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domingo, 26 de julho de 2015

"AS AVENTURAS DO MENINO IOGUE"


Orlando Caldeira, Luciana Bellina e o Menino Iogue, em
"As Aventuras do  Menino Iogue" (Foto do Estudio Carol Chediak)


IDA VICENZIA FLORES
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

    Espetáculo Infantil: "As Aventuras do Menino Iogue". Espaço Tom Jobim, Galpão das Artes - Jardim Botânico - Rio de Janeiro. Na bilheteria, muita confusão e a ameaça de mandar esta crítica para outro horário (como se fosse possível). Por falta de espaço, diziam. Propaganda? Lá dentro, espaços vazios e muita calma. Bilheteria zero; espetáculo 10. Não merece a bilheteria estressada.

    Trata-se de um espetáculo homenageando a Índia e seus iogues. Um belo espetáculo, as crianças curtem, e os pais compartilham desse ambiente que homenageia os praticantes de ioga.

     Fomos  assistir as aventuras de um menino príncipe que foge de seu castelo. Liberdade e transcendência, eis a essência da peça. Antonio Tigre, autor do livro no qual é baseado o espetáculo, teve seus momentos de adaptação e descoberta, segundo ficamos sabendo no programa de Leda Nagle. Muito jovem, travou uma batalha contra um problema sério de coluna. Venceu-o através da postura correta da ioga.  Aprendeu como se sentar sobre os "sitting bones" - os ísquios, "ossinhos de sentar". E muitas coisas mais, que agora ensina a seus alunos. 

      Antonio Tigre protagonizou uma historia de superação. Agora, autor de livro, professor de ioga e também manipulador de bonecos (nesta experiência teatral com o Menino Iogue), compositor das músicas do espetáculo e, em um momento também ator, ele confessa que sempre imaginou seu livro como um espetáculo teatral. E deu certo. Tudo isso foi conseguido com a colaboração e direção de Juliana Terra (que também faz a direção de movimento) e Arlindo Lopes. Junto com Carol Chediak, assistente de direção, os dois diretores adaptaram o texto para palco. A preparação vocal é da ótima Soraya Ravenle.

     As crianças, na platéia, se empolgam e orientam, com suas indicações, para onde deve ir  o jovem príncipe, em suas andanças. E de quem ele deve se precaver... para ser bem sucedido. No início, temeroso, lá vai o príncipe em busca de seu coração. Sim, a peça nos diz que todos os tesouros do mundo os levamos dentro de nós, no nosso coração: principalmente a felicidade.
     Pode-se observar, pela alegria que a peça transmite, um elenco feliz. Há músicos interpretando os mantras e os ritmos orientais indianos. E há, no ar, uma imensa satisfação de estar ali. Uma alegria colorida. Sim. Muita cor.

     A ficha técnica é um luxo só. Além dos já citados, temos o desenho de luz de Paulo Cesar Medeiros. Com a sua competência habitual, ele transforma ambientes. Os figurinos  coloridos - a cada cor uma interpretação do mundo iogue - são de Beth Passi de Moraes, Joana Passi e Rebeca Dallmaier.  Direção musical de Gui Cavalcanti.  A criação do espetáculo é exigente, em seus mínimos detalhes. Às vezes temos a impressão de que eles são em demasia, os detalhes, mas o mundo oriental é mesmo assim, excessivo em suas manifestações culturais, religiosas, e em seu feitiço...

      Há também o cenário Gabi Windmüller e Alberta Barros, com seus telões de montanhas (o Himalaia) e nichos de flores para os músicos. Estes são Luciana Bolina (que também é atriz), no instrumento de corda, (o Tat  Wadya) ; Antonio Arvindo toca o Ghan Wadya. Temos Guilherme Alves no Susahir Wadya.  E  Wilson Jequitiba, Gui Cavalcanti e Grasiela Müller dedilhando e percutindo instrumentos mais conhecidos do repertório ocidental:  tais como o violão, dedilhado por Cavalcanti, ou a percussão, ativada por Jequitibá;  ou ainda o acordeon de Grasiela Müller.

     São tantos os preparativos para este espetáculo exuberante, que é quase impossível citá-los todos. Há um simpático ratinho (os bonecos são de confecção de Fernando Gomes): Ananta e Vahana. As indicações de manejo foram dadas por Alexandre Guimarães, inclusive a do manejo do Menino Ioge, executado por Alexandre Tigre. Na confecção dos bonecos "Alê" é acompanhado por  Letícia Medella. Viram só? É um não acabar de preparativos para o grande acontecimento. O pessoal da ioga está de parabéns.

    Há ainda a confecção das máscaras! São macaquinhos cantando e dançando, fazendo acrobacias e posições de ioga. Uma demonstração. As máscaras são de Maria Arribasplata.  E as perucas de Marcia Elias. O visagismo é de Gabriel Ramos. A  divulgação é feita pelos de nossos queridos Carlos Gilberto e Fábio Amaral, do Minas de Ideias. 

     No elenco, composto por (em ordem alfabética) Antonio Arvind, Antonio Tigre, Grasiela Müller, Gui Cavalcanti, Guilherme Alves, Luciana Bollina, Orlando Caldeira e Wilson Jequitibá, na sua maioria, toca também os instrumentos e participa interpretando os bonecos mascarados.

     Destacamos a atriz, e também bailarina, Luciana Bollina e seu número sobre a "temível serpente venenosa" a Naja dos indianos, que se manifesta de maneira juvenil e divertida. Também destaque para o "pássaro azul", de Grasiela Müller. E, claro Alexandre Tigre, com a sua alegria e bondade aparente.             
  
     O caminho do "menino iogue" o leva para os píncaros do Himalaia, onde medita, procurando o "seu" pássaro azul. Em cena, na transformação, temos a presença de Antonio Tigre representando o apogeu do menino iogue, quando ele se transforma em um rapaz,  meditando, transformando-se em um sabedor da cultura indú: "Ommm..." Parabéns elenco e equipe! 
    OBS: Raramente esta crítica se dirige ao teatro infantil. Gostaria de fazê-lo mais, porém o adulto é a prioridade desta coluna.   


quinta-feira, 23 de julho de 2015

"Bruce" - Eu me recuso a abandonar meu romantismo.

Bruce Gomlevisky e banda, no show de lançamento do CD "Bruce" -  Eu me recuso a abandonar meu romantismo. (Foto Produção)

IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

MENINO MIMADO - o lado cruel do Romantismo.

     O diretor e ator Bruce Gomlevsky comemora os seus 20 anos de carreira... cantando! (Lembram Renato Russo?). Na verdade, a música é a sua mais antiga paixão. Menino, já dedilhava o seu violão e infernizava os vizinhos na bateria. Com o show "Eu me recuso a abandonar meu romantismo", lançando o seu primeiro CD, "Bruce", ele volta, malcriado como Tim Maia, e romântico como Roberto Carlos. Duas semelhanças: a primeira pela irreverência vocabular, a segunda pelo som metálico de sua voz. Devemos admitir que a de Bruce soa muito mais metálica do que a de Roberto Carlos, querendo às vezes concorrer com os metais da banda. Aliás, os músicos que o acompanham neste lançamento do CD, no Theatro NET, são um espetáculo à parte.    

     Em um palco tomado por "spots" poderosos e muito claro/escuro, temos, no baixo e comandando o espetáculo, Mauro Berman (que também produz o CD, gravado e mixado por Alexandre Griva); na bateria Lourenço Monteiro; Sergio Yazbek na guitarra e violão; Humberto Barros, no teclado; Sidinho Moreira, na percussão; Marlon Sette, no trombone; Zé Carlos Bigorna, sax tenor e sax barítono; José Arimeteia, no trompete. Como podemos ver, tudo nos leva a uma superprodução. Há três "backing vocals", ótimas: Lilian Valeska, Evelyn Castro e Letícia Pedroza. E o músico Marcelo Alonso Neves fazendo os arranjos de metais para A Atriz, À Sua Frieza, Você é tudo o que eu sempre quis, e Ame, Dance, Ria (I Am Dancing Here). A voz metálica de Bruce Gomlevsky se une aos instrumentos. E o cantor também  faz seus números com o violão.

     Acontece que Bruce também é poeta. Talvez, por pura teimosia, ou por ser um "menino mimado" (das artes), Gomlevsky se excede. Tudo bem, não podemos esquecer que Bruce também é ator.

     É possível perceber, na noite do lançamento do CD, que os muito jovens se divertem com as agruras da vida de Bruce, e dançam arrebatados com o som da banda. Suspeitamos que é justamente isso o que o cantor/ator quer.  

     Mas por que Bruce Gomlevsky lançou este CD? Diz ele que é assim, excessivo, porque é Escorpião com Escorpião, mas o seu "adolescer" é antigo... e estável. Ele canta: "Vago pela noite me arrastando/ Como um qualquer/ Sofrer de amor é minha sina/ Sempre foi assim com toda mulher// Ou: "Eu queria te pedir desculpas/ Eu nunca quis te machucar/ Eu queria te pedir desculpas/ Eu nunca quis te fazer chorar// "Queria aprender a ser mais gentil/ Preciso parar de ser tão infantil/ Queria perder o medo do escuro/ Preciso parar de ser tão inseguro// 

     Mas em vários momentos o poeta se manifesta: "Sua doçura me encanta/ O seu sorriso me ilumina/ Sua beleza me espanta/ Sua alegria sempre me contamina" ("Você é tudo o que eu sempre quis", talvez a melhor poesia do CD). Esta mulher já foi cantada, em outros versos, nada menos do que por Puskin!, porém em outro compasso: "Recordo o luminoso instante/ quando eu, tomado de surpresa,/ te vi: súbita imagem, diante/ de mim, da essência da beleza". ("Para***").

     E Bruce canta: "Acordei com seu nome/ Na minha cabeça/ Insistente, incansável/ Como o meu coração".  

      São 12 músicas falando sobre o mesmo tema: o misterioso acontecimento do amor. Mas quando chegamos na 9ª música, "Cansei", pensamos: 'agora ele vai mudar o tom'. Qual, o tom não muda, e Gomlevsky até se ajoelha, no palco, suplicando pelo seu amor perdido. Percebe-se que a inspiração não é ficção, ele está trabalhando uma perda. Mas isso é ser "romântico"? Ser romântico é rasgar a alma, só que "no tempo dos "românticos", eles se matavam de amor... Bruce morre um pouco, todos os dias, e optou por uma saída irônica, no final do espetáculo, convidando a platéia para dançar, com "Ame, Dance, Ria" - e confessa "I Am Dancing Here". E ri muito... Como o ator sabe que o sublime anda de mãos dadas com o ridículo, ele optou pela  ironia.  

    E o "menino" se entrega, confiando no amor da plateia: "Ela joga comigo/ Porque me tem na mão// Ela me provoca/ Porque sabe que eu perco a razão// Ela adora me fazer ciúme/ E sempre me culpa pela sua insatisfação// (e complementa com o refrão): "Não sei mais o que fazer/ Pra te fazer feliz/ É melhor tomar cuidado/ Quando se envolver com alguma atriz//

     Ou: "Eu não sei viver sem você/ Nunca amei ninguém tanto assim/ Mesmo se te amar é sofrer/ Pior é você longe de mim// (...) Ou: "O que pra você é altura/ Pra mim é o chão/ (...) "O que pra você é rancor pra mim é só uma canção//

    Como podemos perceber, faltou "sintonia" em seu amor. Na noite do Theatro NET também faltou sintonia, dessa vez com o som, no início do espetáculo. O diretor musical do "show", Mauro Berman, não foi perfeito ao equalizar a complicada aparelhagem, e as três primeiras intervenções de Bruce foram ultrapassadas pelo poderoso som do rock: não se ouvia a sua voz. Atordoado, o público gritava: "Muito alto!" "Muito alto!". Queixavam-se do som. Finalmente, quando o cantor se dirige à plateia (e o faz como um bom "entertainer"), a situação se resolve.  

     A Produção do CD é de Mauro Berman; seu design é de Mauricio Grecco e 
Lygia Santiago, e a foto de capa de Vivian Golombeck. Todos assessorados pela competente dupla de comunicadores, João Pontes e Stella Stephany.    
        
                 MESMO COM TODA ESSA CONFUSÃO MODERNA,  AS BELAS   MULHERES 
                 CONTINUAM  INSPIRANDO  OS  POETAS

sexta-feira, 17 de julho de 2015

"POLITICAMENTE INCORRETOS" - A REVISTA DO ANO

Elenco de "Politicamente Incorretos - a Revista do Ano": Cristiano Gualda, Wladimir Pinheiro, Cristiana Pompeo, Ana Velloso, Édio Nunes e Hugo Kerth. Direção Sergio Módena. (Foto Débora Garcia).   
IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

"POLITICAMENTE  INCORRETOS" -  A REVISTA DO ANO.

     As "Revistas do Ano" de Artur Azevedo se iniciavam com uma explicação. Por exemplo, em "A Gruta Sombria", de 1877, o apresentador se dirige ao público: "Nesta gruta sombria é que se costumam reunir, no dia 31 de dezembro, as calamidades brasileiras", e as enumera, aparecendo em cena, uma a uma, a Política, a Febre Amarela, o Beriberi, O Cortiço, a Seca, a Inundação, e por aí vai. Em novembro de 2012, em boa hora, tivemos uma retomada das revistas do ano (embora o Grupo Tapa já as tenha apresentado, no passado, e outros grupos também, porém elas apenas rememoravam Artur Azevedo).

     Retomada mesmo tivemos em novembro de 2012, com "A Revista do Ano - O Olimpo Carioca", idéia e texto de Tânia Brandão. Passaram-se três anos, e agora vemos o renascer dessa irreverente (e bem vinda) forma teatral. A idéia desse renascimento foi de Ana Velloso (colaboração no texto de Vera Novello e Cristiano Gualda, supervisão Tânia Brandão). A revista começa com a abertura da Copa do Mundo de 2014, e o calamitoso 7X1 que a seleção brasileira levou da Alemanha. E aí começam todas as desditas brasileiras e, como uma boa Revista do Ano, não se salva ninguém.

     Quem não gosta nem um pouco de linguagem chula e de verdades cruas atiradas à plateia, sem nenhum pudor, que se mantenha bem longe do SESC Copacabana, onde tal espetáculo acontece. Mas se você gosta de ver a nossa historia recente contada de maneira hilária e irreverente, não perca esta Revista do Ano - onde o "Politicamente Incorreto", dirigido por Sérgio Módena (o mesmo diretor de "O Olimpo Carioca", com a mesma linguagem competente), e codireção de Gustavo Wabner; direção musical de Wladimir Pinheiro. Os figurinos e adereços tão apropriados ao espetáculo são de Antonio Medeiros (bravo!) e Tatiana Rodrigues. Ambientação cênica de Bia Godomar, Sergio Módena e Gustavo Wabner. A iluminação, que faz seu jogo narrativo com perfeição, é de Tiago e Fernanda Mantovani.

     Para vocês terem uma idéia, a crítica aos "brasis" já começa na cena inicial da Revista, com a reclamação dos atores pela precariedade do espetáculo, e a reprodução da "pífia" abertura da Copa de Mundo de 2014, no Maracanã. E aí não paramos mais de rir com as loucuras que o elenco, direção, figurino, músicas, cenografia, iluminação, texto, apresentam. Os atores se queixam (em cena) que não há verba para reunirem dezenas deles para subirem ao palco com o "Politicamente Incorreto". E precisa? Coisa de ator. Eles finalmente "caíram na real" e perceberam que o negocio é fazer, pois o talento exige, empurra, e a morte é certa! (Aliás, essa revista não se ocupa com a morte... como a anterior). Os quadros vão se sucedendo, com  sugestões dos que querem levar "a Revista" adiante, como a cena ingênua inventada pela personagem de Cristiana Pompeo, que sugere coisas como personagens do Olimpo chegando ao Rio de Janeiro... (crítica divertida à revista anterior?). Pompeo é uma atriz tão completa, "canta e encanta" (que coisa óbvia de se dizer! mas é verdade). A sua cena falando ao celular e oferecendo amendoim e jujuba à platéia é um espanto... e uma lição!

     O espetáculo tem início com o debate eleitoral de 2014, o "tal" que conhecemos tão bem, de conseqüências tão desastrosas. E as sequências se desenvolvem com rapidez, graças ao saber fazer do elenco (e do diretor...). A idéia de Vera Novello, as músicas escolhidas (há paródias de Ivan Lins, Caymmi, marchinhas de carnaval, e uma em especial para a Fifa!)  Ah, essa gente das Revistas do Ano!  

     Não é possível reviver todos os lances. No debate eleitoral os atores já mostram a que vieram. E eles são excelentes, em sua paródia aos candidatos. Lembramo-nos de Hugo Kerth fazendo o "anjinho" do SPDC (ou algo que o valha, as siglas não enganam as referências). Há grandes momentos para todos, em uma democrática performance teatral. O que envolve o público é a vivacidade com que as coisas acontecem. Ana Velloso está leve e solta, em todas as cenas. Ela se deu muito bem fazendo a nordestina na cena da revista de 2012, e voltou em 2015, interpretando inúmeros personagens, mas principalmente o seu próprio, de produtora do espetáculo. Ana mostra, nesta revista, a versatilidade de seu talento. Édio Nunes muitas vezes arrasa em suas cenas tão espontâneas, como a do sacipererê "psoldiano", muito bom. E Velloso com o sotaque e a voz de Marina Morena? Só não gostamos da sugestão de que a candidata "Mamãe Noel" parece que bebe...

     Cristiano Gualda consegue colocar seu talento ultrapassando a sua  presença cênica (o que não deve ser fácil). Escolhido como o rebolativo representante do carnaval, ou o Super-X, uma hilária crítica ao nosso "Mr. X", o maior empresário do Brasil. Também a cena da análise da "viciada em manifestações", tendo Cristiano e Ana em mobilidade constante. Nesta cena surge, "do nada", o travesti de Gualda. Um acerto só. Como "do nada" surge a madama da platéia, interpretada por Pompeo. Wladimir Pinheiro tem seus tempos de "ceguinho" da Escola de Samba, ou ainda o candidato à presidência, repulsivo, que vai acabar no esgoto, na cloaca; ou o pai revoltado, na cena em que se critica essa mania da "alimentação politicamente correta". Há também uma cena muito divertida sobre os viciados em celular - e outros vícios mais!

SE VOCÊS AMAM TEATRO, NÃO PERCAM A ESTA DEMONSTRAÇÃO DE TALENTO CRÍTICO!

sábado, 11 de julho de 2015

A VISITA DA VELHA SENHORA - SEGUNDA PARTE

Maria Adélia em "A Visita da Velha Senhora", de Friedrich Dürrenmatt, direção Silvia Monte.
                                                     "A entrega do Cheque" (foto divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Em cartaz até o final de julho, "A Visita da Velha Senhora", de Dürrenmatt, direção Silvia Monte, tradução Mario da Silva, no Centro Cultural do Poder Judiciario (CCPJ-Rio). Volto ao assunto para observar como podem os grandes textos ter interpretações as mais variadas. No caso, e esta é a segunda vez que assisto ao espetáculo, foram para mim duas diferentes leituras. Na primeira, registro o poder do dinheiro enquanto corruptor. Nesta segunda, procuro entender a mulher ferida em seu amor.    
   
     Dessa vez, a historia contada por Dürrenmatt emerge do ponto de vista da jovem Clara. Abandonada por seu primeiro amor, ela se transforma na vingativa Sra. Zahanassian, viúva de um milionario que a ensinou a ver o mundo com outros olhos, os da vingança. Magnificamente interpretada por Maria Adelia (sua atuação é digna de prêmio), a mulher vingativa deixa transparecer, no derradeiro encontro com o amado Schill que a recusou quando jovem (o também excelente Marcos Ácher), o seu grande e frustrado amor. É a cena final entre os dois, e sua carga dramática é sustentada por recordações que esclarecem e confrontam os dois pontos de vista. O Sr. Schill sente-se culpado e a Sra. Zahanassian ironiza, com força sutil, o seu grande e juvenil amor. Podemos nos emocionar, mas também podemos sorrir de tanto desencanto. E, a seguir, o "extremamente errado" acontece.

     Através da motivação da jovem Clara podemos ver esta peça com outros olhos. Antes, o que nos parecia um "exagero de maldade" agora se torna compreensível, ainda que não recomendável... Afinal, podemos dizer que a técnica do autor suíço é a de uma historia policial, pois os pontos escuros da jovem Clara vão sendo colocados, e a vingança, esclarecida no final, torna-se suportável.
     Dürrenmatt, fiel ao seu ponto de vista sobre a vida, registra: "um historia não está terminada até que algo tenha dado extremamente errado", ou algo assim. No caso, o algo "extremamente errado" pode ter sido o início da historia de Clara - que resulta no terrível fim do espetáculo. A vingança da jovem Claire é exemplar. Traduzindo: esta segunda leitura nos faz entender melhor a diabólica Sra. Claire Zahanassian e seus 10 maridos, sua imensa fortuna, etc, etc, etc. Sua amargura acaba sendo megalomaniacamente divertida! Dürrenmatt, como podemos perceber, zomba da sociedade e a despe de toda a caridade hipócrita que ela ostenta, fazendo-a jogar o jogo da verdade. 
   
     O elenco é formado por grandes atores, além dos acima citados. Registramos o desempenho magnífico de Eduardo Rieche, como o Professor indignado; Yashar Zambuzzi, o Prefeito e sua ironia; o Páraco de Paulo Japiassú, e sua hipocrisia. Anita Terrana, uma Sra. Schill que se modifica, conforme o desenvolvimento de seu poder financeiro. Excelente. Os filhos interesseiros, interpretados belamente por Laura Nielsen e Antonio Alves. André Franzi, Pedro Messina e Pedro Lamin têm presenças marcantes. O elenco é de primeira grandeza, assim como a sua ficha técnica: Cenário de José Dias e figurinos de Pedro Sayad. Iluminação de Elisa Tandeta e Projeções de JP Andrade. O espetáculo é um acerto só.
NÃO PERCAM ESTA GRANDE OPORTUNIDADE DE ASSISTIR A UM DE NOSSOS  MAIORES  DRAMATURGOS: FRIEDRICH DÜRRENMATT.   



sábado, 4 de julho de 2015

ELZA E FRED

Umberto Magnani e Ana Rosa em "Elza e Fred", direção Elias Andreato. (Foto Divulgação)


IDA VICENZIA
(da Associação Internacional de Críticos de Teatro - AICT)
(Especial)

     Em cartaz no Teatro Maison de France, "Elza & Fred", uma adaptação para teatro do filme argentino do mesmo nome, dirigido por Marcos Carnevalle. A adaptação para teatro é do próprio Carnevalle, com direção de Elias Andreato. No elenco da atual versão brasileira da peça, que foi sucesso mundial no cinema (tradução Rodrigo Paz), temos Ana Rosa como Elza e Umberto Magnani, no papel de Fred. Estes dois personagens, heróis da velhice, conseguem vencer a limitação da idade e surpreender, neste encontro que lhes restitui a alegria de viver.    

     A sorte lhes bate a porta através de uma simples colisão de dois motoristas distraídos: um dos motoristas é Elza, e o outro alguém da família de Fred que se torna, inadvertidamente, um cupido. Explico: ao se constatar os danos feitos por Elza no super carro do genro e filha do vizinho, começa o destino a traçar a sua benéfica rede.

     A encenação é leve, aberta, com notas que remetem a "Three Coins in The Foutain", do filme do mesmo nome. O sonho de Elza, de conhecer a famosa "Fontana Di Trevi", vai ser realizado a partir da bendita colisão de dois automóveis quebrando pára-choques (algo muito simbólico). Sem maiores conseqüências para os carros, porém para o coração de Elza e de Fred, esta colisão é determinante.

     Quantas pessoas, ao atravessar a casa dos 70 anos, não sonhariam com essa colisão? E aí está o encanto da peça: o futuro alegre e glamoroso atravessando o limite da idade do amor. É muito bom ver um texto e seus atores se envolverem de maneira tão agradável nesta comedia de costumes (romântica?) fora de qualquer regra ou costume.

     E tudo isso se ampara na personalidade extrovertida e naturalmente feliz de Elza (Ana Rosa transmite alegria e malícia a seu personagem, dando leveza ao que poderia ser uma tragédia, já que ela, Elza, possuiu uma doença terminal). Pensando bem, Elza sabe que a vida é uma doença terminal...e trata de "colocá-la em seu lugar", a morte. Quanto a Fred (Umberto Magnani dá vida a um resignado velho, disposto a viver sua recente viuvez na companhia de um pássaro na gaiola, extensão da condição de Fred no mundo). Mas também este personagem sabe reconstruir a sua vida, e para isso nos transmite o "escândalo" que é viver a alegria que a vida lhe oferece. 
  
     E quem pode com a independência destes dois velhos? Não os filhos, não o genro. O neto compreende o avô, e temos uma das mais simpáticas relações neto e avô. No elenco, Isadora Ferrite, a filha de Fred; Igor Dib, Luciano Schwab, Fernando Petelinkar, David Geraldi David Leroy e Ando Camargo.

     A registrar, a projeção da cena de La Dolce Vita, com o famoso desfile de Anita Ekberg na sonhada Fontana de Trevi. Figurinos muito felizes do mestre Fabio Namatame, que também é responsável pelo cenário plástico e cheio de imaginação. Também os adereços são de Namatame, o que já é uma recomendação do bom visual da peça. Iluminação de Wagner Freire utilizando spots com luzes quentes sobre telões móveis. Jonatan Harold é o responsável pela bela intervenção musical.


BONS MOMENTOS DO MELHOR TEATRO. VALE A PENA CONFERIR!