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sábado, 30 de junho de 2018

"A PESTE"

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)
Pedro Osorio, em "A Peste", de Albert Camus, dirigido por Vera Holtz e Guilherme Leme Garcia.
(Foto Renato Mangolin)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     Chega ao palco, de maneira ainda experimental (vede telefone auxiliar que atrapalha a concentração de quem assiste  “A Peste”, do Prêmio Nobel de Literatura Albert Camus). Dirigida e adaptada por Guilherme Leme Garcia e também adaptada pelo ator Pedro Osório, a peça conta com a co-direção de Vera Holtz.

     O que temos a declarar sobre o texto de Camus? Sua justificativa para ser levada ao palco é justamente o momento que o Brasil vive: uma situação absurda. Camus costuma retratar situações absurdas. Mas o que absorvemos do espetáculo –  apesar do “ruído” da fala microfonada do ator –  é a sensação de perder o impacto da encenação graças também a uma falha na ênfase de quem “provoca” o movimento: Toni Rodrigues. O assim chamado “provocador do movimento” deixa passar momentos mortos, e isto é fatal para o espetáculo. O ator torna-se agente passivo do texto (enfatizo: talvez essa passividade seja provocada pelo microfone...).

      A palavra  “provocação”  é muitas vezes colocada no programa da peça.  Vejamos se nos sentimos tão provocados assim: diz o programa que o espetáculo “apresenta a metáfora da peste para discutir as relações humanas da sociedade contemporânea” -  queiram os atores desculpar-me - mas o que assistimos é rebarbativo, os movimentos do ator para debelar a situação de pânico se resumem ao vai e vem do transporte (de ossos?).

      Infelizmente não há amparo para tanta provocação. Talvez o melhor momento da peça seja quando o ator retira a máscara contra gás que o encobre no início da representação, e a expõe ao público como se fossem ratos! Há a necessidade, em espetáculo dessa natureza, algo mais do que a fala ininterrupta do ator: há a necessidade do gesto enfático! 

      Certamente, fazer a reprodução do trabalho de Albert Camus tem os seus méritos, ressentimos apenas eles não terem atingido a proposta do autor argelino. O Flagelo tem que chegar às suas últimas consequências!

       Esperamos, na continuação da temporada, que o excelente ator Pedro Osório consiga o equilíbrio necessário entre o gesto e a fala! Vale à pena conferir.   
     
          Será que eu me deixei provocar?

         Iluminação sensível de Adriana Ortiz. Figurino: um simples terno “cidadão”, de Ana Roque).  
       

quarta-feira, 27 de junho de 2018

"A MENTIRA"

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"A Mentira", de Nelson Rodrigues. Direção Inez Viana. Em cena os atores Leonardo Brício, Denise Stutz, Elisa Barbosa, Junior Dantas, a diretora Inez Viana e André Senna, Lucas Lacerda e Zé Wendell. (Foto Aline Macedo)

CRITICA  DE TEATRO
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

     Nelson Rodrigues, o nosso Shakespeare de subúrbio (explico: Shake fala sobre reis e Rodrigues sobre o povo... embora Shake também fale sobre povo, e Nelson tenha escrito "Senhora dos Afogados"!!!) ... agora, então, com este  “A Mentira”, seu texto irreverente, absurdo, dá a dimensão de Nelson! Chavões, ditados populares, histeria e malemolência, tudo junto ele aborda, tratando de uma família cujo pai, mãe, três filhas, dois genros e um personagem "de fora", um aleijado (criado pela imaginação da caçula) saíram das entranhas do autor! Inez Viana dirige, e nos mostra que, como sempre, os caçulas fazem "das suas", e tudo gira em torno dessa personagem...   

     Como a gente sabe, tudo é "mentira"! E ela é anunciada por um ginecologista maluco, um mentiroso contumaz que não pode ver uma adolescente sem se excitar, sem mentir. Ele não aparece em cena, mas a sua mentira coloca a família em ação, e Nelson se agita!

      O que acontece desde a declaração da gravidez da menina até o seu desmentido é de uma desfaçatez deliciosa! Inez Viana se supera e, com o auxilio da atriz convidada Denise Stutz, que também dirige o movimento dos atores. Inez imagina cenas muito engraçadas, muito loucas, e é raro tanto acerto, tanta desinibição talentosa, o elenco da Cia. OmondÉ  mostra-se  exemplar. Ele é formado, nesta peça, (pois o Companhia não está completa), por André Senna, Elisa Barbosa, Junior Dantas, Leonardo Brício (o nosso “Péricles”, de Shakespeare, está de volta!), Lucas Lacerda e Zé Wendell.

       Ora, com estes atores (não há uma falha na interpretação), cuja naturalidade é rara, a diretora nos traz um Nelson absolutamente verdadeiro! A peça é uma adaptação, feita por Inez, do romance que nasceu das crônicas de Nelson sobre a família, escritas a pedido de Samuel Wainer para o jornal “Última Hora”, e depois transformadas em livro.

     Como o trabalho realizado pela companhia é “na raça”, a adesão dos profissionais foi salvadora. Virginia Barros criou os figurinos, adequados para a loucura geral, e sem exageros! (Que coisa terrível, no Brasil de agora está cada vez mais difícil conseguir um financiamento!).  E Ana Luzia “de Simoni” – este nome não lhes diz nada? – criou a luz. Tudo gente de teatro até a medula, e eles conseguem levar este barco, muito bem levado! 
Assessoria de Imprensa, Ney Motta. Direção Executiva dos atores Junior Dantas e Lucas Lacerda... 
Viva o Teatro! Vale à pena conferir.                 
          

sexta-feira, 22 de junho de 2018

"NAITSU - Noites com Murakami"




IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
Resultado de imagem para fotos de NAITSU - Marina Salomon

 Marina Salomon em "NAITSU - Noites de Murakami", direção Regina Miranda.
 (Foto Luis Cancel).
(Especial)

NAITSU – Noites com Murakami

     Até o dia 8 de julho podemos assistir (no Espaço Rogerio Cardoso, Casa de Laura Alvim), a interpretação de Marina Salomon contracenando com o imaginário do escritor japonês Haruki Murakami, um mestre na ligação do consciente com o inconsciente - e  no  espetáculo  contar  com  a  criatividade  de  Regina  Miranda. 

     O surpreendente na linguagem de “NAITSU – Noites com Murakami” é a sua dimensão, que nos leva ao paroxismo do sensível. É a arte procurando a expressão do subjetivo para transformá-lo em palavras. Na atuação da inacreditável Marina Salomon a procura desta expressão é dominante. A atriz-bailarina é a representação viva da procura de Regina Miranda em suas manifestações corporais e na sua fala.

      Mas como transmitir, em palavras, a dimensão do que assistimos em cena? Os espetáculos de Regina são momentos suspensos no tempo, são manifestações vibrantes entre falas e momentos evanescentes, que em NAITSU se misturam com os gestos, se acalmam, se repelem, se entrelaçam, e não dão sossego a quem está assistindo a bailarina-atriz!

     Regina junta a sua voz a de Haruki Murakami, escritor que é considerado um dos maiores autores japoneses contemporâneos. Em seus livros ele cria um “universo quase hipnótico”. E NAITSU joga justamente com situações de insônia, inquietação, medo, inconsciência. São manifestações da alma, por isso é muito importante registrar o pensamento dos artistas que se "jogaram" em sua concretização. Diz Marina: [um espetáculo] “onde o real e o imaginário quase se confundem, em trocas continuas de lugar e sentido”.

     ... como o destino. E este espetáculo tem a ver com fatalidades, com destinos!
     Regina Miranda é a responsável pela ambientação da cena, por seu clima onírico, pelos véus que se entrelaçam dando outra dimensão ao espaço.  De Regina também é o texto, a partir das obras de Murakami. É por isso que a bailarina-atriz pergunta: “vocês me acham bonita?” e faz tantas aproximações com os medos e a “vontade de se perder” que se complementam, esquecendo gêneros. É Regina, e é Murakami. A trilha sonora em que se misturam nacionalidades. E a luz...  Regina brinca com a bailarina! Figurino simples e revelador de Luiza Marcier. Produção Executiva de Denise Escudero.  

     Não vejo como as palavras podem representar mais do que o espetáculo. Há que assisti-lo! Há que se deixar transportar para Orion, Alfa, Centauro... Delta!      

sábado, 2 de junho de 2018

"ROMEU E JULIETA"




IDA VICENZIA
(da  Associação Internacional de Críticos de Teatro – AICT)
(Especial)

Romeu e Julieta_foto © Wilton Montenegro 0566
"Romeu e Julieta", de Shakespeare. Direção Mariozinho Telles e Maria Rita Rezende. Em cena Julieta, a Mãe e a Ama. (Foto Divulgação)



           Eis um Shakespeare que continua fascinando os corações! 

           Registramos a apresentação da Cia. Teatro de Roda, com direção de Mariozinho Telles encenando “Romeu e Julieta”. 

           Trata-se da última direção do artista falecido em 2017, e os 'apaixonados de Verona', hoje pelas mãos de Maria Rita Rezende, viveram, até o fim do mês de maio, seu destino, na Casa de Cultura Laura Alvim. 

          E, certamente, estarão voltando para outros espaços! Há mérito neste renascer, e ele se concretiza nas mãos da companheira e perpetuadora do trabalho de Mariozinho.

           A montagem dos Clássicos em Cena,  marca registrada deste diretor, já levou aos palcos Bertold Brecht, “O Homem é um Homem”, Sófocles e sua “Antígona” - e muitos outros clássicos. Mariozinho conseguiu uma abordagem contemporânea para estes dramas, uma visão renovada.  É o que podemos observar neste “Romeu e Julieta” ano 2000.

      Criando seu teatro simples na Cia. Teatro de Roda, o diretor formou várias gerações de atores. Em um teatro que poderíamos chamar “de bolso”, eles viajaram pelo Rio de Janeiro levando seus espetáculos. A ação de Mariozinho vem de longe, dos anos 80, quando foi multiplicador do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal. Hoje - e em 2017 - é a vez de “Romeu e Julieta”, com tradução de Onestaldo de Pennafort.  Trata-se de um trabalho continuado que a companheira e atriz Maria Rita Rezende conserva intacto.

          Mariozinho Telles participou do corpo docente de várias escolas de teatro, entre elas a CAL e a Escola Martins Pena. Hoje Maria Rita conserva o seu último trabalho, que destaca  o dramaturgo de Stratford  upon Avon. Ele ocupou, até final do mês de maio, um lugar no Espaço Rogerio Cardoso, da Casa de Laura Alvim. Certamente o espetáculo retornará em outros espaços. Atores e diretora estarão sempre prontos a assumir “Romeu e Julieta”, não deixando os apaixonados de Verona serem desvirtuados. Esta foi a promessa da companheira de vida e teatro de Mariozinho, Maria Rita Rezende. O elenco também está disposto a sustentar o estilo vibrante do diretor.

           Entre as atrizes tivemos Karina Diniz interpretando Julieta, com impetuosidade e acerto. Karina também mostrou versatilidade ao enfrentar a personalidade masculina de um Montecchio! Também Roberta Mancuso, no papel da Ama de Julieta, enternece o público com sua dedicação e esperteza. Trata-se de uma presença marcante. Há também Luciana Albertin desenvolvendo os 'cuidados' da Sra. Capuleto com sua filha Julieta... Ah! Essas mães, e seu poder de desencadear tragédias!  

       No elenco masculino destacam-se Mario Meirelles como Romeu, e Guilherme Salvador como Frei Lourenço. Também Lenilson de Mello  interpretando Benvolio é muito bem sucedido. Não é fácil segurar o espetáculo com o vigor que apresenta. Em cena nua, ele se sustenta no compasso do ritmo dos atores! A luz também é um grande parceiro (executada por um dos componentes da Cia.). É algo que fala por si. Os figurinos, em negro, lembram os coringas dos anos 70, com os atores revezando-se nos papéis e tornando vivo o jogo de cena. Este é um magnífico exercício teatral. 

       A composição de “Romeu e Julieta” é moderna, com o palco nu e a iluminação jogando com as mudanças de cena. A registrar a entrada do elenco, situando uma época que bem poderia ser a nossa, contemporânea, pois os atores utilizam mãos e corpo para extrair deles o ritmo do Hip Hop e do Rap, em movimentos livres e originais: o público encanta-se com a apresentação dos personagens. O único objeto de cena é um lenço vermelho que pode se transformar em um coração batendo, ou em uma ferida sangrando...
     ...e este recurso do diretor lembra-nos a paixão de Mariozinho Telles pelo teatro!  Podemos dizer que  os verdadeiros ‘imortais’ do teatro são os artistas que, como Mariozinho, passam as suas emoções como se vivos fossem...

        Vida longa ao “Romeu e Julieta” de Shakespeare, Mariozinho Telles e Maria Rita Rezende!  Provavelmente ele retornará em outros espaços desta tribo carioca!