Páginas

sábado, 28 de novembro de 2015

APRESENTAÇÃO (UM TRECHO) - BIOGRAFIA - ANTONIO ABUJAMRA - 'OS MOUROS'

Antonio Abujamra, Glauce Rocha e Jardel Filho na época da montagem de "Tartufo", de  Molière. Anos 60.

 PINTURA  DO  SULTÃO   SALADINO - 'SÉCULO XII  -  A SÉTIMA CRUZADA'.


IDA VICENZIA

(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)


                 UM TRECHO DA 'APRESENTAÇÃO' DO LIVRO DE ABUJMARA 

                            SOBRE  SALADINO - UM SULTÃO DIPLOMATA 

                                               DAMASCO

               OS CRUZADOS E A "CAÇA AOS MOUROS"


     ... Comecemos pelo francês, Jean de Joinville, o "Senescal",  e sua inspiradora narrativa de uma batalha entre mouros e cristãos. Eis um espetáculo teatral: "as armas do sultão (Saladino) eram todas de ouro, e quando o sol batia nelas, resplandeciam esplendidamente. A algazarra que esse exército fazia com seus timbales e trompas sarracenas era aterrorizante de ouvir". (Historia de São Luiz, 1309).

     O sultão Saladino ficou na História como um diplomata, e os manuscritos dos muçulmanos (não esqueçam que eles inventaram a escrita) falam sobre a VIIª Cruzada do Rei Luis IX "para conquistar Jerusalém e exterminar os mouros". Os católicos praticam estas barbaridades desde sempre, ou seja, depois de Cristo (d.C.).

     Cabe-nos a ironia de reafirmar que quem "inventou" este São Luis foi a Igreja Católica, pelo Papa Bonifácio VIII, em 1297, alguns anos depois da morte do cada vez mais belicoso Rei Luis. Quanto ao sultão Saladino, o diplomata, diz a Historia, era amigo do intelectual imperador alemão Frederico (o tal que caiu na água com ferradura (desculpe, armadura) e tudo, morrendo afogado). Pois "diz a História", Saladino e Frederico tinham mútua admiração. O imperador alemão mostrava-se cada vez mais cético em relação a essa guerrinha de bufões das Cruzadas, o mesmo acontecendo com Saladino.  
     Esse passado enlouquecido forjou ficcionistas, e também grandes artistas. As formações épicas do teatro de Abujamra estavam esperando o momento oportuno para surgir, à semelhança dos arrebatadores espetáculos que o Islã proporcionava aos Cruzados...     

"RIO, HISTORIAS ALÉM DO MAR"

"Rio, Historias Além do Mar" - Roteiro e Direção Claudio Mendes. Acima fotos e desenho sobre o espetáculo. Note-se o "Crioulo Doido" de face branca, em destaque na foto central. Na última foto ele está sentado, bem quietinho (coisa rara, no espetáculo), a um canto da cena, já com a face negra que assume no espetáculo. Na foto maior, da esquerda para a direita: Valdir Ribeiro, Pedro Castro, Gilberto Vieira, Romney Lima, André Mendes, Denis Lopes e Gustavo Arthiddoro. (Fotos Divulgação)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Todo carioca (e não carioca) que se preze, deve assistir "Rio, Historias Além do Mar", em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF), da Av. Rio Branco, em cartaz até o dia 20 de dezembro. Que Rio de Janeiro mais lindo e mais poético! Mas estou metida em "camisa de onze varas", pois esse espetáculo musical tem como narrador o 'Crioulo Doido', do Stanislaw Ponte Preta, o nosso conhecido jornalista Sergio Porto. Acontece que o crioulo é um branco pintado de negro! Não se pode dizer que a produção não tentou remediar a situação, pintando o crioulo com "talco Johnson", para ele ficar branquinho (veja fotos). Não deu certo, claro, não tinha nada a ver. Mas o excelente ator Gustavo Arthiddoro (viram o nome? "arthi" e "ddoro") tão talentoso, passou por cima de todos os problemas, pois talento é talento, e ficou negro, pois é de ouro, mesmo, a sua arte.
     Pois bem, a brincadeira com a cor vem bem, cabe! - e, por favor, não interpretem mal o pessoal do espetáculo, pois ele é divino! Quem organiza (e cria), é o 'Grupo Historia Através da Música'. É tão bom assisti-los, que a gente não quer que acabe nunca mais. Tudo dirigido por Claudio Mendes. O espetáculo tem início com a "fofa" da Nara Leão cantando "Fale de mim quem quiser falar", lembrando o show "Opinião" e as "remoções", e também comemorando (com certeza) a resistência dos moradores do morro da Favela, local historico da chegada dos "da baixa patente do Exército" (segundo o Crioulo Doido), os soldados "desrecrutados" da guerra de Canudos, quase todos negros que ficaram ao Deus dará. E Nara canta: "daqui eu não saio não..."  
      A Historia fala também nos criadores do morro do Querosene, e dos famosos morros de Portela e Salgueiro, e principalmente, o do Livramento (o morro de Machado de Assis, pois não?), um dos locais onde tudo começou. E como "Historias..."  é uma comemoração do Rio de Janeiro do samba - e outras bossas -  a favela está sempre presente. Aliás, é nesse cenário que o espetáculo se desenvolve, e a cenografia, de primeira, é do artista Vladimir Valente. Não falta detalhe algum, e nos sentimos no meio daquela "bagunça organizada" que é (era?) o aconchego da favela. No palco, bem no centro de tudo, os músicos André Mendes, no violão de 7 cordas e nos arranjos. André canta, interpretando ou puxando a maioria das músicas Ele possui uma voz suave e ritmada, e muita musicalidade. Um assombro. Romney Lima (o filho da D. Joana, que acompanha vivamente o espetáculo!), acompanha as músicas em seu cavaquinho (e voz). Romney também faz parte da pesquisa histórica, com Gilberto Vieira, professor de Historia da UFRJ, que também toca (e muito bem) o seu violão de 7 cordas, a flauta, e faz, às vezes, o acompanhamento de voz. Os  arranjos também são dele, com André Mendes e Denis Lopes, que também toca o bandolim. 
     E há Pedro Castro, acompanha Valdir Ribeiro, na percussão. É um grupo de excelentes músicos, coroados pela presença de "Seu" Valdir, com seu cabelo rastafari e seu passo de bamba. Ele dá um discreto show como passista, acompanhado, é claro, pelo Crioulo Doido Arthiddoro. Um show à parte. Gustavo Anthiddoro também é um excelente frasista, e contador de "causos". Destaque merecido para este ator.
     A narrativa de historias de "além do mar" mistura Maria Leopoldina com Madame Satã... e também nos traz de volta a alma do Rio Antigo. Não  esquecer que o espetáculo registra a infeliz derrubada do Morro do Castelo, na qual foi junto "o marco da fundação da cidade", o Colégio dos Jesuítas. Neste sentido - mas só neste sentido- São Paulo ganhou de nós. Mas, em contrapartida, temos a saudação de Manuel Bandeira ao Sinhô, o Rei do Samba... e a comemoração dos 100 anos de nascimento (18 de outubro de 1915), de Grande Otelo! E... para se alegrar é só cantar, com os sambistas: "nasci com a sina da cigarra, aonde eu chegar tem farra".
     É essa mistura do "sagrado e do profano", cantada por Fernanda Abreu. E muitos outros cantores, e compositores, são cantados! Raul Seixas, João Bosco, Paulo Cesar Pinheiro: "Nomes de favelas", um ponto alto do espetáculo. Noel Rosa... e muitos outros poetas /sambistas do Rio. Clementina de Jesus! Candeia... Mas vamos parar por aí. O roteiro do espetáculo e a direção geral está nas mãos de Claudio Mendes. A seleção das músicas (e dos compositores) também é de primeira. Temos  "Yaô", de Pixinguinha e Gastão Vianna; "Favela", de Padeirinho e Jorge Peçanha; "Praça Onze", de Herivelto Martins e Grande Otelo; "A voz do morro", de Geraldo Pereira e Moreira da Silva, e por aí vai! Insisto, os cariocas, e até os não cariocas (principalmente!) não devem perder essas Historias...  Passamos a entender o gostinho de ser carioca vendo o Rio de Janeiro, de verdade. Trata-se - e é essa a intenção - de uma verdadeira aula sobre o samba e seus bambas!

     Na iluminação, Robson Cruz. Audiovisual, Flavio Cysne. Consultoria Acadêmica: Professora Marieta de Moraes Ferreira. Produção Executiva: André Dinis; Assessoria de Imprensa: Mais e Melhores Produções Artísticas. Não percam! EVOÉ!  

domingo, 22 de novembro de 2015

"WAR"

Ricardo Gonçalves, Natasha Corbelino, Verônica Reis, Fabrício Polido, Clara Santhana, Camilo Pellegrini em "WAR", de Renata Mizhai, direção Diego Molina. (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     WAR, de Renata Mizhai, direção Diego Molina, voltou à cena "somente por um dia", como foi o encontro dos casais, na peça. Só por um dia, a peça. Algo inusitado. A plateia repleta de atores e gente de teatro. Por momentos foi cogitada a recriação das "2ª feira da classe" no Teatro Poeira, o que se constatou impossível, segundo os diretores do teatro. A última apresentação da peça foi muito bem recebida pela classe, que compareceu como se a uma estreia. Comemorava-se os 10 anos da fundação da Companhia Teatro de Nós, iniciada pelos dois artistas.
     WAR surpreende pelas suas qualidades. A autora Renata Mizhai capta, nesta peça, uma visão de grupo, antigos companheiros que se encontram, para descobrirem que perderam os parâmetros que estabeleceram para as suas próprias vidas. O texto traz a tona problemas afetivos e de realização pessoal. No  entanto, é no desenrolar da ação que se percebe a preparação de um "ninho" envenenado. Ele vai se desenvolvendo aos poucos, e os frágeis materiais dessa construção vão se desfazendo, também aos poucos. Renata estrutura essa dramaturgia "do engano" de olhos bem abertos. A direção de Diego Molina valoriza, passo a passo, a procura da autora.
      Por sua vez, os atores desenvolvem a vida dos personagens, assim, com a naturalidade da própria vida. O casal André (Ricardo Gonçalves) e Marília (Natasha Corbelino) vivem, em solidão, o desgaste do amor. Fugindo a um trágico fim, reúnem amigos de longa data para o reconhecimento da nova casa (e da sua nova vida). Nem sempre o encontro entre amigos é uma festa, mas também não é uma tragedia. Podemos chamar o que aconteceu de tragicomedia. E somos convidados a participar do jogo (WAR), e da angustia dos três casais.      O interessante, nesta peça, é como são apresentadas as possibilidades de erro e acerto neste jogo de subterfúgios. E Mizhai joga com as várias possibilidades: é o escritor que um dia sonhou com a solidão, mas não consegue escrever na solidão (André); é a apaixonada que joga para defender o seu amor, trazendo a tona as próprias imperfeições (Marília); são seres humanos que querem compreender a sua própria razão de ser, como Roberta, ou o homem satisfeito que vai, aos poucos, vendo a sua alegria ser negada (Gustavo). Mas nada é tão urgente como a descoberta de Sergio e Laura, apontando novos (renovados?) caminhos.
     É tudo um jogo. E os atores se deixam levar. Ricardo Gonçalves defende muito bem o seu doce, confuso e intransigente intelectual André; Natasha Corbelino encontra, em sua voz e sua presença, a liderança que seu papel impõe. Sua personagem, Marília, é a que aciona o motor da verdade. Verônica Reis, interpretando Roberta, atinge momentos de pura insatisfação, em contraste com a mulher resolvida e lúcida que aparentava ser. Fabrício Polido vence a sua fragilidade interpretando Gustavo, o homem bem sucedido que se recusa a aceitar a verdade. E qual é a verdade que eles procuram, e se recusam a ver?
     É no final que a verdade aparece. É quando "todos os encontros" se realizam, na cena final de Sérgio e Laura. Estes dois atores, Camilo Pellegrini e Clara Santhana extraem, com seus personagens, todas as possibilidades de compreensão e amor sugeridas para um casal. Essa é a verdade deles, o encontro. O texto não é moralista, e não apresenta "soluções", somente registra momentos. E o momento de Laura e Sérgio é a renovação constante dessa guerra sem fronteiras que é o amor.
     Na noite única da apresentação no Teatro Poeira, Clara Santhana conseguiu aplausos em cena aberta com sua interpretação de um trecho de "Summertime". Cantado por Laura, assim, ao acaso... como se um cartão de visitas para seus novos amigos. Uma cantora de primeira linha. Na verdade, a historia do canto "das duas" é mais longo, pois Roberta (Verônica Reis) também canta. Na verdade, o motivo do canto da duas era outro...
     Foi uma noite inesquecível, "regada a muita cerveja e vinho", no apartamento de André e Marilia, onde os seis amigos "marcaram os seus territórios", como em um bom jogo de WAR. Na noite da despedida da peça, o diretor Diego Molina pronunciou palavras de emoção. E o que podemos dizer é que o teatro carioca saiu mais enriquecido com este jogo de atores, diretor e autora.
     Na cenografia, o ótimo recurso da quase destruição do cenário "onde os frágeis materiais dessa construção vão se desfazendo". Cenário de Diego Molina e Lorena Lima. Os figurinos, corretos, são de Patricia Muniz; Iluminação de Anderson Ratto. Trilha sonora de Renata Mizhai. Visagismo Diego Nardes. Direção de Produção, Maria Alice Silverio.     
TALVEZ "WAR" VOLTE NOVAMENTE, UM DIA? ESSA GUERRA NÃO ACABA NUNCA. 



                   



sábado, 21 de novembro de 2015

"UMA ILÍADA"

O Final...  de "Uma Ilíada" - dirigida e interpretada por Bruce Gomlevsky, uma adaptação de Homero traduzida por Geraldo Carneiro. (Foto Dalton Valerio).

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     "Uma Ilíada", da obra de Homero, poeta grego que nos deixou seus escritos sobre Troia, e a legendária disputa pelo amor de uma mulher. Dizendo assim até parece poético, mas foi uma carnificina a tal disputa, aliás, como o são todas as guerras. A esse propósito, Bruce Gomlevsky nos traz uma impressionante interpretação, dirigindo a cena, e, ao mesmo tempo, sendo o narrador dessa epopéia greco-troiana. Bruce nos revela, através do seu "aedo" (o narrador de historias da antiguidade grega), a tradição daqueles povos. Homero as recolheu, e a sua narrativa se tornou o primeiro e mais importante relato da antiguidade ocidental.
     Como todos nós sabemos, a Ilíada relata os últimos dias da guerra de Troia, assim chamada por ter-se dado às portas daquela cidade, às margens anatólicas do Mar Egeu. Imaginem vocês Páris, o príncipe de Troia, ter ido mexer com a honra de um rei espartano! Ele foi a Esparta em missão diplomática de seu país, e aí conheceu Helena e ficou apaixonado. Menelau, o marido da bela a quem Páris também encantara, era rei da belicosa  Esparta. A guerra se alastrou, cheia de altos e baixos, e pegou fogo nos últimos dias, tendo como fim o "presente de grego" - o cavalo de madeira que entrou na bela cidade de Troia e acabou com seus encantos, e com seu povo.
       Ao se tornar um  "aedo", Bruce nos faz "ver" a  bela Troia, com seus jardins e suas fontes, suas alcovas e seus "megarons". Também a descrição do escudo de Aquiles é feita com terrível propriedade. E, entremeando a sua ação com cânticos que parecem litanias ("adoro cantar", diz o ator para seu público), a historia é narrada "olhos nos olhos" com a plateia, o contador de historias comentando a cena, e fazendo o público refletir.
     Pois estamos em Troia, e os guerreiros, que se tornaram mitos de nossa cultura, como Aquiles, Heitor, Ulisses ... (este último herói não é nomeado nesta versão de Homero, mas é citado agora, pois a ideia da construção do 'cavalo de madeira' que arrasou com os troianos é dele). Dizem que Ulisses é "astuto". Essa é uma palavra assustadora. 
     E fica a pergunta: por que os gregos eram assim? Não se trata da "comum pergunta de espanto" em relação a este povo tão brilhante, mas o porquê de serem eles tão "arrebatados"? As suas epopeias e oráculos, seus deuses... até hoje empolgam os artistas de todas as latitudes e de todos os tempos. Querem algo mais completo do que uma historia grega? Mas sua reprodução, entre nós, nem sempre é bem sucedida. Há que ser "heleno" para montar as suas tragedias. E ainda por cima com os deuses do Olimpo participando, tomando partido...  como aconteceu na guerra de Troia, com Afrodite, Apolo e Artemis apoiando os troianos, e Poseidon, Hera e Atena, as duas deusas "vingativas" que queriam a "maçã de ouro" que ficou com Afrodite (mas aí já é outra historia...) o nosso contador de historias contou a sua, ou seja, a "conseqüência" da disputa entre as deusas: a guerra de Troia! Ele cita, sim, mas en passant, a disputa das deusas.
     No program há umas palavras de Bruce relatando o que o levou a contar essa historia. Além de fascinante, ela lhe proporcionou o encontro com:  "uma versão condensada de Ilíada de Homero, escrita de forma tão acessível e comunicativa para as plateias contemporâneas". Um achado. E também, no dizer de Bruce, o poeta Geraldo Carneiro fez uma tradução "histórica" do episodio. Por isso são muitas, as razões para o público se fazer presente. Há um impacto nas litanias cantadas na voz possante de Gomlevisky (um dos momentos impressionantes do espetáculo), e há todo o envolvimento da narrativa... até chegar ao seu final esperado (e jogado em cena de maneira inesperada). O espetáculo deve ser assistido também pelos não pacifistas, que devem se curvar e compreender, através de um olhar humanizado, essa barbárie. NÃO DÁ PARA PERDER "UMA ILÍADA"!  Na ficha técnica temos, além dos já citados - o texto original (e condensado) de Lisa Peterson e Denis O'Hare. O poeta e tradutor Geraldo Carneiro afirma, no programa, que a tradução para o inglês que mais o emocionou foi a de Robert Fagles, na qual ele também se inspirou para fazer a sua. Vamos ouvi-lo: "Foi uma alegria acompanhar a sonoridade do grego, com suas aliterações e assonâncias", imaginamos, com estas palavras de Geraldo Carneiro, que Fagles tenha colocado o original grego ao lado de sua tradução para o inglês, ou então que o poeta carioca domine o grego. O fato é que houve um confronto com as duas traduções. É por essa familiaridade com o grego, que Geraldo comenta "sou um apaixonado pela Ilíada, desde que me desentendo por gente".
     Alana Alberg, em contra-baixo acústico, faz o contraponto musical com o texto, demonstrando ser a sua participação essencial para o espetáculo. A direção de movimento é de Daniella Visco;  Iluminação de Elisa Tandeta (a luz também complementa a interpretação de Bruce); figurino (inspirado) de Carol Lobato. Cenário de Bruce Gomlevsky. Aliás, o mais simples possível, mas atinge o seu objetivo. Várias "velas-lamparinas" fazem um circulo,  criando espaços e luzes que não concorrem com os cerrados "spots" de Tandeta. A trilha sonora original é de Mauro Berman e o efeito especial de Derô Martin; Arte e Identidade Visual de Mauricio Grecco; Projeto Gráfico de Thiago Ristow e Assessoria de Imprensa de João Pontes e Stella Stephany.          

         

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

"EL PÂNICO"

Elenco de "El Pânico", de Rafael Spregelburd, direção Ivan Sugahara.
(Foto Felipe Pilotto) 


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)

     "El Pânico" está em cartaz no Espaço SESC Copacabana, Rio de Janeiro,  até o dia 29 de novembro. Fomos assistir a esta divertida comedia "de horror" escrita pelo argentino Rafael Spregelburd - em boa hora traduzida para o "portunhol" por Diego de Angeli - dirigida por Ivan Sugahara! Este surpreendente diretor continua a sua experiência com a linguagem, começada com "Beija-me como nos livros", onde os atores falavam uma espécie de "esperanto", com todas as misturas de luso-inglês-alemão que lhe corresponde.
     Agora, neste "El Pânico", além de seus atores falarem "o espanhol do Sul do Brasil" (na fronteira entre Uruguai e Argentina fala-se justamente o portunhol!), a força transformadora que os cerca torna os atores irreconhecíveis. Debora Lamm é um exemplo, revelando-se uma atriz solta e "maluca", em sua comicidade, inaugurando um novo estilo de representação, com a sua bailarina "linguagem Pina Bausch". Aliás, a cena com a coreógrafa Elyse, interpretada por Suzana Nascimento, foi a primeira grande gargalhada geral. Lamm, em outras personagens que interpreta, como a "Terapeuta", mostra que  está se libertando de sua "marcante" personalidade de atriz, para se tornar uma comediante de primeiro time.
     E Lamm não é o único caso. Paulo Verlings está irreconhecível (e muito engraçado) em seu Guido Sosa, o filho inseguro. Kelzy Ecard, a mãe, desfalece de singularidade em sua atuação extrovertida.  A vidente Susana Lastri, também interpretada por Suzana Nascimento; ou Marcio Machado, o personagem "flou", o Emilio, são  exemplos de comedia macabra. O espetáculo nos delicia com ações inesperadas, forças do além, atos irracionais... como os da vidente, e o ritmo enlouquecido que desencadeia. O misterioso palco de "luz e sombra"  conta, através de mímica e sons, o que se passa em outro plano da ação. O cenário é muito bom, marcando o encontro entre o  real e o imaginário, onde tudo pode acontecer. Destaque para a reprodução do homem assassinado, seu vulto desenhado no chão, e a reprodução do mesmo no gesto no fantasma, dando a dica de que "ele" não pertence mais ao mundo dos vivos...
     "El Pânico" é um banquete completo para quem aprecia uma boa comedia. E tem um tempero extra, que é a criatividade do ator. A ação se passa em torno da procura da chave de um cofre onde o morto deixou a sua fortuna. Nessa historia central tomam carona "problemas imobiliários", intervenções da polícia, e tudo o mais que traz a ação para os nossos dias... embora os figurinos sejam dos anos 80 -  para o diretor, anos tétricos!                
     No elenco, além dos já citados, temos Julia Marini, interpretando Rosa Lozano, Marcia e Úrsula. E Thais Vaz (Dudi e Melina Trelles) e Pâmela Côto interpretando Regina e Betiana Garcia. Elisa Pinheiro é Jéssica Sosa (o terceiro membro da família enlutada). Sobre os mortos, o autor se pronuncia: eles ... " têm terror desse momento nefasto de lucidez em que entendem que estão mortos".
     "El Pânico" estréia no Brasil com sucesso, mas Spregelburd é mundialmente reconhecido como um fenômeno de autor, ator e diretor. Nascido nos anos 70, representa um dos mais modernos dramaturgos da arte teatral argentina. Sugahara já o montou em 2011, dirigindo "A Estupidez", o primeiro dos 7 pecados capitais "contemporâneos" ao qual o diretor carioca não resistiu encenar. Os outros seis seriam: Teimosia, Extravagância, Paranóia, Modestia, Inapetência e "Pânico"!  Este último nos é "apresentado", agora, em nossa vida real. Eis o mais recente  acontecimento argentino para as artes cênicas, acrescentado de uma certa filosofia "almodovariana" do espetáculo. VALE ASSISTIR!       

     Na ficha técnica temos os figurinos marcantes de Joana Lima; cenário muitíssimo criativo de André Sanches; Iluminação (mestre de sombra e luz) Aurelio de Simoni; Trilha sonora, Ivan Sugahara e Beatriz Bertu (que também é assistente de direção); Direção de movimento da grande Duda Maia; Preparação vocal, Ricardo Góes. Assistência de Idioma, Florencia Santángelo; Visagismo, Josef Chasilew. Vozes em off dos amigos Leonardo Paixão, Isaac Bernat, Gilberto Lamm e Letícia Isnard; Assessoria de Imprensa: JS Pontes.              

domingo, 15 de novembro de 2015

"O BEIJO NO ASFALTO"

"O Beijo na Asfalto", de Nelson Rodrigues, direção João Fonseca. Em cena Arandir, o homem que beijou o morto, interpretado por Claudio Lins (na penumbra), e o Morto Beijado (que está mais vivo do que nunca, na foto), interpretado por Pablo Áscoli. (Foto de Renato Pagliacci).
"O BEIJO NO ASFALTO - O MUSICAL"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Com um elenco de treze atores, está em cena no Rio de Janeiro a versão musical de "O Beijo no Asfalto", de Nelson Rodrigues. Inspiração de Claudio Lins, direção de João Fonseca. E eis que volto ao musical, dessa vez com dramaturgia do "nosso Sakespeare", Nelson Rodrigues, já que meu reencontro com essa linguagem teatral se deu com o próprio "bardo" inglês, com "A Megera Domada", em adaptação para musical com o título de "Kiss me, Kate!". Duas experiências maravilhosas. A respeito de Kate já falei, em crítica anterior. Passemos a Nelson Rodrigues.
     Aliás, a inspiração para musical de "O Beijo no Asfalto" foi de João Fonseca, respondendo a uma proposta de Claudio Lins. O Projeto teve inicio em 2009. Há que se respeitar o trabalho de montagem de um espetáculo.  Claudio Lins selecionou (e compôs) misturando as músicas do espetáculo, qual Abujamra fazia com os textos. Podemos dizer que o resultado é surpreendente: músicas já conhecidas e composições feitas por Claudio, exclusivamente para o espetáculo. E o texto de Nelson Rodrigues, na íntegra, sem perder a força!
     Na ficha técnica temos 43 profissionais, destaque para os músicos:
     ... e as músicas. Tocadas ao vivo, têm no Piano e Regência: Evelyne Garcia/Herbert Souza; Baixo: Matias Correa/Pedro Aune;  Bateria e Percussão: Claudio Lima; Trombone: Wanderson Cunha/Bebeto Germano; Sax, Clarinete e Flauta: Alex Freitas/ Raphael Nocchi.
     A historia do "homem bom" - e de como é difícil ser "um homem bom"-, é protagonizada por Claudio Lins que possui, inclusive, o physique du rôle.  Como a bondade não tem nuances, mas só aflições, o desempenho de Lins se resume ao pavor de ser bom. Ele é um ator que canta, e seu solo encerra o espetáculo: trata-se de uma música de Miguel Gustavo, "O Beijo no Asfalto", mas há algo, talvez o "ruído" do cenário, talvez a consternação do personagem, que não o deixa alçar vôo como cantor. Claudio Lins fica nos devendo um grande solo. Outro "ator que canta" é Gracindo Junior (Aprigio, o pai das meninas), que consegue dar uma impressionante interpretação de "Alguém", em "Abismo de amor", de Cândido das Neves. Mas atriz/cantora mesmo (vejam a diferença) é Laila Garin, intérprete de Selminha, a esposa de Arandir, "o homem que beijou outro homem na boca". Laila Garin, nas primeiras cenas, é uma "enfatiotada" mocinha, com cara de tola. Não "apostamos", a princípio, em sua interpretação. Porém ela cresce. Qual o quê! Mostra-se "um monstro" da cena, ao cantar "Toda Noite" e "A Noite do Meu Bem", de Dolores Duran. A gente tem que segurar a vontade de chorar. O seu canto, para o pior dos infernos, atrai o mal. (Assista o espetáculo, e confirme).
     Encarnando o demônio está Thelmo Fernandes, interpretando o jornalista Amado Ribeiro, personagem real, da sessão de polícia da Última Hora, do Samuel Wainer (não esquecer que Nelson Rodrigues trabalhou naquele jornal e sabia do que estava falando). Thelmo canta e conta, como bom ator que é. Destaque para "Sou porco sim". Outro ator que, para mim, andava desaparecido, e que tem uma presença cênica e um tempo de comédia invejável é Jorge Maya, que também canta - e bem - interpretando o auxiliar de polícia Aruba. Sua "cúmplice", a diretora de movimento Sueli Guerra, dá-lhe todas as ocasiões para brilhar, e ele as sabe aproveitar. Parabéns aos dois!
     E chegamos em Claudio Tovar, criatura sempre bem vinda em musicais, tanto pelo seu à vontade em tais apresentações cênicas, quanto em seu desempenho bem sucedido como figurinista destes espetáculos. Tovar desempenha, com brilho, o burríssimo (e descontrolado) delegado Cunha, destacando-se em todas as participações musicais que atua, principalmente em "O ciúme", interpretando "Tenho ciúme de tudo", de Valdir Rocha.
    Outra atriz/cantora é Yasmin Gomlewski, nossa conhecida de outros musicais, interpretando a irmã caçula de Selminha, a traidora Dália e se destacando ao cantar "Rota de Colisão", onde são misturadas as músicas "E daí?" (de Miguel Gustavo) e "Menina Moça" (de Luiz Antonio), reforçando o seu papel de adolescente doce e perversa. Uma boa  interpretação, como, aliás, é uma constante neste elenco, daí o bom espetáculo que é "O Beijo no Asfalto". O que mais gostamos nele são as denúncias, tão atuais, feitas pelo nosso grande Nelson Rodrigues. Nessa peça, principalmente, ele parece estar prevendo o futuro - o Brasil do  século XXI - com a sua imprensa fatídica, corrupta e corruptora. Nada se perde do texto, que, repetimos, está na íntegra! (ponto para o musical!). Nelson Rodrigues brilha, em suas denúncias da "imprensa marrom" - que afinal, no Brasil atual é maioria! E ainda  escancara o problema criado por uma sociedade míope: o beijo entre iguais. No caso de Nelson, o beijo entre homens. Mal sabia ele que esse beijo ia continuar a causar problemas!

     O morto beijado é o belo Pablo Áscoli, que, por ser jovem e belo,  levanta suspeitas...! Temos também a sua Viúva, interpretada com competência por Juliane Bodini ( a cena da delegacia entre os quatro: Selminha, Amado Ribeiro, o Delegado Cunha e a Viúva, é antológica). Há também, na peça, e não poderia faltar,  D. Matilde, a eterna "vizinha fofoqueira", interpretada com segura-implicância por Janaína Azevedo. D. Judith, a mãe de Selminha, e outra vizinha fofoqueira, são interpretadas por Juliana Marins. O Werneck, da repartição, é Gabriel Stuaffer, um aprendiz de feiticeiro. Pimentel (outro colega de Arandir), e também o Comissário Barros, são interpretados por Ricardo Souzedo. Na ficha técnica temos Nelo Marrese caprichando no cenário, fazendo misérias com a reprodução do jornal difamatorio, com os interiores, e a mobilidade que dá à cena. Nos figurinos, nem é bom lembrar, Claudio Tovar arrasa, com figurinos dos anos 80! (Pena que ele não gosta da Dilma...Ô argentino cruel! ). Fazendo eco a tanta perfeição temos a iluminação de Luis Paulo Neném. Sem a sua precisão o espetáculo não andaria! E tem Sueli Guerra na direção de movimento, e isso já diz tudo. A pianista ensaiadora é Evelyne Garcia. E muitos outros profissionais fazem o espetáculo brilhar. Não se esqueçam, eles são 43! Nelson Rodrigues sempre foi bom fomentador de empregos! BOM ESPETÁCULO! - Ele  agora está no Teatro das Artes, na Gávea).      

"ELECTRA - UMA CONCEPÇÃO DO AMOR"

Cena de "Electra", de Sófocles, direção João Fonseca, na foto. 
(registro fotográfico da estreia da peça, de Renato Mangolin) 

"ELECTRA - UMA CONCEPÇÃO DO AMOR"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

         Não havia ódio, nesta "Electra", de Sófloces, havia amor... pelo irmão, pelo pai, embora o recado seja o do ódio (neste momento de ódio  que atravessa a humanidade, não é um bom momento para discursar sobre o ódio). Mas Electra amava o irmão, o pai... os homens (digo aqui o sexo masculino, não a humanidade). A própria concepção  de Electra, interpretada por Rafaela Amado, no espetáculo de João Fonseca, é a de um menino. Electra, para João Fonseca, representa um rapazinho, desde sua aparência física, até o seu modo de reagir à adversidade. E  João está com a razão, porque, historicamente, Electra protagoniza a queda do matriarcado e elege para si a sempre (renovada), força do patriarcado. Mas, em nossa época, onde o ódio predomina, não é uma boa  escolha  a montagem da peça de Sófocles. Homenagem a Abujamra, dizem. Mas essa montagem não tem nada a ver com a peça encenada por Abujamra, em 1965, montagem na qual imperava Glauce Rocha e seu "Monólogo da Urna". Como sabemos, Abujamra deixava seus atores a vontade, e, ao perceber o "gênio", deixava que o mesmo transbordasse. Foi o que aconteceu com  Glauce/Electra  e o sentimento de perda de seu querido irmão Orestes. Mas passado é passado, embora Glauce Rocha não saia da memória de quem a assistiu na montagem de Abujamra. Ela era um exemplo de, como dizia Artaud, um ator que se incendeia no palco.
      Entretanto, há amor, em Electra. Um mistério, porque este amor passa  rapidamente pela cena, na montagem  de Fonseca, dando prioridade ao ódio. Há várias maneiras de interpretar o mito de Electra, uma delas é através do amor.  ... E começamos por Clitemnestra e sua tragédia. Clitemnestra, interpretada pela atriz Camilla Amado, enfrenta o filicídio e o matricídio. E podemos resumir, para quem não conhece a historia dos Átridas, e sua Maldição, eis a questão:  a bela Helena, mulher de Menelau, irmão de Agamenon (filhos de Atreu),  foge para Troia com Páris, filho de Príamo, rei de Troia. Dizem que ela foi raptada, na verdade ela sucumbiu  aos  encantos de Páris, prestigiado pelas deusas do Olimpo, em especial  por Afrodite, a deusa do Amor. Como todos nós sabemos, é por causa dessa "traição" de Helena que se dá a Guerra de Troia e a "Maldição dos Átridas".
     E aí começa a tragédia de Clitemnestra: sua querida filha Ifigênia é morta para aplacar a deusa Artemis que, com raiva de Agamenon (os deuses gregos tinham sentimentos humanos),  por ele ter matado um de seus bichos, uma corça, ao que parece - e se vangloriar de tal feito -  resolveu castigá-lo. O  guerreiro estava a caminho de Troia (pode parecer impertinência, mas o que Ifigênia e Clitemnestra estavam fazendo no meio da soldadesca?). Pois bem, em consequência do ato de Agamenon, a  deusa  Artemis, como boa deusa grega, vinga-se, fazendo o vento cessar e os navios de Agamenon não poderem seguir viagem para trucidar os troianos. Condição de Artemis para o vento voltar: o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamenon. Ele consente e comete um filicídio, para horror e ódio de Clitemnestra, a mãe, que jura vingança. Como sabemos, gentileza gera gentileza, e ódio gera ódio (vide o ataque de Bush ao Oriente Médio, a confusão que se formou em torno daquele infeliz continente e o revide dos otomanos, ou seja, do antigo Império Otomano, pois quem foi rei nunca perde a majestade).
     Uma justificativa para Clitemnestra: enquanto Agamenon tudo pode, inclusive receber Cassandra (irmã de Páris) como troféu de guerra e  levá-la como prisioneira para a casa de sua esposa (o filicida sem julgamento impõe a Clitemnestra a presença de Cassandra com estas palavras: "Recebe a Senhora estrangeira e trata-a bem"). Clitemnestra matou Agamenon para se vingar pela morte de Ifigênia. Assassinato gera assassinato. Havia no Olimpo a interferência dos deuses, e entre os mortais, a interferência dos poetas... A deusa Atena dirigiu as decisões, no julgamento de Orestes, e ficou do lado do patriarcado, na decisão final, com o argumento de que não fora gerada por mulher. (Como sabemos, Atena nasceu de uma "dor de cabeça" de Zeus). O veredito da deusa da sabedoria pesou a favor de Orestes, o matricida, e contra as Eríneas de Clitemnestra, que a defendiam.    
     Estas historias do Olimpo são fascinantes. Interpretá-las ou dirigi-las - como acontece com o "Rei Lear", ou "Hamlet" - deve ser o sonho de todo ator e diretor. O mesmo deve acontecer com a tragedia dos Átridas. É o que se imagina. Assim, a  iniciativa de João Fonseca e de Camila Amado é louvável: é um desafio e uma provocação. Nada do que nos é levado à cena é falso, neste espetáculo. Há uma entrega total, e força, ou doçura, nos atores. Mas não há "o horror". O ódio parece justificado. E a  Força -  essa necessidade da tragédia grega - às vezes é retirada da própria compleição física dos atores, como é o caso de Mario Borges, com sua voz possante que substitui o coro e dá amplitude ao corifeu. A representação de  Orestes, feita por Ricardo Tozzi, com doçura e hesitação, pode ser uma das maneiras de perceber este personagem que tanto necessita do auxilio dos deuses, de Apolo, principalmente, para agir. Talvez Tozzi seja o ator adequado para Orestes. Paula Sandroni, cuja personalidade é forte, porém sua maneira de representar transmite doçura, está adequada para viver Crisôtremis, a  irmã - que Electra não valoriza, justamente pela sua "feminilidade". A guerreira da família é Electra, e ela trava a sua luta. Para o diretor Fonseca, é "impossível vencer sem perder". E aí está, nesta frase,  a tragedia de Electra.  Francisco Cuoco, como o Estrangeiro, está adequado, embora mecânico. Alexandre Molfatti, como Egisto, não teve ocasião de brilhar. Deixemos para as "Eumênides", a próxima peça de Sófocles sobre essa tragédia, e o caráter de Egisto ficará exposto.

     E agora, as duas personagens principais de "Electra" - Clitemnestra e sua filha Electra. Difícil parceria, já muitas vezes tentada. Talvez os filmes gregos sejam os melhores exemplos, ou os festivais em Atenas... Mas "Clitemnestra" (Camila Amado ) e "Electra" (Rafaela Amado), lutam para o reconhecimento de suas tragédias, mas está faltando algo poderoso a arrebatador: não somos envolvidos pelos seus horrores. Camila Amado tem momentos de verdadeira tragédia, quando sede à filha o seu tempo para as queixas, sabendo (embora não acredite), que será justiçada. Rafaela Amado se empenha, na cena do encontro e reconhecimento de seu irmão Orestes. Falta neste espetáculo, que é uma verdadeira "Electra de Bolso", algo mais descarnado, que nos faça descer aos infernos. 
     Na ficha técnica temos o bem cuidado padrão João Fonseca, mas sem maiores resultados: Nelo Marrese cria a cena em cima de praticáveis, mas não consegue a grandeza imaginada para a cena grega. O figurino de Marília Carneiro e Reinaldo Elias acerta somente na composição de Clitemnestra e de Crisôtemis. Há erro total no figurino de Electra. Os demais componentes da tragédia reproduzem., com maior ou menor eficácia,  figurinos do povo e de seres das casas abastadas (Egisto), na Grécia. A luz de Luiz Paulo Neném não dá ênfase aos acontecimentos. A trilha sonora de João Bittencourt não guarda maiores destaques. Enfim, o espetáculo precisa subir de tom e arrebatamento (sem nervosismos), para nos levar aos tempos gregos de Clitemnestra e Electra. (Sinto dizê-lo).