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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

IDA VICENZIA - CRITICA DE TEATRO: "DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO"

IDA VICENZIA - CRITICA DE TEATRO: "DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO":                                 CRÍTICA DE TEATRO - IDA VICENZIA Fala de Lênin na chegada em Petersburg (Foto Batman Zavareze) Públic...

"DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO"


                                CRÍTICA DE TEATRO - IDA VICENZIA


Fala de Lênin na chegada em Petersburg (Foto Batman Zavareze)

Público de "Dez dias que Abalaram o Mundo" (Foto de Batman Zavarese)
CRÍTICA DE TEATRO
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"10 DIAS QUE ABALARAM O MUNDO"
     Comemorando os 100 anos da Revolução dos Soviéticos, o diretor Luiz Fernando Lobo, da Companhia Ensaio Aberto - que funciona no cais do porto, no espaço denominado Armazém da Utopia - apresenta o épico "Dez Dias que Abalaram o Mundo", inspirado na obra de John Reed.

     No espaço privilegiado do grupo, o Armazém da Utopia, o diretor realiza um arrebatado e emocionado relato dos anos que antecederam ao episodio que mudou a nossa Historia. Sim, é possível, através da determinação de um grupo de intelectuais, de trabalhadores e de jovens estudantes, transformar um país de forte divisão de classes em uma grande potência socialista. A Historia não teve sucesso permanente, pois o regime não conseguiu se livrar dos incômodos vizinhos imperialistas com suas guerras de extermínio. Os socialistas sempre foram da paz e do progresso da humanidade.

     Infelizmente, o que vemos neste relato é um povo empenhado em viver o sonhado progresso de maneira pacífica e trabalhadora. Teve muitos desencontros, mas nas artes, no curto espaço de tempo que durou os anos leninistas, os bons frutos começaram, com cineastas, escritores, poetas, músicos, pintores e demais artistas ligados a uma nova visão de sociedade livre e igualitaria que os soviets construíram. Duas visões de sucesso (aliás, várias, registro duas) nos deram seus principais líderes: Lênin, quando o movimento começava a enfraquecer, com sua chamada aos revolucionários: "Todo poder aos soviets!" e Trotsky, com a admoestação: " O Duplo Poder é característico de toda revolução" - incitando aos proletários a tomarem à frente dos acontecimentos, acabando com o Duplo Poder, transformando-o em um único, não deixando que a revolução tivesse muitos pais e se perdesse em indefinições. Dois momentos cruciais.
     Entretanto, o relato que Luzi Fernando, junto com Iná Camargo Costa, conselheira de dramaturgia, dão aos acontecimentos da época, com detalhes muitas vezes desconhecidos do grande público, como a participação definitiva das mulheres tecelãs nos acontecimentos que deflagraram a revolta, e a Historia se fortalece. Já no ano de 1905 Lênin observa, sobre o início do movimento da revolta de um povo: ""A Europa está grávida de uma revolução" - não deixando que um golpe de Estado - um golpe democrático, o aborteiro do movimento dos povos -  fizesse a revolução morrer. Os "golpes" substituem as revoluções! Lênin, e todos os revolucionários, eram contra o KDT - uma espécie de PSDB da época.

     Luiz Fernando Lobo situa muito bem os acontecimentos, dirigindo-se ao público, como ator, situando o Brasil atual. E sua encenação filtra os acontecimentos da época através da projeção das imagens que nos ficaram (filmografia Batman Zavareze), que dominam a cena e complementam a narrativa. Mas o grande acontecimento é o desenho dos praticáveis móveis, idealizados por J. C. Serroni, local onde as cenas se desenvolvem, dando um movimento ao espetáculo, que o público complementa com o seu deslocamento no espaço. A registrar, entre tantas belas imagens, o solitário espaço em que Lênin se dirige ao povo, em seu retorno à Rússia, desde a Estação Finlândia, fazendo o seu grande comunicado em que indica o caminho, alertando os revolucionários a estabelecerem "todo o poder aos soviets!".

     Mas não se pode destacar apenas uma cena, frente a um espetáculo móvel que não dá sossego ao público! Um enorme aglomerado de pessoas, (umas 500, em apreciação livre), o público, que também faz parte do espetáculo, e principalmente os 25 atores que realizam as cenas e dão um frêmito de alegria e entusiasmo aos espectadores, fixando-se nos acontecimentos do século XX, e dos novos tempos que ainda poderão chegar, para o Brasil e para o Mundo. "É preciso muita teimosia" - dizem os revolucionarios.

     O diretor, no papel de um revolucionário que se dirige ao público (o diretor também é ator), interpelando (talvez) às mães atuais, quando se dirige, com certa impertinência, às "minhas senhoras" (imaginamos que as advertindo para darem maior atenção ao desenvolvimento revolucionário e humanista dos filhos). Destas "senhoras" irá se originar a sociedade do futuro. Em suas intervenções, o diretor adverte para a importância do momento atual.

     Bela idéia. Acabamos interpretando o empenho do diretor/dramaturgo - ao fazer um apelo a estas "senhoras" que têm o papel de modificar os povos, orientando seus filhos a darem um futuro melhor para a humanidade. Em suas "comunicações" com o público, o ator/diretor Luiz Fernando dá ênfase à aproximação "Russia/Brasil", ligando os tempos da pré-revolução da União Socialista Soviética e a primeira - e fracassada - revolução de 1905, com os acontecimentos (bons, de fartura e  liberdade) que ainda podem vir a acontecer no Brasil.                  

     Em um elenco de 25 atores, ainda podemos reconhecer, aqui e ali, companheiros de Luiz Fernando desde os tempos de Lima Barreto e do hospício da Praia Vermelha, o de D. Pedro II. O local de movimentação do elenco - os movimentos de cena daquele tempo já indicavam o futuro diretor. Podemos ver, entre os "trabalhadores" de John Reed neste espetáculo da Ensaio Aberto, Tuca Moraes, que também é diretora de produção nos "Dez anos...". Tuca vive várias mulheres que deram o sangue pelos acontecimentos de Outubro, entre elas Alexandra Kolontai! Reconheci também Peter Boos, que veio de outra companhia. Situação, imaginamos, de vários atores da Ensaio. Em ordem alfabética, e temerosa de citar, sem destaque, alguns dos pioneiros da Companhia, indico: Adriano Soares, Alarisse Mattar, Amaury Lourenzo, Amparo da Gata, Ana Karenina Riehl, Andréa Tonia, Brenda Jací, Bruno Peixoto, Cleiton Rasga, Fernanda Vizeu, Henrique Juliano, Gabriela Igarashi, Gê Lisboa, Geovane Barone, Gilberto Miranda, João Raphael Alves, Leonardo Hinckel, Luiz Fernando Lobo, Luiza Moraes, Nady Oliveira, Natalia Gadiolli, Peter Boos, Tuca Moraes, Vinicius Oliveira, Yani Patuzzo.     

     Devido à falta de informação (falha minha), perdi vários espetáculos da Ensaio Aberto. Perdi-me, sem condução, na imensidão do Cais do Porto. Aviso agora que o acesso à Ensaio Aberto mudou (a última vez que andei por lá havia trânsito na Rodrigues Alves, e muito movimento). Agora temos o VLT que para em frente ao Armazém.

     Enfim, agora sei que a Ficha Técnica continua em ótima produção, com Beth Filipecki e Renaldo Machado dando o tom marrom das trincheiras e dos pesados capotes guerreiros apresentados pelos atores. A Trilha Original e a Direção Musical é de Felipe Radicetti. Iluminação de Cesar de Ramirez (um tour de force), com a colaboração de Jorginho de Carvalho. Preparação Vocal de Julie Wein, e Preparação Corporal de Paulo Mazzoni. Assistente de Direção e Dramaturgia Dieymes Pechincha. Edição de Vídeo João Oliveira. Fotos, Renato Mangolin. Assessoria de Imprensa: Lead Comunicação.

INFELIZMENTE HOJE É O ÚLTIMO DIA - 31 DE OUTUBRO - PARA SE FAZER PRESENTE A TAL ACONTECIMENTO.  NÃO PERCAM! 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

"AGOSTO"

              Elenco de "Agosto". Autor Tracy Letts. Diretor Andre Paes Leme. (Foto Silvana Marques)


CRÍTICA DE  TEATRO
IDA VICENZIA
(da  Associação  Internacional  de  Críticos  de  Teatro - AICT)
(Especial)

"AGOSTO"
Esse pessoal do "meio-oeste" americano tem lá o seu jeito para teatro! Tracy Letts é atrevido, e transforma o seu relato em algo com personagens tão marcados, tão desenhados, que por vezes pendem para o absurdo. Outra coisa interessante é que possui o tom "velho/ novo" dos grandes dramaturgos, sem fazer alarde dessa condição. Há de tudo, no texto: poetas negando o seu talento, pessoas doces convivendo com feras - o "mundo real" passando pelo texto e abrindo (ou fechando) janelas que se tornam, às vezes, previsíveis. Quem for assistir, verá. Faz parte do jogo. Há um morceau de bravure para cada personagem. Sim, trata-se de um texto sufocante, claustrofóbico, onde todos os personagens podem brilhar. É teatro de raiz! Gosto dos irlandeses dramaturgos (os que vou citar agora, e muitos outros que transformaram a America teatral), só não gosto da mania que os colonizadores irlandeses tinham, essa mania de matar índios americanos... Aliás, para mim, a segunda personagem fabulosa em "Agosto" é a índia... Adivinhem quem é a primeira?

     Vamos aos dramaturgos (a alguns deles). Haja fôlego! Lembram-se de "Full for Love"? Ou de "Um Bonde Chamado Desejo"? Gênios como Sam Shepard: "Quero que as pessoas vivam as minhas peças com um senso de questionamento, de mistério". Tennessee, que veio do Mississippi e trouxe essa gente estranha para o palco.  "Agosto", agora, é um misto de amor e ódio, filhote destas inspirações. O autor veio de Oklahoma, e seu texto é mais descarado ainda - pois o "irlandês" às vezes homenageia Nelson Rodrigues! Um achado de Guida Vianna, pois este é o papel de sua vida!

     Quero ser breve. Aconselho às pessoas claustrofóbicas a não assisti-lo, ou a assisti-lo, justamente para descobrir se são claustrofóbicas! Há para todos os sentidos. Elenco e direção têm obrigação de ter nervos de aço. (O que mais espanta, em teatro, é ver aqueles atores, que viveram coisas inacreditáveis em duas horas, e depois sorrirem para o público, despedindo-se e agradecendo com sorrisos de anjos, como se tivessem participado de uma comédia. Será?).

     André Paes Leme, o diretor que mora em Portugal e veio especialmente para dirigir a peça, alerta para a tentação de banalizar o teatro, fazendo tudo virar comedia. Não é o caso, mas anda próximo... Enfim, não dá pra segurar esses irlandeses, embora eles sempre lembrem um pouco os brasileiros...

     Fico por aqui. Quero dar meus parabéns aos desempenhos surpreendentes do elenco: Guida Vianna (Violet); Claudia Ventura (Karen); Claudio Mendes (surpreendente o seu crescimento como ator. É verdade que não assisto Claudio há muitos anos, quase não o reconheço, está uma bela presença em cena, e ótimo ator). Aliás, de ótimos atores é feita a peça, senão não seguram tudo o que Letts/Leme pedem deles! Há ainda a doce índia (e, por eliminação acho que cheguei a Marcio Vito (Steve). Julia Schaeffer; Letícia Isnard; Eliane Costa; Guilherme Siman; Marianna Mac Niven (Ivy); Paulo Giardini (o doce Beverly).            
     Cenografia Carlos Alberto Nunes; Figurinos Patricia Muniz, Iluminação: Renato Machado (como sempre, destaque); Música: Ricco Viana; Fotografia Silvana Marques. É PRECISO NERVOS DE AÇO PARA ASSISTIR "AGOSTO". UM DESAFIO.