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sábado, 20 de setembro de 2014

NA REPÚBLICA DA FELICIDADE

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Há algumas coisas interessantes a salientar, nesta estranha manifestação artística que assistimos no dia 18/09/2014. Para começar, o título já é intrigante: "Na República da Felicidade". Mais nos intriga ainda a reação do público a partir das primeiras falas dos atores. Há uma risada quase geral - principalmente dos jovens na platéia - quando certos personagens, como por exemplo a avó (Cris Larin), manifesta os seus pontos de vista sobre a vida. Há singularidades em todos os personagens.

Vemos a peça se iniciar como uma cena corriqueira, um jantar em família. O texto é dividido em capítulos, e este a que nos referimos se chama "A Desconstrução da Família", ou algo assim, mostrando aspectos da incongruência da relação familiar. Tudo bem encenado, atores que dão conta de seu recado. Porém, há algo estranho que nos prende a atenção, apesar da cena tantas vezes repetida das relações familiares. Há um certo estranhamento que gostaríamos de rotular de "teatro do absurdo", mas não é nada disso o que o autor Martim Crimp se propõe. Parece-nos, no decorrer das cenas, que o autor possui uma linguagem teatral que não se preocupa com os cânones, ele está absolutamente empenhado em passar a sua estranheza a respeito da vida e seus acontecimentos. Principalmente quando se refere aos tempos atuais. Aí nos deparamos com uma cena impressionante, talvez a segunda, quando os personagens são tragados pela internet. Eles parecem relatar a vida "do outro lado", onde há o perigo de ser "deletado" a cada momento.  
         
Há também uma cena na qual temos a impressão de que o autor - e o diretor -  brincam com os improvisos que acontecem nas escolas de teatro - a noiva e o noivo, e sua dificuldade em entender o que sentem. Há momentos ótimos, na peça, e aos poucos a gente entra na brincadeira (?). Não sei se este tipo de teatro "is not my cup of tea", ele é uma experiência. O que sei é que o espetáculo oscila entre um assunto extremamente sério e angustiante, misturado à desorientação musical e farsesca da descontração. Há um músico em cena, o que dá fôlego ao todo. Ele se chama Luciano Moreira. Não há necessidade de os atores apresentarem-se com vozes afinadas (alguns a têm), pois o mais importante que eles querem mostrar não está ali, naquele momento e naquela música. Elas são muitas, as músicas, ilustrando todas as cenas. Pela ironia do texto de algumas delas - ficamos com a impressão que aí tem dedo de Crimp. Pasmem, trata-se de um anti-musical.

É atualíssima a passagem das duas garotas (Clarisse Zarvos e Tainá Nogueira) ao confrontar a maneira suspeitosa e brutal de encarar as pessoas que acontece, em certos aeroportos de "países estrangeiros", em sua paranóia. Com este viés crítico aparecem também Luciana Fróes e Cris Larin, na cena da crítica às "cabeças de vento" de nossa sociedade, ou aos maus costumes da mesma. O assunto é "isso não tem nada a ver com política".
     
Mas isso também não tem lá muita importância, diante do mal-estar totalizante dos personagens diante da vida em si. É interessante ver o teatro colocar de forma tão clara este caos em que estamos metidos, todos nós. Há uma qualidade teatral em tudo isso? Há, sim, apesar de suas cenas descosidas, a verdade se impõe. Dizem que isto é teatro pós-moderno. Ao colocar Cris Larin em primeiro plano, não é uma indicação de destaque, mas de estranhamento do desempenho desta atriz. Ela é responsável por momentos que esclarecem as intenções do autor. Muitos o fazem, porém com uma leitura menos explícita. Há momentos perfeitos, como os que citei, e há momentos confusos, porém, diante da verdade de cada personagem, eles funcionam. Ironicamente, fazemos uma leitura com "começo, meio e fim", como nas melhores tragédias convencionais. E concluímos, sim, que o ser humano é inviável. E é isso que Felipe Vidal, Luciana Fróes (vejo-a pela primeira vez em cena; tem grande, e refinada, sensibilidade), estão querendo mostrar, no texto de Crimp.

Há ainda Clarisse Zarvos e Tainá Nogueira; Gabriel Salabert e Sergio Medeiros, respectivamente o pai e o avô, todos jogando com a sua verdade e a do seu personagem. Felipe Vidal surge como o tio Beto. Este personagem, e sua mulher Madalena (Bianca Messina), fazem um corte cênico na narrativa, aprofundando o mal estar. Há algo a destacar na direção de Vidal: o elenco se apresenta confortável em cena, para contar esta história de flashes sobre o nosso presente, e sobre o que ainda está por vir. Tal "terremoto" tinha que vir justamente de um inglês! Não sei qual a razão, mas eles têm lá a sua maneira de mexer com as nossas cabeças. Olhem, o dia da estréia não tem nada a ver com o descosido desta peça, não. A verdade é que ela se quer assim. É possível até que este seja o futuro de nossa história.
               
Na ficha técnica temos na tradução Daniele Avila Small e Felipe Vidal. No figurino, Flavio Souza acertando em seus, algumas vezes belos, figurinos femininos, como o da cena final de Madalena. Em geral os atores se apresentam em trajes contemporâneos, descontraídos. Há Pedro Kosovski na interlocução artística; e a cenografia, simples e funcional, é de Aurora dos Campos. Tomás Ribas sempre acertando em suas idéias sobre iluminação. Direção musical, Luciano Moreira e Felipe Vidal. As novas escolhas teatrais, como o do Complexo Duplo (bom nome, não?), proporcionam uma troca viva com o público. Às vezes vivas demais. Seu propósito é confundir.           




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

TRÁGICA.3



MEDEIA - Denise Del Vecchio
Miwa Yanagizawa - ELECTRA
Letícia Sabatella - ANTIGONA                (Fotos da Produção)
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Trágica.3 é um dos melhores exemplos de absorção do que consideramos o pensamento trágico grego em sua essência. Que belo espetáculo! Já as primeiras palavras que saúdem o público nos fazem perceber que vamos participar de um rito sagrado. E o diretor Guilherme Leme nos leva ao que de mais pleno existe na linguagem teatral.
Começamos assistindo as dores de Antígona, reagindo ao poder de Creonte. Esta heroína já atraiu monólogos, com suas desventuras e seu amor ao irmão insepulto. Anouilh já se debruçou sobre sua desdita, e Nathália Timberg nos hipnotizou com seu olhar dramático. Porém, a adaptação de Caio de Andrade para a desditosa filha de Édipo, e a interpretação emocionada de Letícia Sabatella não deixa nada a dever à nossa diva.
O espetáculo tem início com um silêncio reverente, seguido de uma musicalidade contemporânea. Uma luz mortiça vai, aos poucos, se detendo sobre a heroína. Nos primeiros movimentos já se anuncia a qualidade do que virá. A música composta (e tocada ao vivo) por Fernando Alves Pinto e Marcello H (criação conjunta dos dois com Letícia Sabatella), envolve o público com sua modernidade. Trata-se de um contraste bizarro, interessante.
Guilherme Leme acertou na escolha do elenco. Letícia Sabatella encanta com o seu talento e transmite à sua Antígona o doce amor pela verdade e a justiça, que transborda na irmã de Polinice. Miwa Yanagizawa, interpretando a vingativa Electra nos atrai com o seu poderoso olhar. O texto é de Francisco Carlos. É interessante observar como estas heroínas gregas defendiam os homens dos malefícios, ou lhes infligiam dores, como é o caso de Medeia e sua vingança sobre Jasão. Não sabemos se é por causa do texto forte, malcriado e belo de Heiner Müller - ou a interpretação de Denise Del Vecchio -  neste momento a catarse de Aristóteles se apodera da platéia e a compaixão se faz presente. Choramos, com Medeia. Forte interpretação de Del Vecchio.
As belas projeções ao fundo do palco, principalmente a dos dois meninos que serão mortos pela mãe (vídeos criados pelo diretor e por Gustavo Leme), ilustram o despojamento da ação. As imagens parecem sair do inconsciente das personagens.                   

A equipe técnica também possui grande talento. Os figurinos de Gloria Coelho são de um rigor e de uma visão estética poderosos. Cenógrafa, Aurora dos Campos deixa o palco quase nu, enfatizando a vida do espetáculo através do desempenho das atrizes. Há, nesta mistura de sons, de luzes difusas e de imagens projetadas, uma força muito grande. A economia de gestos das atrizes, solicitada pelo diretor, torna a palavra o centro da ação e traz à cena a personalidade de cada heroína. É nesta mistura do clássico com o moderno que o título do espetáculo se define: Trágicas.3. Trata-se de uma bela tradução do clássico grego. Espero que este espetáculo permaneça em cena em todos os teatros possíveis, aqui no Rio de Janeiro. Ele nos deixou no domingo, dia 14 de setembro de 2014.  Se ainda houver oportunidade de assisti-lo em outro teatro, não percam! 

domingo, 7 de setembro de 2014

A VERDADEIRA HISTORIA DE ALESSANDRA COLASANTI

"A Verdadeira História de Alessandra Colasanti", com a detetive Alexandra Cavalcanti. Foto de Ana Alexandrino. Interpretação da detetive e de sua auxiliar "Ramalhete" (escondida no foto, a atriz Flávia Espírito Santo), trazem direção e texto de Alessandra Colasanti.    


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

Comecemos pelo começo. Há um escritório de detetive, há uma auxiliar de escritório que tenta colocar alguma organização no caos. No texto de Alessandra Colasanti se impõe uma hierarquia entre chefe e subordinado, talvez uma crítica espontânea sobre o poder, como a autora costuma fazer em seus espetáculos. Em "A Bailarina de Vermelho" havia este relacionamento com o seu submisso servidor, interpretado por João Velho. No atual espetáculo, a troca entre detetive (Colasanti) e auxiliar (Flavia Espirito Santo) oferece a mesma dinâmica. As peripécias que a autora conduz em ambos os textos leva-nos a concluir que Alessandra procura uma nova maneira de fazer teatro. Desta vez, a história gira em torno do desaparecimento de Alessandra Colasanti, a atriz, no dia de seu aniversario. Seus pais buscam, aflitos, uma maneira de localizar a filha, e se entregam nas mãos na detetive "Alexandra Cavalcanti". E o jogo teatral começa. 
Os métodos de investigação da detetive são hilariantes, talvez mais desconcertantes do que os caminhos que percorre o detetive Jacques Clouseau, de "A Pantera Cor de Rosa". Cavalcanti, a detetive, se dedica a  várias experiências, entre elas a da ufologia, para atingir sua meta! A ideia é boa, porém o público fica perdido no caos. A uma certa "atribulação juvenil" ao narrar a historia, assumindo o espetáculo diversas linguagens. No final, o encontro meio enigmático da verdadeira Alessandra Colasanti, através da descoberta do DNA de seu cabelo. 
O "plot" se estabelece a partir do sumiço da verdadeira Alessandra, e tudo se converte em uma grande brincadeira. A presença (em voz gravada) dos poetas e escritores Marina Colasanti e Affonso Romano de Santana, pais da atriz, pode nos levar ao que seria a procura da "dopplegänger" da atriz, tal a semelhança entre as duas: investigadora e investigada. Muito bom. As projeções de vídeo com imagens familiares do passado parecem buscar a cumplicidade da plateia, porém há um excesso trepidante de informação visual. O vídeo é criado  pela própria autora e Nani Escobar. O espetáculo, que necessita de alguns cortes, apresenta, em  sua cena final, uma conjugação de espaço sideral associado a um texto poético de autoria de  Alessandra Colasanti que resulta em uma revelação de pura poesia. Talvez o público entenda, neste final, o que verdadeiramente se propõe o espetáculo. 
Na ficha técnica temos a direção musical de Letícia Novaes e Arthur Braganti.  A  cenografia é de Aurora de Campos. Luz belíssima, principalmente no final, com a criação do espaço sideral que acompanha o texto, de Tomás Ribas. Figurino de Alexandra Cavalcante (não confundir com a detetive). Assistente de figurino a Sra. Ramalhete. Confecção dos "sapatos de rubi" de Marcia Marques. Programação visual de Bady Cartier. A propósito, registramos a brincadeira com os nomes e apelidos das personagens, sendo a detetive batizada de Alexandra Cavalcanti e sua auxiliar nomeada "Ramalhete". Há a participação, em vídeo, dos amigos da verdadeira Alessandra, preocupados com o seu sumiço. São eles, entre outros, João Velho (seu anterior parceiro em "A Bailarina de Vermelho"), Bianca Comparato, Bianca Joy, Carlos Grun, Carlos Condé, e muito outros, desculpem os não citados. Assessoria de Imprensa JSPontes.