dramaturgos e escritores fabulosos. É de Dostoiévski esta observação: "Somos todos  filhos de Gogol". (E também de Pushkin). Como se não bastasse este passado, "O Capote" traz em si o humor cruel que as naturezas simples despertam: no caso, Akaki. E não podemos esquecer que há a presença de seu fantasma,  que todo mundo vê (principalmente os que o fizeram sofrer em vida)!
        Mas voltemos ao espetáculo do Centro Cultural do Banco do Brasil,  e seus participantes. Como se não bastasse o desempenho da musicista  Sarah  Assis, para dar o clima misterioso - e às vezes malicioso - ao acompanhamento de sua música, Sarah apresenta também  momentos - discretos - em que se envolve com a cena!  E, enriquecendo ainda mais o espetáculo, há a complementação, dada pelo 'design e projeção' das cenas de Rogerio Velloso, em dantesca fantasia. A cenografia e figurinos (ótimos), são de  André Cortez. Milagres acontecem, e esta encenação de "O Capote" foi um deles! Peço licença para fazer uma observação: como todos nós sabemos, ingleses e russos são primos irmãos (as "Suas Excelências"), e não  há nada  mais saboroso do que colocar um fantasma em cena acabando com a sua paz de "justos"!  E, mais gostoso ainda,  se esse fantasma tiver o phisique du role de Rodolfo Vaz, para nos brindar com o susto dos que a ele ficam submetidos - após a sua morte! Vocês já imaginaram como ficariam as "Suas Excelências" nativas (que adorariam ser primas das acima citadas) se o fantasma de Getulio Vargas aparecesse para eles, cobrando os motivos de sua morte?  Na adaptação de Drauzio/Cassio, a brincadeira virou uma diatribe de Akaki contra os desumanos (e o nosso momento permite). No caso de Gogol, foi uma simples "lição de moral". Era 1842. (Os tempos mudam).
      Ah! Sim, "O Capote" é a historia de uma amanuense que teve que mandar fazer um capote novo para protegê-lo no gélido inverno peterburguense. Para tanto, teve que sacrificar-se, economizar, e uma vez com seu novo capote, teve-o furtado, o que lhe subtraiu a saúde, o juízo e a vida. Daí a historia do fantasma. Mas é preciso ler este conto. O amante de teatro, Dr. Drauzio Varella, fez a "leve e bem humorada" (e às vezes cruel),  adaptação, complementada pela dramaturgia de Cassio Pires. Desse confronto com o original ficou o momento - marcante - em que o personagem Akaki tenta se situar, no espetáculo, perguntando a seus colegas  maldosos: "Vocês podem voltar para as marcas originais, por exemplo?"  Sim, porque adaptação e direção tomam um caminho tão livre para contar a historia desse pobre funcionário subalterno, que há momentos em que ele fica ainda mais perdido, em sua pobre vida. Tudo o que ele quer é fazer com perfeição as copias que lhe são exigidas.

      A idéia de montar "O Capote" já vem de muito longe, desde que Rodolfo trabalhou com Paulo José em outra produção do notável dramaturgo russo, "O Inspetor Geral" -  e desde que diversos fatores se uniram para indicar que esse era o caminho certo para todos nós. Destacamos Rodolfo Vaz porque a sua interpretação é insuperável. Porém, atores, cenógrafo, iluminador, trilha sonora, videoarte, adaptação e, principalmente direção, acertam no clima imaginado por Gogol, o artista que criou o sonho russo da perfeição teatral que assombra a todos nós. Na produção paulista de "O Capote", destaque para o trabalho corporal de Kenia Dias, que também é assistente de direção de Yara de Novaes. Trilha sonora e música original marcantes, de DR Morris.
         Em hora: o ator Rodolfo Vaz resolveu montar a sua produtora, com Fernanda Vianna, parceira de vida e de trabalho, e trouxe sua experiência  para o Rio de Janeiro. É muito bom quando São Paulo teatral vem ao Rio, temos ocasião de assistir teatro com letra maiúscula!  Desejamos um breve retorno!    

Um comentário:

  1. Ida, como você faz falta aqui no Rio! A gente assiste às peças com outros olhos, depois de ler suas críticas. Tomara que essa volte para cá realmente. Foi ótima nossa reunião, apesar dos contratempos de chuva e panelaço. Cheguei bem em casa. Beijos.

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